Redação Enem 2021: as limitações do SUS no contexto da Covid -19

Sem Sistema Único de Saúde (SUS), Brasil poderia ter vivido situação ainda mais dramática, segundo especialistas. Contudo, SUS é limitado por subfinanciamento histórico

A pandemia de Covid-19 foi o marco do maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil, segundo definiram pesquisadores do Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em março de 2021. Na segunda onda epidêmica, 24 estados e o Distrito Federal tiveram taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) iguais ou superiores a 80%. Especialistas avaliam que o cenário poderia ter sido ainda mais dramático sem o SUS, regulamentado em 1990, após a Constituição Federal de 1988 estabelecer que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”. No entanto, problemas de subfinanciamento e precarização que se arrastam ao longo de mais de 30 anos se mostraram fatores limitantes para a assistência em saúde no País durante a crise sanitária mais grave do século.

Pandemia encontrou Brasil com poucos leitos e distribuição desigual

1,1 leito de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes está disponível no SUS, enquanto a rede particular tem 5 leitos para cada 10 mil beneficiários de planos de saúde.

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46% do total de leitos públicos do País estão no Sudeste. Já o Norte tem a menor proporção: 6% dos leitos públicos

45% foi o aumento da oferta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) públicos e privados no Brasil até junho de 2020. Ao longo de 10 anos – entre junho de 2011 e junho 2020 – esse número aumentou em torno de 38%.

14 estados têm menos de 1 leito público de UTI para cada 10 mil habitantes. Doze desses estão no Nordeste e no Norte.

40 mil leitos de internação no SUS foram perdidos no Brasil entre 2001 e 2020

Fontes: Conselho Federal de Medicina (CFM), 2020; Nota técnica “A Disponibilidade de Leitos em Unidade de Tratamento Intensivo no SUS e nos Planos de Saúde Diante da Epidemia da Covid-19 no Brasil” (Fiocruz e UERJ)

Número de leitos no Estado foi ampliado durante a pandemia.
Número de leitos no Estado foi ampliado durante a pandemia. (Foto: Reprodução/Twitter)


Colapso hospitalar

No dia de 16 de março de 2021, quando o Brasil enfrentava a segunda onda da pandemia de Covid-19, o Observatório Covid-19 Fiocruz mostrava que, das 27 unidades federativas, 24 estados e o Distrito Federal tinham taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) iguais ou superiores a 80%, sendo 15 com taxas iguais ou superiores a 90%. Pesquisadores definiram o cenário como o "maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil.” Em abril, o Brasil bateu recorde de mortes por Covid-19 registradas em 24 horas, com 4.249 óbitos.


Como trabalham os médicos brasileiros na pandemia

50% admitiram excesso de trabalho ao longo desta crise mundial de saúde, com jornadas para além das 40 horas semanais. Um percentual de 45% informou necessitar de mais de um emprego para o sustento.

43,2% dos profissionais de saúde não se sentem protegidos no trabalho de enfrentamento da Covid-19. Principal motivo (23%) foi falta, escassez e inadequação do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Entre esses, 64% dos médicos revelaram a necessidade de improvisar equipamentos

18% relataram medo generalizado de se contaminar no trabalho

15,8% dos profissionais relataram irritabilidade, choro frequente e distúrbios em geral como consequências à saúde mental

11,8% citaram o despreparo técnico dos profissionais para atuar na pandemia

10,4% denunciaram a insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais.


Fonte: Pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil (Fiocruz). Participaram 25 mil pessoas de todo o País, de hospitais públicos e privados.

A taxa de letalidade do país é de 2,6%
A taxa de letalidade do país é de 2,6% (Foto: Michael DANTAS / AFP)

Dica de série: "Sob pressão" mostra cotidiano de médicos na pandemia

Dois episódios especiais da série "Sob Pressão", que estreou em 2017 na TV Globo, mostram rotina de guerra de profissionais da saúde em um hospital de campanha público. Os médicos enfrentam problemas como a escassez de insumos, o dilema de escolher qual paciente deve esperar por um respirador e angústia de lidar com uma nova doença. Os episódios "Sob Pressão: Plantão Covid-19" foram exibidos em outubro de 2020 e estão disponíveis no site da Globoplay para assinantes. 

 

 

Seis em cada 10 pacientes com Covid na UTI morreram no Brasil até agosto de 2020

Artigo divulgado no periódico científico The Lancet Respiratory Medicine analisou 254.288 hospitalizações de pacientes com mais de 20 anos com diagnóstico de Covid-19 no Brasil entre 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020. A mortalidade foi alta também entre pessoas com menos de 60 anos. Os dados são parte de um estudo feito em colaboração entre instituições que incluem Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Pesquisa expõe que o sistema de saúde não deu conta do alto fluxo de pacientes, especialmente no Norte, onde o tempo entre dar entrada no hospital até a morte foi de sete dias, enquanto nas outras regiões, 10 a 12.

