Redação Enem 2021: a dificuldade de erradicar o trabalho infantil no Brasil
Desafios para eliminar trabalho infantil incluem fortalecimento da rede de proteção social e conscientização da sociedade
21:53 | Set. 06, 2021
O Brasil provavelmente não conseguirá erradicar o trabalho infantil até 2025, conforme meta estabelecida junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar de ter reduzido entre 2016 e 2019, o trabalho infantil continua sendo realidade para pelo menos 1,8 milhão de crianças e adolescentes no Brasil. É considerado trabalho infantil aquele realizado por crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, quando a idade mínima permitida passa a ser de 14 anos.
Entre os desafios pela frente para a erradicação dessa prática estão a conscientização e o reforço das medidas de proteção social. “É possível erradicar, mas precisamos ter engajamento da sociedade, fortalecimento da rede de proteção, melhoria das políticas públicas, identificação das crianças e adolescentes e escola em tempo integral”, resume o procurador Antonio de Oliveira Lima, do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Ceará.
Cenário do trabalho infantil no Brasil
1,8 milhão de crianças e jovens realizavam trabalho infantil em 2019, sendo 1,3 milhão em atividades econômicas e 463 mil em atividades de autoconsumo;
53,7% tinham entre 16 e 17 anos de idade; 25%, 14 e 15 anos, e 21,3% tinham de 5 a 13 anos;
Pessoas do sexo masculino representavam 66,4% daqueles em situação de trabalho infantil. Público do sexo feminino era de 33,6%;
66,1% eram pretos ou pardos, enquanto 32,8% eram brancos;
Cerca de 25% dos jovens de 16 a 17 anos que trabalhavam cumpriam jornada de mais de 40 horas;
Mulheres recebiam 87,9% do rendimento dos homens em trabalho infantil, já o valor médio recebido por crianças e jovens de cor branca era de R$ 559, reduzindo para R$ 467 para as de cor preta ou parda;
706 mil pessoas de 5 a 17 anos de idade em ocupações consideradas perigosas.
O que diz a legislação sobre trabalho infantil
- Até os 13 anos: qualquer tipo de trabalho é proibido;
- 14 e 15 anos: permitido apenas na forma de aprendiz. As atividades de aprendizagem também não devem prejudicar a frequência nem o rendimento escolar do adolescente;
- 16 e 17 anos: com restrições ao trabalho noturno, insalubre e perigoso e para contratações com carteira assinada.
Desafios para erradicar o trabalho infantil no Brasil
O Brasil assumiu o compromisso na Organização das Nações Unidas (ONU) de erradicar o trabalho infantil até 2025. Mas para isso, é preciso superar algumas questões:
1. Conscientização e mobilização da sociedade: parte da sociedade não entende o trabalho infantil como problema, alguns acham até mesmo como algo "positivo". Contudo, é preciso perceber o trabalho infantil como uma violação de direitos humanos, que não deve ser tolerada ou romantizada.
2. Identificação das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil: é preciso saber onde moram as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, se estão nas escolas, se são atendidas por programas sociais e se estão incluídas em programas de proteção social. Escolas e secretarias de proteção social podem contribuir na busca ativa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. É o primeiro passo é que a criança seja atendida e acolhida.
3. Proteção social: o atendimento da criança e adolescente vítima de trabalho infantil hoje se dá, principalmente, junto aos centros de referência da assistência social (Cras), que funcionam no âmbito dos municípios com assistentes, educadores sociais e outros profissionais, acompanhando famílias em vulnerabilidade social. Porém, a política atende poucos e de forma precária, pois profissionais são geralmente mal remunerados, têm contratos temporários, e os serviços prestados perdem qualidade. Há carências infraestruturais ainda, com espaços sem condições de realizar atendimentos adequados.
