Violência doméstica: quais fatores inibem as denúncias das mulheres contra os agressores?

Compreender, identificar, reconhecer e denunciar as agressões podem ser as saídas para quebrar o ciclo da violência doméstica

18:32 | Jul. 14, 2021

Por: Mirla Nobre
Foto de apoio ilustrativo. Garota de 11 anos está grávida pela segunda vez, um ano após dar à luz bebê fruto de violência sexual; mãe não autorizou aborto da criança (foto: Reprodução)

A violência doméstica não escolhe idade, classe social, raça ou escolaridade. Nos casos de violência contra a mulher, o cenário envolve ainda diversos fatores que inibem as denúncias dos casos pelas vítimas. A Lei Maria da Penha, principal forma de defesa e proteção às mulheres agredidas, define cinco formas de violência doméstica contra a mulher: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Dentre essas cinco formas, estão presentes os fatores que dificultam a denúncia das vítimas contra os agressores. Compreender, identificar, reconhecer e denunciar as agressões podem ser as saídas para quebrar o ciclo da violência.

É importante compreender as situação que as mulheres passam e que geram as dificuldades das denúncias. De acordo com Jeritza Braga, defensora pública e supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem), da Defensoria Pública do Ceará, as mulheres demoram de cinco a dez anos para denunciar seus agressores. Ela explica que, infelizmente, na construção da sociedade (um cenário que vem mudando aos poucos), as mulheres foram educadas para casar, e não foram educadas para se separar. E a situação explica alguns dos porquês de a vítima não denunciar e ainda se submeter às agressões por tanto tempo.

“As mulheres acabam não sabendo que vivem a situação de violência doméstica porque a violência doméstica não é apenas a violência física, apesar de as pessoas imaginarem que é apenas um tapa, um murro, um empurrão, mas também há a violência psicológica, a moral, a patrimonial e a sexual. A Lei Maria da Penha prevê que as mulheres tenham educação em direito, por meio de campanha, roda de conversas, divulgação de material sobre o assunto, para que elas tomem conhecimento sobre o que é a violência contra mulher e denunciem quando reconhecer, pois um dos fatores que impedem essas mulheres de denunciar é a falta de conhecimento”, explica Jeritza.

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Na violência psicológica, conforme a especialista, muitas mulheres acreditam que seja apenas uma fase e que vai passar. Esse é também um dos fatores que impedem as denúncias. Jeritza explica que nesses casos há humilhação, pois o homem não deixa a mulher sair de casa ou usar alguma roupa ou acessório, além de apresentar diversos sinais de ciúmes excessivo. A defensora pública destaca que os casos vão sendo neutralizados pelas mulheres, pois essa fase ocorre também por falta de conhecimento, que inibe a mulher de buscar ajuda. Além dos fatores de dependência emocional ou financeira.

Há os casos das mulheres que são independentes financeiramente, ou seja, têm um trabalho, mas, por outro lado, há a dependência emocional, que a defensora pública explica que é aquele medo de se separar, achar que não vai ser feliz ou medo de realizar a denúncia e a mesma não ser eficaz. “Essa dependência emocional vai deixando as mulheres na situação de culpada porque os homens a vitimizam. Aquele grito ou batida na mesa impõem o medo a elas. Isso vai colocando o medo nela, até chamá-la de louca com aqueles termos do “você não sabe de nada” e de vítima, eles fazem parecer que ela é a causadora de toda aquela violência”, esclarece a supervisora do Nudem.

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Ciclo da violência

De acordo com o Instituto Maria da Penha (IMP), a violência contra a mulher é um ciclo dividido em três fases. A fase 1 é do “Aumento da tensão”, e nesse primeiro momento o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Nessas situações, há também a humilhação imposta à vítima, a qual pode ter ameaças e destruição de objetos. Há casos em que a mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas, explica o IMP.

Na fase 2, há o “Ato de violência”. Segundo o Instituto, essa fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Nessa fase, toda a tensão acumulada na fase anterior se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. Nesse momento, a mulher também pode tomar decisões, as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, se esconder na casa de um amigo ou parente.

Por fim, a fase 3 aborda o “Arrependimento e comportamento carinhoso”. Essa fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. O IMP destaca que, nessa fase, a mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da fase 1 e o ciclo de retornar novamente até que ele seja quebrado.

Como reconhecer os sinais da violência contra a mulher?

No relacionamento em que há violência doméstica, além da atenção da mulher que sofre agressão, é importante a atenção da família ou amigos próximos da vítima, assim como de pessoas de fora do ciclo de convivência dela. Conforme a defensoria pública Jeritza Braga, alguns sinais podem ser percebidos por pessoas de fora da relação.