Fonte: Jornal da USP, de Luiza Caires.

Crise no Amazonas

Em 2021, Manaus protagonizou o maior retrato do colapso na saúde durante a pandemia. Com o rápido predomínio da variante Gama (P.1) do coronavírus, identificada pela primeira vez na capital do Amazonas, a cidade teve lotação nos leitos das unidades de saúde e faltou oxigênio para pacientes internados com Covid-19. Muitos precisaram ser transferidos para estados vizinhos, enquanto outros morriam por asfixia nos hospitais. Em atos desesperados, pessoas embarcavam em filas intermináveis pagando preços exorbitantes por um cilindro de oxigênio para seus familiares. O Amazonas registrou alta de 41% no número de óbitos por Covid-19 na crise do oxigênio em Manaus. O caso foi alvo das investigações da CPI da Covid-19, que busca apurar possível omissão do Governo Federal no episódio.

Fontes: Agência Estado, Agência Brasil

 

Capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS)

Sete em cada dez brasileiros, ou cerca de 150 milhões de pessoas, dependem do SUS. Apenas 28,5% da população do país (59,7 milhões de pessoas) tem algum plano de saúde.

38 mil salas de imunização existem no Brasil, podendo chegar a 50 mil pontos de vacinação em períodos de campanhas. O SUS é responsável pela vacinação no País.

2,8 bilhões de atendimentos são realizados no SUS, em média, por ano, desde procedimentos ambulatoriais simples a atendimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos.

Fontes: Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (IBGE), Ministério da Saúde e Fiocruz 

Investimento do Brasil com saúde em comparação a outros países


PROJEÇÃO: Até 2060, as necessidades de financiamento da saúde no Brasil chegariam a 12,8% do PIB. Isso equivale a um crescimento de 3,7 pontos percentuais, ou aproximadamente R$1,062 trilhão. Uma parte importante do incremento será devida ao envelhecimento da população. 

Fonte: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), 2019

Linha do tempo: marcos do financiamento do SUS

1988 - Acesso universal à saúde
A Constituição Brasileira reconhece o direito de acesso universal à saúde a toda a população, por meio de um Sistema Único de Saúde. Antes, o sistema público de saúde atendia a quem contribuía para a Previdência Social. 

1990 - SUS é regulamentado
Regulamentação do SUS através da lei nº 8080/90, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços correspondentes, e da lei nº 8.142/90, que versa sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.

2000 - Emenda Constitucional nº 29
Dispõe sobre os recursos mínimos para o financiamento das Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Ratificou a vinculação de recursos financeiros da seguridade social, definindo percentuais mínimos de investimento da Receita Corrente Líquida (RCL) para os Estados (12%) e os Municípios (15%). No entanto, para o governo federal não foi estabelecido um mínimo percentual vinculado à RCL, situação que ao longo dos anos elevou, de forma substancial, os percentuais investidos em saúde pelos demais entes da Federação.

2007 - Portaria 204

Regulamenta o financiamento e a transferência dos recursos federais para as Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), na forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle.

2011 - Decreto 7.508
Regulamenta a Lei 8.080/1990, a fim de tratar da organização do SUS, do planejamento da saúde, da assistência à saúde e da articulação interfederativa. Acrescenta serviços privados nos instrumentos de planejamento da saúde.

2012 - Lei Complementar 141
Regulamenta o §3º do artigo 198 da Constituição Federal para dispor sobre valores mínimos, critérios de rateio, normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas.

2015 - Emenda Constitucional nº 86
Altera os artigos 165, 166 e 198 da Constituição Federal, com o intuito de tornar obrigatória a execução da programação orçamentária. Apesar de definir o percentual mínimo de investimento em saúde para a União de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), a emenda estabeleceu uma regra transitória de escalonamento (de 13,2% a 15%) ao longo de 5 anos, o que pode ser considerada uma das mais dramáticas derrotas da saúde pública no Brasil, visto que no ano de 2016 o valor deflacionado aplicado pela União foi inferior a 2015.

2016 - Emenda Constitucional nº 95
Congresso Nacional promulga a Emenda Constitucional nº 95, que limita pelos 20 próximos anos os gastos federais que passarão a ser corrigidos pela inflação do ano anterior e, no caso da saúde, não mais pelo crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL).

Segundo estudo apresentado na Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o prejuízo ao SUS, de 2018 a 2020, já chega a R$ 22,48 bilhões se não tivesse ocorrido a redução do piso federal. Ao longo de duas décadas, os danos são estimados em R$ 400 bilhões a menos para os cofres públicos.

