Para livrar traficantes da prisão, policiais do Ceará cobraram mais de R$ 600 mil em extorsões
Esquema criminoso é alvo de investigação realizada pelo Ministério Público do Estado em parceria com órgãos de SegurançaUma organização criminosa formada por policiais militares e civis do Ceará teria movimentado pelo menos R$ 613 mil reais em um esquema de extorsões para evitar a prisão de chefes do tráfico de drogas no Estado. É o que mostram as investigações da 4ª fase da Operação Gênesis, deflagrada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) nesta terça-feira, 20. Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão, sete de condução coercitiva e uma ordem de prisão contra um cabo da Polícia Militar, apontado como líder do grupo criminoso. Os ilícitos teriam sido cometidos entre 2016 e 2017, em diversas localidades de Fortaleza e cidades da Região Metropolitana da Capital.
Além do militar preso, outros seis PMs - entre soldados e cabos - e um policial civil, todos da ativa, foram conduzidos coercitivamente para prestarem esclarecimentos sobre as denúncias levantadas no inquérito. Devido ao sigilo do processo, eles não tiveram suas identidades reveladas. A investigação é liderada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) com o apoio da Coordenadoria de Planejamento Operacional (Copol) da SSPDS, da Polícia Militar do Ceará e da Coordenadoria de Inteligência (Coin) da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
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O promotor responsável pelo caso, Adriano Saraiva, conta que as altas quantias em propina exigidas pelos policiais causaram surpresa no andamento das investigações. “Nos chamou a atenção duas extorsões: uma no valor de R$ 500 mil e outra no valor de R$ 130 mil. Não temos como aferir, neste momento, a quantidade de propina movimentada, mas com isso já dá para ter uma noção que a bagatela de recursos é muito alta”, disse Saraiva ao O POVO, frisando que essas são as maiores quantias em extorsão identificadas pela ‘Gênesis’ desde o começo das investigações, em setembro do ano passado.
Ainda de acordo com o promotor, os policiais usavam o sistema de informações do próprio Estado para monitorar os passos das vítimas. “Eles se utilizavam do banco de dados Polícia para pegar o nome, endereço, telefone e todos os registros criminais da pessoa que queriam extorquir. Geralmente, os alvos eram traficantes com alto poder aquisitivo, pessoas que tinham ‘potencial financeiro’ para eles”, revelou. Ainda segundo Saraiva, nas ações criminosas os policiais usavam viaturas e faziam abordagens em serviço, de forma direcionada, aproveitando-se do distintivo e da função pública para tentar obter vantagens ilícitas.
Procurada pelo O POVO, a CGD informou que todos agentes da segurança alvos da 4ª fase da operação foram afastados de suas funções por tempo indeterminado. O órgão autorizou a abertura de procedimentos disciplinares e solicitou ao MPCE o compartilhamento de todo o material produzido nas investigações para agilizar o andamento das apurações no âmbito administrativo. Paralelo a isso, os policiais também vão responder a processos na esfera criminal.
Cronologia da ‘Gênesis’
A Operação que investiga corrupção, desvio de conduta e várias outras práticas criminosas envolvendo agentes da Segurança Pública do Ceará teve início em setembro de 2020. Na ocasião, foram cumpridos 17 mandados de prisão e de busca e apreensão em Fortaleza e Maracanaú. Entre os alvos estavam nove policiais militares e três policiais civis, todos da ativa. O inquérito apontou que os agentes formavam uma organização criminosa com outros quatro traficantes.
Na segunda fase da Operação, em outubro de 2020, a Justiça autorizou 16 mandados de prisão e de busca e apreensão em Caucaia e na Capital. Três policiais militares e três policiais civis da ativa, além de nove suspeitos de tráfico de drogas e de um ex-policial militar, foram alcançados pelas investigações.
Já em em maio deste ano, na terceira fase da Operação, foram cumpridos 26 mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão O trabalho mirou 21 membros de organizações criminosas, dos quais oito deles já foram presos, e cinco policiais militares de Fortaleza e Caucaia, todos afastados de suas funções.
A quarta fase, realizada nessa terça, 20, que cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, sete de condução coercitiva e uma ordem de prisão, deve dar origem a novos desdobramentos no âmbito das investigações. “A cada apreensão que a gente faz, muitas informações são descobertas: de outros crimes, de outros policiais envolvidos, de traficantes… Tem sido assim. Sem dúvida, novas operações são possíveis para elucidar as suspeitas levantadas hoje”, adianta Adriano Saraiva.
À margem da Lei
As suspeitas de extorsão que pairam sobre os agentes da segurança alvos do trabalho investigativo conduzido pelo Gaeco trazem à luz outras ocorrências da mesma natureza investigadas na esfera administrativa pela CGD. Uma delas foi registrada em maio do ano passado, no pico da pandemia, quando três policiais militares foram presos em flagrante na Capital por extorquir um homem que consertava respiradores. A identidade da vítima foi preservada, e os envolvidos levados para o Presídio Militar, em Fortaleza. A CGD não confirmou ao O POVO se eles permanecem presos.
Em março deste ano, o órgão disciplinar havia instaurado outros três procedimentos administrativos contra policiais militares acusados de extorquir um homem no Crato, região do Cariri, dois meses antes. Segundo o processo, eles pressionaram a vítima por uma quantia de R$ 150 mil para que não a matassem. "A documentação acostada aos autos consolida de forma clara e cristalina, os indícios de autoria e materialidade", diz trecho da portaria publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).
O caso mais recente ocorreu em 15 de junho último, quando dois policiais militares e um agente penitenciário foram presos em flagrante por pedirem R$ 50 mil a um homem para evitar que ele fosse preso. O fato aconteceu no bairro Papicu, em Fortaleza. A vítima, de acordo com a Polícia Civil, responde a processos por prática de estelionato.
Os policiais e um quarto suspeito não identificado teriam solicitado duas parcelas de R$ 25 mil para livrar o homem da cadeia. As investigações ainda mostraram que eles também haviam tomado posse de outros pertences da vítima, como um celular e até uma aliança. A CGD foi perguntada sobre o andamento dos processos que investigam a conduta dos três agentes, mas não respondeu até o fechamento da matéria.