Início do período de piracema intensifica ações de combate à pesca ilegal
Entre os meses de fevereiro a abril, fica proibido o uso de apetrechos de malha, como rede de pesca, em águas continentais do Ceará. O objetivo é proteger espécies de peixes durante o período de desova
16:46 | Fev. 09, 2022
No último dia 1º de fevereiro, começou o período intitulado de piracema, que vai até o dia 30 de abril, época em que ocorre a reprodução dos cardumes, quando os peixes nadam em busca das nascentes para realizarem a desova. Nesse intervalo de tempo, a atividade da pesca fica proibida em todo o Ceará.
De acordo com o artigo 34 da Lei de Crimes Ambientais, não é permitido “pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente”. As limitações impostas pelas autoridades têm o intuito de proteger diversas espécies de peixes e garantir que os animais não sejam retirados de seu habitat antes de atingirem o tamanho adequado.
Na manhã da última terça-feira, 8, O POVO acompanhou os trabalhos realizados por agentes do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA) da Polícia Militar do Estado do Ceará (PMCE) no rio Pacoti, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
Em dois barcos, pelo menos seis agentes navegaram nas águas do rio em busca de irregularidades. Responsável pela operação, capitã Talyta, comandante da 1ª Companhia do BPMA, relata que o policiamento naútico faz parte da rotina do Batalhão, mas explica que, durante este período, os trabalhos são intensificados.
"Nesta época da piracema, como é proibida a questão da pesca, nós fazemos uma intensificação, principalmente nos açudes, que é muito importante para este período, para garantir a reprodução e manutenção dos peixes", destacou.
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A proibição veda o uso de apetrechos de malha nas bacias hidrográficas dos rios Acaraú, Banabuiú, Curu, Jaguaribe, Poti e Salgado, assim como nas águas continentais das bacias metropolitanas e do litoral. No caso de pescadores artesanais e amadores há uma liberação caso usem vara, linha e anzol, além de produtos que possuam comprovação de origem.
A representante do BPMA explica que ações do Batalhão são intensificadas, principalmente, nos açudes da região metropolitana, mas que outros pontos como o rio Cocó e o rio Ceará também recebem a atenção dos agentes.
Sobre atuações do interior do Estado, a oficial explica que o BPMA possui batalhões localizados em Juazeiro do Norte e Sobral, entretanto, os equipamentos de navegação, como o barco, estão disponíveis apenas em Fortaleza.
Para realizar operações longe da Capital, as equipes de fiscalização contam com o suporte de equipamentos vindos de outros órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).
Durante a fiscalização realizada na última terça-feira, no rio Pacoti, os agentes do BPMA se depararam com duas irregularidades. Em ambos os casos, pescadores utilizavam uma rede para realizarem a pesca, o que é proibido durante a piracema.
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Para Francisco Alves, 57, pescador desde os 10 anos e conhecido na região como "Chiquinho", a fiscalização é correta. "Nunca tinha passado por isso, mas estou de acordo, já vou embora. Sei que é para o nosso bem. Se liberar para um, tem que liberar para todos, e não é certo."
Por não possuir interesses de degradação ambiental e utilizar os peixes para a própria sobrevivência, além de seguir a recomendação dos agentes para que se retirasse do local, Chiquinho teve seus dados anotados e foi apenas orientado sobre a irregularidad. Em caso de nova infração, o pescador terá seus equipamentos apreendidos. "Sei que isso garante que em maio vai ser melhor pra nós, os peixes já vão estar grandes. Enquanto estiver neste período de proibição da pesca, eu não venho mais", disse.
Em outro ponto do rio Pacoti, Arlindo Soares, 51, também jogava a sua rede de pesca. Pecador há mais de 30 anos, ele conta que vende os peixes para sobrevivência. "Seria bom uma reunião com pescadores para explicar direitinho como funciona. Eu sei que é o melhor pra gente, entendo que é período de reprodução", comentou.
Assim como aconteceu com Chiquinho, Arlindo ouviu as recomendações dos agentes do BPMA e recolheu a sua rede de pesca. Os dados do pescador também foram registrados para, em caso de reincidência, o material ilegal, utilizado na pescaria, ser apreendido.
De acordo com a capitã Talyta, não são todos os pescadores que demonstram a compreensão apresentada por Chiquinho e Arlindo. "No geral, infelizmente, ainda é uma prática comum. Muitos utilizam redes, mas para este período só pode ser vara e anzol. Muitos colocam a rede de uma ponta à outra do rio, o que é um absurdo. Se você faz isso, tudo que tiver subindo, você vai pegar", lamenta.