4. Aprendizagem profissional: outra política protetiva importante para retirar adolescentes do trabalho infantil seria a contratação de aprendizes, a partir de 14 anos. De acordo com a Lei da Aprendizagem (10.097/2000), médias e grandes empresas devem ter cota de aprendizes fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, calculada sobre o total de empregados. Contudo, nos pequenos municípios, a regra acaba não sendo aplicada. Por isso, o primeiro passo seria o prefeito enviar para Câmara Municipal um projeto de lei para criar um programa de aprendizes, estabelecendo quantidade mínima para ser atendida e a contratação prioritária de adolescentes em situação de vulnerabilidade e pregressos do trabalho infantil, por exemplo.
5. Escola de tempo integral: a meta 6 do Plano Nacional da Educação (PNE) estabeleceu que 50% das escolas devem ser de tempo integral até 2024. Se essa meta for cumprida, poderia haver redução no trabalho infantil porque mais de 80% das crianças e adolescentes que trabalham, também estudam. Isso significa que elas trabalham no contraturno da escola e o acesso ao ensino de tempo integral possibilitaria tirá-las da situação de trabalho.
6. Responsabilização ou aplicação de penalidade: há multas previstas para empresas que descumprirem a lei que proíbe trabalho infantil, mas são brandas e acabam favorecendo a irregularidade. Situações de trabalho infantil doméstico e no âmbito da economia familiar também são fatores limitantes para a fiscalização. Além disso, existem poucos agentes de fiscalização em campo: são 73 auditores fiscais do trabalho para atender os 184 municípios em todas as denúncias trabalhistas, não só trabalho infantil.
Fontes: Antonio de Oliveira Lima, procurador do Ministério Público do Trabalho no Ceará, e Daniel Arêa, chefe da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE).
O que o Governo Federal está fazendo para cumprir a meta de erradicar o trabalho infantil no Brasil até 2025?
"Estamos trabalhando arduamente para isso com uma série de ações. Talvez não consigamos cumprir em 2025, mas vamos continuar perseguindo esse alvo. Nós temos projetos no âmbito do Ministério da Cidadania, por exemplo, o Criança Feliz, o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o próprio Auxílio Emergencial. No âmbito do MMFDH, criamos a Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Inclusive, quero divulgar os nossos cursos livres, gratuitos, totalmente on-line, para o Brasil inteiro. São cursos que tratam da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Criamos também um acordo de cooperação técnica com a Polícia Rodoviária Federal, o Projeto Mapear, que mapeia os pontos de exploração sexual nas rodovias federais brasileiras. Existem 470 pontos críticos hoje no Brasil, principalmente em postos de gasolina em áreas urbanas."
— Maurício Cunha, secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), em entrevista divulgada em junho.
Disque 100
Mais de 30% das denúncias de trabalho infantil que chegam ao conhecimento das autoridades públicas por meio do Disque Direitos Humanos (Disque 100). Entre 2012 e 2018, o canal recebia média de 6.500 denúncias por ano de exploração de trabalho infantil. Em 2020, o número caiu para 2.300.
Fontes: Agência Brasil e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)
Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca)
O Ceará é referência no combate ao trabalho infantil, com a criação do Peteca, em 2008, pelo Ministério Público do Trabalho do Ceará em parceria com as Secretarias Estadual e Municipais da Educação no Estado. São realizadas capacitações de coordenadores e professores em temas como trabalho infantil e proteção social de crianças a adolescentes. Cerca de 20 mil professores e 400 mil alunos foram impactados com ações do programa. Neste ano, 109 municípios no Estado aderiram ao Peteca.
Fiscalizações de trabalho infantil no Brasil
6.093 crianças e adolescentes em trabalho infantil foram encontradas em 2.438 fiscalizações realizadas entre 2017 e abril de 2020.
290 crianças e adolescentes de cinco a 17 anos morreram enquanto trabalhavam e 29.495 sofreram acidentes graves entre 2007 e 2020.
4.789 estavam na lista das piores formas de trabalho infantil entre 2017 e 2019, definidas pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. As áreas econômicas com maior número de jovens retirados são:
1) Manutenção e reparação de veículos automotores;
2) Restaurantes e outros serviços de alimentação e bebidas;
3) Comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e fumo.
