Terreiro de candomblé mais antigo do Ceará dá entrada em processo de tombamento
Comunidade do Ilè Igbá Asè Possun Aziri, terreiro de candomblé no bairro do Dendê, em Fortaleza, enviou documentação ao Iphan/CE, à Secult e à SecultFor
16:22 | Fev. 25, 2022
A luta pelo reconhecimento e a preservação das culturas de raízes africanas no Ceará deu mais um passo importante nesta sexta-feira, 25. Isso porque o documento que solicita o tombamento do terreiro de candomblé mais antigo do Estado foi encaminhado para apreciação dos órgãos públicos. O pedido de tombamento do Ilè Igbá Asè Possun Aziri foi enviado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Ceará (Iphan-CE), à Secretaria da Cultura do Estado (Secult) e à Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor). Mesmo com as informações coletadas e agrupadas em documento, não há previsão de quando o processo de tombamento poderá ser finalizado em sua totalidade.
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Além de membros da comunidade, o processo foi coordenado pelos professores Romeu Duarte e Mário Fundarò, do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design (DAUD) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
De acordo com Romeu, o processo de elaboração do documento levou em consideração os trâmites já adotados em outros terreiros do Brasil, que alcançaram tal reconhecimento.
"Consideramos os terreiros que já são protegidos no Brasil inteiro, como na Bahia e no Rio de Janeiro. O nosso Ilè tem uma ligação antiga com um terreiro no Rio, estudamos como esses trabalhos foram feitos e procuramos seguir essa linha", explica o professor.
O Ilè Igbá Asè Possun Aziri está localizado no bairro Dendê e foi fundado em 2 de julho de 1975, por Pai Del de Oxum e Pai Xavier de Obaluayê, babalorixás responsáveis pelo despertar do candomblé na Capital. Atualmente, o local é dirigido pelo babalorixá Shell ty Obaluaye, filho de Pai Del.
O processo de tombamento teve início ainda no primeiro semestre de 2021. Quando foi dado início ao passo a passo necessário para elaboração do documento de solicitação do tombamento.
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"Fizemos o estudo do edifício, entendemos a importância das plantas, já que não existe orixá sem planta. Foi um ensinamento muito grande, também tem a questão da comida, que é importante demais para o culto. Todas essas questões foram englobadas pelo estudo", destaca Romeu.
De acordo com o professor, o último levantamento realizado sobre os terreiros de Fortaleza apontou a existência de mais de 700 na Capital. Para Romeu, o reconhecimento do tombamento do terreiro traria relevância nacional para o Estado.
"Uma vez tombado, principalmente em âmbito federal, vai se colocar o terreiro no mapa do candomblé brasileiro, já que, até agora, o Ceará não tem um espaço nesse mapa", comenta.
O Atelier de Patrimônio Cultural, coordenado pelo Prof. Romeu, possui vasta experiência no quesito de solicitações de tombamento. Cerca de 30 bens tombados atualmente tiveram as suas instruções coletadas pelo Atelier.
"Somos conhecidos por oferecermos uma resposta boa e rápida. Tivemos a informação de que haveria um cuidado especial no tratamento dessa nossa solicitação. Ela já chega, de certa forma, pronta", avalia o professor.
Joécio Dias, denominado de ebomy Joécio ty Oxossi, encarregado de organizar e acompanhar o processo de tombamento por parte do terreiro, comemora o andamento do pedido.
"Temos um apoio institucional, além de outras casas de candomblé e de religiões de matriz africana no Ceará e do Brasil, como também temos contatos com demais entidades culturais. Agora é lutar para o processo ser concluído", afirma.
Segundo Joécio, a história do terreiro é ainda mais antiga do que o que apontam os registros oficiais. "É uma tradição antiga. Nossos avós de santo já realizavam algumas funções e rituais cinco anos antes da data oficial. Inclusive, ajudavam casas que já não existem mais", destaca.
Questionado sobre o que representava esse tipo de reconhecimento público para a comunidade, Joécio afirma que o sentimento é de que a luta contra o racismo estrutural e religioso segue viva.
"O sentimento é de luta, não deixa de ser um sentimento gratificante também. A própria movimentação da comunidade é uma forma de luta contra o racismo religioso, é muito importante", finaliza.
O estudo realizado no Ilè contou com a colaboração de bolsistas da UFC, além de integrantes da casa de candomblé como historiadores, sociólogos e antropólogos. O levantamento abordou aspectos históricos, arquitetônicos, urbanísticos, além das raízes culturais e antropológicas do local.
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