A oficial relatou que o número de infratores costuma aumentar durante os meses de março e abril, quando as chuvas mais intensas já estão distribuídas em boa parte do Estado. Os trabalhos de fiscalização seguirão ocorrendo todo dia no Ceará. "Neste período, as fiscalizações são para as águas continentais, tudo que fica no interior do continente. O policiamento náutico é diário. Focamos não só na questão da pesca, mas nos crimes ambientais de maneira geral."
Para denunciar casos de pesca irregular, basta ligar para o número 190 ou para o telefone 181. O anonimato é garantido.
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Especialista destaca importância de conscientização
Para a bióloga e professora doutora Patricia Charvet, colaboradora do Programa de Pós-graduação em Sistemática, Uso e Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal do Ceará (PPGSis/UFC), é necessária a existência de um pensamento a longo prazo quando se fala em piracema.
"A pesca neste período pode gerar um lucro imediato, mas, a longo prazo, é prejudicial ao sustento dos pescadores. A piracema não existe por acaso, é o período em que se garantem os futuros peixes de uma bacia hidrográfica", destaca.
A especialista define as ações ilegais praticadas neste período como "pesca covarde", pois os pescadores se aproveitam da época em que os peixes se agrupam para o período de reprodução.
"O peixe não é como uma galinha, que coloca ovos durante todo o ano. Ele vai se reproduzir nessa ocasião, se retiram as ovas agora, estão retirando, potencialmente, um peixe que poderia existir", explica.
Durante o trabalho de fiscalização realizado pelos agentes do BPMA, O POVO apurou que o curimatã era uma das espécies de peixes mais procuradas neste período. Entretanto, Charvet relata que a busca por uma espécie específica passa por constante mudança.
"Isso vai variar muito, o curimatã, sem dúvidas, é muito valorizado. Não seria uma informação correta se eu falasse que é só ele, o consumo de peixe pelo ser humano é muito sazonal", explica.
O período de proteção é importante para o equilíbrio ambiental: "É como se nós matássemos a nossa galinha dos ovos de ouro quando se pesca na piracema. É lamentável, além de você retirar uma fêmea que poderia continuar se reproduzindo, também retiram as ovas que estavam com ela".
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Pescadores alegam problemas com seguro defeso
Durante o período da piracema, os pescadores artesanais cadastrados junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) possuem direito ao seguro defeso. O auxílio serve para prover o sustento da categoria durante o período em que a pesca de rede torna-se ilegal.
Entretanto, os dois pescadores ouvidos nesta matéria pelo O POVO alegaram que estavam com problemas no recebimento do auxílio, apesar de devidamente cadastrados. A reportagem questionou o INSS sobre a existência de problemas no pagamento do auxílio no Ceará, além de pedir informações sobre a forma de realização do pagamento e o valor destinado aos pescadores do Estado.
A reportagem questionou o INSS sobre a existência de problemas no pagamento do auxílio no Ceará, além de pedir informações sobre a forma de realização do pagamento e o valor destinado aos pescadores do Estado. O INSS enviou nota com a seguinte resposta.
“Com relação ao pescador Francisco Alves do Nascimento , em pesquisa realizada no sistema CNIS, não foi localizado segurado com as informações prestadas, pois, em que pese algumas consultas retornarem com mesmo nome e data de nascimento, consta outro nome de mãe.”
Já em relação a Arlindo Soares de Sousa , o órgão respondeu que “ pesquisa realizada no sistema CNIS, foram localizadas duas inscrições para o pescador, não havendo, porém, registros ou protocolos de solicitação de benefício de Seguro Defeso no Sistema de Requerimentos do Benefício, ou seja, ele nunca solicitou o benefício”.
O INSS explicou ainda que após pedir o benefício e, reconhecido o direito ao recebimento do Seguro-Desemprego do Pescador Artesanal, o segurado receberá o valor mensal de um salário-mínimo, durante todo o período da proibição, até o limite de 5 (cinco) parcelas mensais.
Principais espécies de peixes de piracema no Ceará:
1 - Branquinha/Beiru
2 - Curimatã comum
3 - Piaba/Lambari
4 - Piau comum
5 - Piau verdadeiro
6 - Sardinha
7 - Tambaqui
Esta matéria foi atualizada às 20h26min com resposta do INSS.