Conheça os equipamentos no Ceará especializados para o acolhimento da população LGBTQI+

Ambiente doméstico foi o principal local de violação de direitos dessa população, de acordo com o relatório dos atendimentos realizados em 2020 no Centro de Referência LGBT de Fortaleza. Saiba como ajudar as iniciativas independentes

15:02 | Jul. 14, 2021

Por: Alice Sousa
Devido a alta demanda por atendimentos psicológicos, o serviço será ampliado para funcionar semanalmente (foto: Casa da Diversidade de Juazeiro/reprodução )

A pandemia que atinge o País desde março de 2020 acirrou ainda mais a situação de vulnerabilidade da população LGBTQI+. No cenário da violência contra essas pessoas, o Ceará ocupa o segundo lugar no Brasil em números absolutos, de acordo com o último relatório anual divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra). Diante desse contexto, a procura por serviços de acolhimento especializados para essa população tem sido cada vez mais frequente. 

Em Fortaleza, ao todo, existem quatro equipamentos que fazem o trabalho de acolhimento da população LGBTQIA+. Dois deles, independentes, são a Casa Transformar e a Outra Casa Coletiva. A primeira, ativa desde 2017; a segunda começou a funcionar durante a pandemia. Na maioria dos casos, a exclusão familiar e a perda de renda levam essas pessoas a buscarem acolhimento fora do seio familiar. Os outros dois equipamentos na Capital são serviços institucionais: a Rede Acolhe, da Defensoria Pública, e o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra. Esses acolhimentos oferecem serviços desde abrigo temporário até assessoria jurídica. 

O perfil das pessoas que buscam esse atendimento é semelhante. Na outra Casa Coletiva, por exemplo, o jornalista Ari Areia conta que os dois principais perfis de quem procura o acolhimento temporário são pessoas que conseguiram sair de casa pouco antes da pandemia. Com o desemprego ou a redução salarial, essas pessoas não conseguiram se manter, e voltar para casa da família não é mais uma opção de acolhimento. Outro perfil é o de pessoas que ainda não tinham saído de casa, e a convivência forçada com a família tornou-se insustentável em casa, em um ambiente, às vezes hostil, com violência simbólica, psicológica ou física. “A gente chegou a receber no mês de maio cerca de três denúncias de jovens gays agredidos em casa pelos pais por questões de LGBTfobia”, acrescenta Ari. Desde a abertura, há pouco mais de um ano, a Outra Casa Coletiva já atendeu 77 pessoas, oferecendo abrigo, formação profissional, atendimento jurídico e psicológico.

Das 77 pessoas atendidas, 28 são transexuais. No caso do acolhimento físico, Ari explica que ocorre por temporada, dura em média entre três e quatro meses, que é o tempo que a pessoa leva para se estabilizar novamente. Das pessoas que já foram abrigadas pelo local, quatro vieram do Interior do Ceará, uma do interior de Pernambuco e cinco da periferia da Cidade. “Alguns casos de maior complexidade a gente precisa de suporte da estrutura do Estado, como quando pessoas em situação de ameaça contra a vida nos procuram, e encaminhamos para acolhimento em programa de proteção na estrutura do Estado)”, explica Ari. No cenário da pandemia, as áreas mais demandadas da Casa são o suporte psicossocial e o núcleo de apoio à empregabilidade, que atende tanto os acolhidos quanto o público externo. Durante este ano de funcionamento, a Casa já conseguiu cinco encaminhamentos efetivos de inclusão laboral, entre os beneficiados estão três pessoas trans.

A Casa Transformar, que desde 2017 acolhe fisicamente a população LGBT em Fortaleza, tem como apoio financeiro as doações. Além do acolhimento, assim como a Outra Casa, é oferecida uma formação profissional, tanto para as pessoas abrigadas quanto para o público externo. Atualmente a Casa conta com sete pessoas abrigadas e, até 2020, já tinha encaminhado cerca de 20 LGBTS para o mercado de trabalho formal.

Nik Hot, responsável pelo equipamento, explica que até 2019 a Casa abrigava pessoas maneira informal. Depois, houve uma estruturação até para atender mais gente. “Em 2017, a gente recebeu na nossa casa uma travesti, ela chegou aqui em casa sabendo que eu era LGBT, porque a casa sempre teve esse trabalho de militância, a gente acabou acolhendo porque se viu na situação daquela pessoa, quem iria acolher se não fossem nós?”, lembra Nik.