“A gente percebe aquela amiga que está mais isolada, fica mais calada, não sai mais para canto nenhum e sempre inventando uma desculpa. Se ela está em um relacionamento e muda de comportamento, e de repente você ver ela se isolando só com aquele cara, é sempre bom observar e ficar atento, pois pode haver um relacionamento abusivo”, aponta a especialista.

A supervisora do Nudem ainda ressalta que se meter em um relacionamento saiu da esfera privada e agora é de ordem pública. “A sociedade e os órgãos públicos devem, sim, fazer muita coisa. Se você vir uma mulher sofrendo violência doméstica na rua ou no trabalho, é necessário realizar a denúncia nos canais responsáveis, seja de forma anônima ou não, mas sempre realizar a denúncia”, pontua.  Ela complementa que quem identificou os sinais de uma relação abusiva deve ter uma conversa com a vítima para tentar orientá-la a buscar ajuda.

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Violência contra a mulher - o que é e como denunciar?

A violência doméstica e familiar constitui uma das formas de violação dos direitos humanos em todo o mundo. No Brasil, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, caracteriza e enquadra na lei cinco tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Entenda as violências:

Violência física: espancamento, tortura, lesões com objetos cortantes ou perfurantes ou atirar objetos, sacudir ou apertar os braços

Psicológica: ameaças, humilhação, isolamento (proibição de estudar ou falar com amigos)

Sexual: obrigar a mulher a fazer atos sexuais, forçar matrimônio, gravidez ou prostituição, estupro.

Patrimonial: deixar de pagar pensão alimentícia, controlar o dinheiro, estelionato

Moral: críticas mentirosas, expor a vida íntima, rebaixar a mulher por meio de xingamentos sobre sua índole, desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir

A Lei 13.104/15 enquadrou a Lei do Feminícidio - o assassinato de mulheres apenas pelo fato dela ser uma mulher. O feminicídio é, por muitas vezes, o triste final de um ciclo de violência sofrido por uma mulher - por isso, as violências devem ser denunciadas logo quando ocorrem. A lei considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

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Veja como buscar ajuda:

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza (DDM-FOR)
Rua Teles de Souza, s/n - Couto Fernandes
Contatos: (85) 3108- 2950 / 3108-2952

Delegacia de Defesa da Mulher de Caucaia (DDM-C)
Rua Porcina Leite, 113 - Parque Soledade
Contato: (85) 3101-7926

Delegacia de Defesa da Mulher de Maracanaú (DDM-M)
Rua Padre José Holanda do Vale, 1961 (Altos) - Piratininga
Contato: 3371-7835

Delegacia de Defesa da Mulher de Pacatuba (DDM-PAC)
Rua Marginal Nordeste, 836 - Jereissati III
Contatos: 3384-5820 / 3384-4203

Delegacia de Defesa da Mulher do Crato (DDM-CR)
Rua Coronel Secundo, 216 - Pimenta
Contato: (88) 3102-1250

Delegacia de Defesa da Mulher de Icó (DDM-ICÓ)
Rua Padre José Alves de Macêdo, 963 - Loteamento José Barreto
Contato: (88) 3561-5551

Delegacia de Defesa da Mulher de Iguatu (DDM-I)
Rua Monsenhor Coelho, s/n - Centro
Contato: (88) 3581-9454

Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte (DDM-JN)
Rua Joaquim Mansinho, s/n - Santa Teresa
Contato: (88) 3102-1102

Delegacia de Defesa da Mulher de Sobral (DDM-S)
Av. Lúcia Sabóia, 358 - Centro
Contato: (88) 3677-4282

Delegacia de Defesa da Mulher de Quixadá (DDM-Q)
Rua Jesus Maria José, 2255 - Jardim dos Monólitos
Contato: (88) 3412-8082

Casa da Mulher Brasileira

A Casa da Mulher Brasileira é referência no Ceará no apoio e assistência social, psicológica, jurídica e econômica às mulheres em situação de violência. Gerida pelo Estado, o equipamento acolhe e oferece novas perspectivas a mulheres em situação de violência por meio de suporte humanizado, com foco na capacitação profissional e no empoderamento feminino.

Telefones para informações e denúncias:

Recepção: (85) 3108.2992 / 3108.2931 – Plantão 24h
Delegacia de Defesa da Mulher: (85) 3108.2950 – Plantão 24h, sete dias por semana
Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher: (85) 3108.2966 - segunda a quinta, 8h às 17h
Defensoria Pública: (85) 3108.2986 / segunda a sexta, 8h às 17h
Ministério Público: (85) 3108. 2940 / 3108.2941, segunda a sexta , 8h às 16h
Juizado: (85) 3108.2971 – segunda a sexta, 8h às 17h