2017 - Portaria nº 3.992
Trata de alteração das normas sobre o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços públicos de saúde do SUS. Objetivo era possibilitar maior autonomia aos gestores da saúde no gerenciamento financeiro dos recursos transferidos da União.

Fontes: Mudanças no Financiamento da Saúde (2018), da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Análises: Imbróglios do orçamento para o SUS

"A questão de ordem no momento deve ser a revogação da Emenda Constitucional nº 95 e de todos os outros mecanismos de retiradas de recursos do SUS. Desmontar as estratégias de privatização do SUS e garantir a segurança no e do trabalho para seus trabalhadores. A única forma de enfrentar a pandemia e suas sequelas, assim como garantir uma saúde de qualidade para a população é promover um sistema de saúde público, 100% estatal, de qualidade e com um controle social sólido e independente."

Ana Paula Silveira, assistente social e membro da Frente Cearense em Defesa do SUS e Contra a Privatização da Saúde.

"Uma coisa é o município rico, que aplica 15% de seu orçamento na saúde. Outra coisa é um município pobre, que 15% significa quase nada, dependendo do apoio do Estado e da União. Isso não ficou definido e você tem hoje uma desigualdade muito grande: municípios com um bom sistema de saúde e outros municípios com sistemas muito pobres de saúde. É uma fragilidade muito grande. E aí fica bem inferior do que os municípios mais ricos." 

Carlile Lavor, ex-secretário de Saúde do Ceará e diretor da unidade cearense da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em entrevista ao especial Nova Saúde, do O POVO


OPINIÃO | Precarização do trabalho, subfinanciamento e baixo investimento tecnológico na saúde pública: limitações e desafios para o SUS de qualidade

Olga Maria de Alencar

No Brasil, a pandemia impactou fortemente o Sistema Único de Saúde (SUS) tanto no âmbito da gestão dos serviços como no que tange ao subfinanciamento já que ao longo de seus mais de 30 anos vem tentando sobreviver a duras penas, sufocado pelo capitalismo que deseja arduamente abocanhar esse nicho de mercado. Destaco três limitações que na minha concepção têm fragilizado o SUS ao longo dos anos. A primeira diz respeito à força de trabalho necessária para fazer girar a roda da assistência à saúde. Os baixos salários, as altas cargas horárias e turnos extenuantes somado as desigualdades e desnivelamentos salariais entre as profissões são fatores contribuintes para o enfraquecimento do SUS levando muitos profissionais a optarem por não trabalhar no sistema.

A segunda limitação é a baixa densidade tecnológica e seu baixo investimento na saúde pública para o atendimento à população, apontadas como desmotivadora para o ingresso e manutenção dos trabalhadores do SUS. Como exemplo, temos a forma de contratação de pessoal para atender durante a pandemia, e em muitos municípios o atraso no pagamento, como também a garantia de equipamento de proteção individual quantitativa e qualitativamente aceitável pelas agências internacionais de saúde do trabalhador.

Por fim, elenco como terceira limitação o subfinanciamento do SUS, reforçado após o congelamento do investimento na saúde por 20 anos, por meio da Emenda Constitucional nº 95, que fixa um limite para ampliação dos recursos alocados em áreas sociais, resultante da política neoliberal de implantação do Estado mínimo com seus processos de privatização e retiradas de direitos sociais. Apesar das criticas e ataques de governos e políticos conservadores, bem como parte da população, que não conhece o verdadeiro papel do SUS, neste momento de crise sanitária estaríamos em situação ainda pior sem o SUS. Portanto, a pandemia representa uma grande oportunidade para o reconhecimento do SUS pela sociedade, cabendo a todos nós, população, gestores federais, estaduais e municipais, trabalhadores e estudantes da saúde, defender o SUS como nosso maior patrimônio.

Olga Maria de Alencar é enfermeira sanitarista, mestra em Saúde Pública, doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e feminista vinculada ao Instituto Casa Lilás.
Olga Maria de Alencar é enfermeira sanitarista, mestra em Saúde Pública, doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e feminista vinculada ao Instituto Casa Lilás. (Foto: Arquivo Pessoal)

 

APOSTA DO ENEM

O tema dessa inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca o concurso "Redação Enem: chego junto, chego a 1.000", uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR). A partir deste tema, estudantes da 3ª série do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede de escolas públicas do estado do Ceará são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. Com publicação às terças-feiras, os próximos temas serão:

  • A dificuldade de erradicar o trabalho infantil no Brasil;
  • O papel do esporte no combate ao preconceito;
  • A banalização do Holocausto nos dias atuais e os efeitos na sociedade moderna.

 

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