"É sobre o nosso futuro": indígenas cearenses acompanham votação do marco temporal em ato pacifico no Centro
Indígenas de pelo menos seis etnias estiveram na Praça Murilo Borges, em frente ao prédio da Justiça Federal. No Ceará, apenas os Tremembés têm terra demarcada
20:22 | Set. 01, 2021
Aflitos, indígenas cearenses de seis etnias se reuniram na tarde desta quarta, 1º, na Praça General Murilo Borges, no Centro, para assistir ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tese do “marco temporal” para demarcação das terras indígenas. A decisão serve de referência para mais de 80 casos em tramitação. Das 15 etnias indígenas que resistem em território cearense, apenas os Tremembés têm terra demarcada em dois municípios.
Questionado sobre a aflição do momento, Kauã Pitaguary, liderança indígena Pitaguary em Maracanaú e Pacatuba, responde sobre a incerteza do futuro que esse julgamento pode trazer. "É sobre o nosso futuro. Estamos tensos pela insegurança que esse julgamento pode trazer. O Estado brasileiro tenta minar os povos originários por sucessivas vezes", protesta.
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O telão foi montado próximo a uma parada de ônibus, na rua Pedro I. De lá, eles acompanhavam atentos a cada fala ao vivo desde às 12 horas. A praça foi tomada pela riqueza cultural dos que ali ocupavam: algumas rodas de toré, tintas e pinturas sendo executadas ali mesmo pelos povos Tapeba, Pitaguary, Anacé, Kanindé, Jenipapo-Kanindé e Tremembés.
De acordo com Ceiça Pitaguary, coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Ceará (Fepoince), caso o STF julgue favorável a teoria do "marco temporal", isso será uma ruptura da Constituição Federal de 1988, que assegura o direito à terra aos povos originários.
Os municípios de Crateús e Itarema também receberam ato dos povos originários locais. Em Crateús, o ponto de encontro dos manifestantes foi na BR-226. Já em Itarema, os indígenas interditaram um trecho da CE-085, nas proximidades da rotatória. Além disso, cerca de 250 indígenas cearenses também marcaram presença no Acampamento Terra Livre, em Brasília. Essa foi a terceira vez que indígenas cearenses se reúnem para protestar contra a decisão favorável.
Ceiça frisa que os indígenas lutam pelo usufruto da terra, não pelo território em si. "A terra indígena, ela é da União, não é particular de nenhum povo. Os indígenas têm por direito garantido o usufruto dessa terra, e é isso que está sendo debatido. Os povos indígenas no Brasil como um todo têm uma riqueza que o povo e a nação brasileira não reconhecem e não querem conhecer", desabafa.
De acordo com um levantamento da Fepoince, o Estado do Ceará conta com 22 territórios reivindicados por povos indígenas; 20 deles estão em fase de demarcação ou enfrentam algum tipo de pendência judicial, e destes, apenas duas solicitações foram formalizadas antes de 1988. Ou seja, das 15 etnias indígenas existentes no Ceará, pelo menos dez delas seriam impactadas diretamente pela decisão. Algumas lideranças afirmam que um julgamento favorável à tese do marco temporal no STF é um genocídio a esses povos.
Entenda a tese do "marco temporal"
Em 11 de junho, o relator do processo sobre os Xokleng no STF, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do "marco temporal". O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O julgamento vai avaliar se a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, habitada pelos Xokleng e por outros dois povos: os Kaingang e os Guarani, deve incorporar ou não áreas pleiteadas pelo governo de Santa Catarina e pelos ocupantes de propriedades rurais.
A tese do "marco temporal" é um princípio defendido por algumas entidades ruralistas, segundo o qual só podem reivindicar terras indígenas as comunidades que as ocupavam na data da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988. Além da tese, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 490, que, entre outros pontos, estabelece 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O entendimento do STF sobre o assunto deve definir como a questão será tratada e modificará o texto do PL em tramitação.
Para o vereador e advogado Weibe Tapeba, é essencial que o Supremo se comporte como guardião da Constituição e dos direitos por ela consagrados. "Nossa Constituição é bem clara quanto ao ato de demarcação, sendo ele um ato declaratório e não constitutivo, porque nossos territórios são originários e bens da União. Aprovando o marco temporal, na prática, o STF está rasgando a CF", explica.
Sobre o Projeto de Lei 490, que também se referencia na tese do "marco temporal" para a demarcação de terras indígenas, Weibe também confia que o STF, cumprindo agora o seu papel na defesa desses direitos, também o reflete no encaminhamento do PL. "Esperamos que o STF não se acovarde e que possa garantir um julgamento justo desse processo específico que tem uma repercussão geral", declara.