Fontes: Ministério da Economia, Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)
Fatores que levam crianças e adolescentes ao trabalho infantil
Os motivos são múltiplos e incluem necessidade de sobrevivência, dificuldade de inserção na educação, principalmente no Interior, violência doméstica e problemas de inclusão em programas de aprendizagem. Quando crianças e adolescentes são encontrados em situação de trabalho infantil, a fiscalização aciona conselhos tutelares, secretarias de proteção social do Estado e dos municípios onde o menor reside e o Ministério Público do Trabalho (MPT) para que se identifique quais são as vulnerabilidades das famílias, de modo que sejam acompanhadas. Fonte: Daniel Arêa, chefe da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE)
Consequências do trabalho infantil
O trabalho infantil é reconhecido como uma das formas de exploração mais prejudiciais ao desenvolvimento pleno do ser humano. Os impactos desse processo, por vezes, perduram até a vida adulta.
Aspectos físicos: fadiga excessiva, problemas respiratórios, doenças causadas por agrotóxicos, lesões e deformidades na coluna, alergias, distúrbios do sono, irritabilidade. Segundo o Ministério da Saúde, crianças e adolescentes se acidentam seis vezes mais do que adultos em atividades laborais porque têm menor percepção de perigos. Fraturas, mutilações, ferimentos causados por objetos cortantes, queimaduras, picadas por animais peçonhentos e morte são exemplos de acidentes de trabalho.
Aspectos psicológicos: abusos físicos, sexuais e emocionais são os principais fatores de adoecimento das crianças e adolescentes trabalhadores. Outros problemas identificados são: fobia social, isolamento, perda de afetividade, baixa autoestima e depressão.
Aspectos educacionais: baixo rendimento escolar, distorção idade-série, abandono da escola e não conclusão da Educação Básica. Quanto mais cedo o indivíduo começar a trabalhar, menor é seu salário na fase adulta. Isso ocorre, em grande parte, devido ao baixo rendimento escolar e ao comprometimento no processo de aprendizagem. É um ciclo vicioso que limita as oportunidades de emprego aos postos que exigem baixa qualificação e com baixa remuneração, perpetuando a pobreza e a exclusão social.
Fonte: Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)
Pandemia de Covid-19 agrava trabalho infantil no mundo
8,9 milhões de crianças e adolescentes correm o risco de entrar no trabalho infantil até 2022 devido aos impactos da crise sanitária causada pelo coronavírus, de acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O número de crianças e adolescentes nessa condição chegou a 160 milhões em todo o mundo – um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020.
“A proteção social inclusiva permite que as famílias mantenham suas crianças e seus adolescentes na escola, mesmo em casos de dificuldades econômicas. É essencial aumentar o investimento no desenvolvimento rural e no trabalho digno na agricultura”, disse o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
Músicas sobre trabalho infantil no Brasil
Sementes (2020) - Emicida & Drik Barbosa
“Com 8 ela limpa casa de família, em troca de comida / Mas só queria brincar de adoleta / Sua vontade esconde-esconde /Já que a sociedade pega-pega sua liberdade”.
A canção fez parte de campanha nacional idealizada contra trabalho infantil.
Pivete (1978) - Chico Buarque
“No sinal fechado / Ele vende chiclete / Capricha na flanela / E se chama Pelé”.
Menino das Laranjas (1965) - Elis Regina
“Menino que vai pra feira / Vender sua laranja até se acabar / Filho de mãe solteira / Cuja ignorância tem que sustentar”.
APOSTA DO ENEM
O tema dessa inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca o concurso "Redação Enem: chego junto, chego a 1.000", uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR). A partir deste tema, estudantes da 3ª série do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede de escolas públicas do estado do Ceará são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. Com publicação às terças-feiras, os próximos temas serão:
- O papel do esporte no combate ao preconceito;
- A banalização do Holocausto nos dias atuais e os efeitos na sociedade moderna.