Ceará tem a 3ª maior proporção do Brasil de mortes sem causa definida em 2019
Falta de compartilhamento das informações nos estados dificulta identificação, segundo pesquisadores do Atlas da Violência 2021
15:19 | Ago. 31, 2021
Atualizada às 17h20min
O Ceará detém a terceira maior proporção de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) do Brasil em 2019, com taxa de 14,5%, considerando o total de mortes violentas. Casos ocorrem quando o Estado é incapaz de identificar a motivação que gerou o óbito. A informação está no Atlas da Violência 2021, lançado nesta terça-feira, 31, e elaborado a partir de dados do Ministério da Saúde.
No Brasil, a situação é mais grave no Rio de Janeiro, onde as MVCI representaram, em 2019, 34,2% das mortes por causas externas; seguido por São Paulo (19%). Depois do Ceará, completam o ranking Bahia (12,6%), Minas Gerais (11,7%) e Pernambuco (10,7%).
Apenas de 2018 para 2019, houve no Ceará um acréscimo de 84,4% nos óbitos sem causa definida (de 538 para 992, em números absolutos). Enquanto isso, o País teve um crescimento de 35,2% no número de mortes violentas por causas indeterminadas. Esse aumento foi de 231,6% no Rio de Janeiro, 180% no Acre e 178,3% em Rondônia.
Além disso, em 2017 foram computados 9.799 óbitos sem causa determinada, enquanto em 2019 esse dado subiu para 16.648 — um aumento de 69,9%. Um dos coordenadores da pesquisa, Daniel Cerqueira aponta que o problema está muitas vezes relacionado à falta de compartilhamento de informações dentro dos estados.
“A secretaria de Saúde quer saber por que a pessoa morreu e a Polícia não dá o dado. Não há conexão desses dados. São estados com péssimo sistema de compartilhamento”, salientou durante coletiva de imprensa virtual. Ainda segundo Daniel, estudos anteriores atestam que mais de 70% das mortes sem causa definida são de homicídios.
Homicídios caem, mas mortes indeterminadas podem interferir
Ainda que o Ceará tenha tido redução de 51% em sua taxa de homicídios entre 2018 e 2019, a alta taxa de mortes violentas sem causa identificada pode interferir nesse dado, segundo o Atlas da Violência. Em números absolutos, queda foi de 4.900 para 2.417.
A pesquisa destaca que o aumento da taxa de MVCI é coincidente com o período em que a taxa de homicídios no País diminuiu. Em relação ao total de mortes violentas, os óbitos sem causa definida passaram de 6,2% para 11,7%, entre 2017 e 2019 no Brasil, um acréscimo de 88,8%.
Ainda segundo a pesquisa, o crescimento das mortes violentas por causa indeterminadas também pode ocultar a verdadeira prevalência de homicídios juvenis, que também caiu no Ceará. A taxa cearense passou de 118,4 homicídios a cada 100 mil jovens, em 2018, para 54,5 em 2019 (-54%).
O mesmo vale para indicadores de homicídios femininos. Em 22 das 27 Unidades da Federação brasileiras foi observada queda nas taxas, sendo que as maiores reduções ocorreram no Ceará (-53,8%), no Rio de Janeiro (-43,1%) e em Roraima (-38,7%), entre 2018 e 2019. Contudo, se considerada a série histórica desde 2009, o Estado teve o terceiro maior aumento do País, com 51,5%.
O POVO contatou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) para saber sobre o que justifica a alta taxa de mortes violentas sem causa determinada no Estado. A reportagem aguarda retorno.
Metodologia diferente, segundo a SSPDS
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) informou que os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde são fornecidos pelas secretarias da Saúde do País, que utilizam metodologia diferente.
Sobre os casos de morte que inicialmente não têm causa esclarecida, mas que no decorrer das investigações apresentam indícios de Crime Violento Letal Intencional, a SSPDS informa que a classificação é alterada para a tipificação correta no Sistema de Informação Policial (SIP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e incluída nas bases de dados da SSPDS-CE.
Confira a nota, na íntegra:
"A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) esclarece que os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde são fornecidos pelas secretarias da Saúde do país. A metodologia utilizada é diferente da metodologia utilizada pela SSPDS-CE. É importante dizer que a pasta compila seus dados baseando-se nos parâmetros da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça e Segurança Pública que enquadra homicídios dolosos/feminicídios, latrocínio e lesão corporal seguida de morte como Crime Violento Letal Intencional (CVLI)
A pasta reforça ainda que em casos de morte que inicialmente não têm a sua causa esclarecida, mas que no decorrer das investigações apresentam indícios de Crime Violento Letal Intencional, a classificação é alterada para a tipificação correta no Sistema de Informação Policial (SIP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e incluída nas bases de dados da SSPDS-CE. Esse acompanhamento é feito pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), órgão vinculado à SSPDS.
A Secretaria reforça a transparência da divulgação de suas estatísticas criminais, com atualizações diárias em seu portal. É importante dizer ainda que o Ceará se enquadra no Grupo 1 de Qualidade pelos registros estatísticos oficiais de Mortes Violentas Intencionais. Esse grupo é formado por estados que apresentam maior qualidade das informações, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Por último, é importante destacar que o Ceará fechou o ano de 2019 com o melhor resultado da década no balanço de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) com 50% de redução se comparado com 2018. Foram 4.518 em 2018 contra 2.257 CVLIs durante os 12 meses do ano de 2019. Até então, o melhor balanço havia sido registrado em 2009, quando ocorreram 2.262 crimes desses tipos."
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Sobre a pesquisa
Atlas da Violência 2021 é elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). O estudo utiliza principalmente dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde.