COP 26: cearense que estava na Conferência do Clima conta o que viu e ouviu em Glasgow

Regras para o mercado de carbono e financiamento anual para soluções climáticas estão entre principais discussões. Conferência da ONU é marcada pela presença de empresas de combustíveis fósseis e poucos espaços democráticos

Anunciada como ponto crucial para definir ações concretas contra o aquecimento global, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) está perto do fim. Para observadores e especialistas, o resultado não deve ser animador. Um segundo rascunho do acordo final foi divulgado na manhã de sexta-feira, 12, e abranda as metas que prometiam ser mais ambiciosas. 

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A advogada e ambientalista Beatriz Azevedo foi para Glasgow, na Escócia, onde acontece a COP 26, representando a ONG Verdeluz e conversou com O POVO sobre o que viu e ouviu. "Ao passo em que se deu muito espaço pontualmente para que vozes de representantes indígenas e representantes de juventude pudessem falar, isso não se refletiu em uma participação real nas negociações", relata. Confira a entrevista: 

O POVO - O que te levou até Glasgow?

Beatriz Azevedo - Foi a necessidade de se ter realmente uma representação da sociedade civil cearense nesse espaço que é tão importante pra definir o futuro do planeta. Eu era a única pessoa representando a cidade civil cearense pra também levar essa voz do Ceará pra esses espaços, porque muitas vezes o debate se centra muito em torno da Amazônia - o que é extremamente importante - mas a gente também precisa lembrar que o Nordeste é uma das regiões do Brasil mais vulneráveis à mudança do clima por conta do agravamento da seca e da elevação do mar. É importante a gente ter essa voz nesses espaços pra sensibilizar as pessoas quanto à realidade cearense e trazer de volta essa mensagem pro Ceará de que a crise climática é uma crise séria e que a gente precisa tomar ações concretas pra solucioná-la.

 

OP -  Pelo que você presenciou nesses dias, quais as principais discussões que estão acontecendo?

Beatriz - O que se estava discutindo na primeira semana eram as questões dos compromissos dos países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A discussão também estava muito em torno de como será o mercado de carbono, que é basicamente quando, por exemplo, você planta uma floresta então você está tirando gás carbônico da atmosfera e gera créditos de carbono; aí se tem alguma empresa ou um país que continua emitindo gases de efeito estufa ele poderia compensar com a compra desse crédito. É um mecanismo muito questionável, existem muitas críticas, mas estava se debatendo como seria. Além disso havia os debates sobre a implementação do financiamento de mais de US$ 100 bilhões por ano para financiar soluções para a crise climática. Foram esses os temas que estavam muito em pauta ainda nas negociações e que a gente vai ver o resultado aí até o final dessa semana.

 

OP - Algo te chamou mais a atenção, positiva ou negativamente?

Beatriz - Frequento as conferências da ONU já faz oito anos e acompanhei as COPs desde 2013 até 2016. Nessas COPs a sociedade civil tinha espaço pra falar nas plenárias, a gente conseguia acompanhar as negociações. A gente tinha mais espaço, mais poder de participação. Nessa COP foi o contrário: ao passo em que se deu muito espaço pontualmente para que vozes de representantes indígenas e representantes de juventude pudessem falar, isso não se refletiu em uma participação real nas negociações. Boa parte das negociações estavam fechadas para a sociedade civil, que nem sequer podia acompanhar.

Ouvi muitos comentários de pessoas falando que essa teria sido a COP do "greenwashing" (termo utiliza quando empresas e órgãos recorrem a mensagens ambientais que constroem um discurso ecológico, mas não se reflete em ações concretas para preservação do meio ambiente) porque a maior delegação presente na conferência era a delegação das empresas de combustíveis fósseis. Se você fosse ver o número de representantes das empresas de combustíveis fósseis era maior do que a delegação de todos os países. Também estavam chamando de "youthwashing", que é usar o discurso da juventude e a fala potente da juventude para passar uma imagem de que o evento foi muito democrático, mas essa fala não se transformar em decisões reais.

OP - Com a COP 26 perto do fim, quais decisões podemos esperar dos países?

Beatriz - O que se espera é que haja decisões concretas sobre como se dará o financiamento das soluções para a crise climática e sobre o mercado de carbono. Mas eu não acredito que a solução vá sair via mecanismos de mercado. Acredito muito mais em ter políticas públicas fortes nos países do que tentar ficar compensando as emissões... 


OP - As maiores decisões e responsabilidade estão nas mãos dos países e dos grandes emissores, mas o que cada um de nós tem a ver com as mudanças climáticas e o que podemos fazer?

Beatriz - Tem muita coisa que as pessoas podem fazer pra ajudar a solucionar a crise climática. Acredito que a principal delas é tomar consciência acerca dessa problemática, entender a gravidade, e a partir disso passar a tomar decisões que podem ser decisões no seu dia a dia, decisões simples como deixar de usar gasolina e reduzir o consumo de carne. Mas também decisões políticas, né? Porque a crise climática só será resolvida quando a gente tiver força política pra que isso seja encarado como o problema sério que é. A gente precisa que as pessoas votem com consciência e que elejam representantes que vão tratar do assunto com a devida seriedade e promovendo soluções que sejam realmente soluções concretas.

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