Trabalho infantil: Ceará já registra neste ano 97,8% do número de autuações de 2021

Considerando o período entre o início do ano e o dia 19 de abril, o registro deste ano é mais de quatro vezes maior que o mesmo intervalo do ano passado

O Ceará registrou 90 autuações por exploração do trabalho da criança e do adolescente entre o início deste ano e o dia 19 de abril, conforme balanço do Ministério Público do Trabalho (MPT). Quantidade equivale a 97,8% do número de autuações realizadas em 2021 e é mais de quatro vezes do registro equivalente ao mesmo período do ano passado, quando 22 procedimentos foram autuados.

O órgão esclarece, por meio de nota enviada ao O POVO, que a maioria desses procedimentos foram lavrados com base em relatórios de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho, no Estado (SRT/CE). Próximo ao quantitativo de 2021, o número registrado neste ano já supera o valor alcançado em 2020, quando 52 fiscalizações foram realizada na área de combate ao trabalho infantil.

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Em 2022, 76 dos procedimentos autuados (84% do total) se referem a casos de adolescentes encontrados trabalhando em locais ou atividades insalubres ou perigosos. Conforme o MPT, enquadram-se nessa categoria trabalhos com ferramentas e instrumentos perfurocortantes sem equipamento de proteção adequado, além de ofícios que envolvem manutenção, lavagem e lubrificação de veículos, tratores, motores e máquinas com o manuseio de solventes, ácidos e outros produtos químicos. A construção civil, trabalhos que envolvem risco de lesão e até morte, como açougueiro e eletricista, e a exploração sexual também estão entre as piores formas de trabalho infantil, conforme estudo do SRT/CE.

Antonio de Oliveira Lima, procurador do MPT/CE, aponta que o aumento significativo registrado neste ano tem relação com o aumento das ações de fiscalização em empresas do setor formal da economia, como restaurantes. Ele explica que na maioria dos casos os adolescentes estavam com carteira de trabalho assinada regularmente, mas executavam trabalhos considerados insalubres ou perigosos. O número de autuações, contudo, ainda é considerado muito baixo pelo procurador em relação às pesquisas realizadas pelo IBGE, quando foram encontradas cerca de 80 mil crianças e adolescentes em situação de exploração do trabalho no Ceará.

O procurador defende que o aumento deste ano não é consequência da pandemia de Covid-19, já que em 2021 a situação epidemiológica era mais crítica e o aumento do trabalho infantil decorrente na crise na saúde teve repercussão especialmente no setor informal. Conforme Antonio, a nova fase de liberação das atividades restritivas não deve resultar em um aumento do trabalho infantil, mas deve ligar um sinal de alerta. “É possível que os adolescentes continuem sendo contratados dentro da formalidade legal, mas nesses casos das piores formas de trabalho infantil”, aponta.

Para Raquel Coelho, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Núcleo de Estudos Aplicados Direito, Infância e Justiça (NudiJus), os mitos existentes na sociedade sobre o trabalho infantil são prejudiciais para o aumento dos índices, ainda que existam normas constitucionais e legais que proíbam a prática. Ela pondera que grande parte da sociedade ainda acredita que a saída para a família vencer a pobreza e outras situações de vulnerabilidades seria por meio do trabalho infantil.

“Frases como 'o trabalho dignifica a criança', 'melhor estar trabalhando que estar ocioso', 'o trabalho impede o mundo do crime', e outras ideias similares, ainda estão muito presentes na legitimação do trabalho infantil”, lamenta a pesquisadora. “Algumas pessoas adultas usam do exemplo de sucesso pessoal para insistir no trabalho infantil. No entanto, esquecem que as condições atuais familiares são muito mais adversas e perigosas para a formação e o desenvolvimento saudável desses jovens”, enfatiza.

Em quadro agravado pela pandemia do novo coronavírus, a docente sugere que a falta de proteção às famílias por meio de políticas públicas também traz consequências severas para a vida de crianças e adolescentes nos centros urbanos. No trabalho desenvolvido pelo NudiJus, há denúncias de exploração de crianças que estão no trabalho diante da falta de vagas nas escolas, assim como relatos de jovens que fugiram de casa e precisam se submeter a vários pequenos trabalhos, incluindo atos infracionais, segundo Raquel.

A especialista reforça que crianças e adolescentes podem se submeter a trabalho em situações muito restritas e benéficas à formação do jovem. “Assim, os governos devem promover educação em tempo integral, políticas públicas para o adolescente trabalhador e uma maior fiscalização das condições de trabalho que aviltam a dignidade de crianças e adolescentes”, argumenta a docente em nota enviada ao O POVO também assinada por Felipe Caetano, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Combate ao Trabalho Infantil.

No Ceará, os pesquisadores reconhecem que o cenário tem melhorado significativamente nos últimos anos, sendo o Estado um dos entes federativos que mais reduziu seus índices de exploração do trabalho infantil. Os resultados, conforme os especialistas, foram obtidos por meio de um esforço conjunto entre municípios, Estado, MPT e rede de proteção. “Porém, ainda há muito a se avançar. Muitos municípios não têm sede própria do Conselho Tutelar, bem como não têm uma equipe de busca dos casos de trabalho infantil, além de faltar recurso para gerar oportunidade aos que saem dessa condição”, ponderam.

Para reduzir os índices, o procurador Antonio de Oliveira Lima concorda que a oferta de ensino em tempo integral seja ampliada, assim como se pense em uma maior cota para contratação de jovens aprendizes nas empresas. “É preciso ampliar ainda mais a fiscalização, com uma estratégia mais intensa nesses segmentos que têm atividades insalubres e perigosas, principalmente em pequenas e microempresas. Quanto mais fiscalização tiver, mais as empresas vão ter o cuidado de não expôr os adolescentes a essas situações”, acrescenta o procurador.

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), que atua com apoio do MPT e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que o trabalho infantil é reconhecido como uma das formas de exploração mais danosas ao desenvolvimento individual. Na última publicação do órgão, em 2021, o contingente de crianças e adolescentes em situação de trabalho passou de 2,2 milhões em 2016 para 1,8 milhão em 2019, o que representou uma queda de 15,5% no número de crianças submetidas à situação.

“Os efeitos da exposição ao trabalho antes do tempo necessário para o desenvolvimento das habilidades e conhecimentos repercutem em diversas dimensões da vida adulta (baixa escolaridade, danos psicológicos, baixos salários, ocupações degradantes, exposição à violência, menor longevidade) e elevam o trabalho de crianças e adolescentes à condição de fator de transmissão intergeracional da pobreza”, aponta o Fórum.

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