No ano passado, as doações reduziram em quase 90%, e o local ficou prestes a fechar. Nik diz que a situação continua complicada no aspecto financeiro, apesar do volume de doações ter aumentado em junho, quando se comemora o mês da visibilidade LGBTQIA+. Na Casa Transformar, a maioria dos abrigados recorrem ao local por conta da exclusão familiar. “Todo LGBT tem que amadurecer mais cedo na vida pelo Brasil ser o país que mais mata travestis”, aponta Nik. 

Equipamentos institucionais

A Defensoria Pública do Ceará e a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) também oferecem o serviço de acolhimento psicológico, jurídico e físico. Através da Rede Acolhe, a Defensoria realizou 42 atendimentos em 2021. A Rede é um projeto criado em julho de 2017 para prestar assistência às vítimas e familiares de vítimas de violência no Ceará. Parentes de pessoas trans e travestis assassinadas, portanto, podem ser atendidas pela equipe da Acolhe, para acompanhamento jurídico e psicossocial. A coordenadora da Rede, Gina Kerly Pontes Moura, explica que o local trabalha com a busca ativa e com a demanda espontânea.

A demanda espontânea vem da procura do serviço pelas pessoas que estão em situação de ameaça de morte ou que tiveram seus familiares ou pessoas próximas vítimas de violência letal intencional. Já a busca ativa é quando o próprio serviço vai em busca destas pessoas a partir dos dados disponibilizados pelos serviços públicos. “Quando se trata de crime dessa natureza, é comum a retração das pessoas por medo, desconfiança, impotência ou descrédito. Com a pandemia, a demanda espontânea diminuiu muito, e ficamos basicamente com a busca ativa. Esperamos aumentar esses números, mas é necessário frisar que cada caso envolve uma complexidade muito grande de demandas jurídicas e socioassistenciais, além da possibilidade de inclusão em programas de proteção”, explica a Defensora Pública.

Nesse contexto, Gina lamenta a falta de dados específicos sobre crimes de LGBTfobia pela Secretaria da Segurança Pública. “Essas vítimas não existem para os bancos de dados oficiais do município. Além de identificar esse público, temos que identificar dentro do contexto criminal a transfobia. As vulnerabilidades que estão contextualizadas na realidade criminal”, explica Gina. No caso das pessoas trans que não tenham feito a alteração do nome na documentação, a ocorrência é catalogada pela SSPDS com o sexo que consta no registro.

Centro de Referência LGBT Janaína Dutra

O Centro surgiu em 2005, como um projeto social executado pelo Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), e foi incorporado ao organograma da Prefeitura Municipal de Fortaleza em 2011. O local oferece serviços de assessoria jurídica, psicológica, formação profissional, encaminhamento para o processo transexualizador e acolhimento físico. O trabalho de acolhimento físico é encaminhado para os Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop). Entre 2020 e 2021, sete pessoas buscaram serviços de acolhimento no local, cinco delas já eram assistidas pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop).

Nos dois casos em que a pessoa não estava assistida pelo Centro Pop, uma tratava-se de criança, de modo que ela foi acolhida em instituição assistencial (em atuação conjunta com o Conselho Tutelar), e uma tratava-se de jovem, maior de 18 anos, que se encontrava temporariamente acolhida na casa de amigos, mas que conseguiu um emprego durante a pandemia e, assim, passou prover uma moradia alugada.

Em 2020, 132 pessoas foram atendidas pelo Centro, além da população que já era atendida pelo local regularmente. Dentre os motivos da procura, os três maiores foram: retificação de pronome e gênero, atendimento psicológico e acesso ao processo transexualizador. Durante a pandemia, o equipamento encaminhou usuários do equipamento em situação de vulnerabilidade para o recebimento de cestas básicas. Acerca do contexto das pessoas abrigadas, todas eram mulheres travestis ou transexuais, entre 15 e 32 anos de idade. Duas eram advindas de outros municípios. Três relataram rompimento do vínculo familiar em decorrência de violência doméstica, em razão do preconceito em relação às suas identidades de gênero.

De acordo com o relatório de atendimentos de 2020, o ambiente doméstico foi citado como o principal espaço de violação de direitos da população LGBT. Foi registrado um salto de 26% dos casos de violência reportados em 2019 para 45% em 2020. Desses, 43% dos/as autores/as da violência reportada faziam parte do convívio íntimo da vítima, enquanto em 2019 este índice era de 30%.

Perfil dos assistidos em 2020

 

Em Juazeiro do Norte, Casa da Diversidade foi inaugurada durante a segunda onda da pandemia

A Casa da Diversidade Cristiane Lima é o resultado de uma parceria entre a associação beneficente de cunho católico Madre Maria Vilac (Abemavi) e da Associação Caririense de Luta Contra a Aids. Ambas as associações já realizavam trabalhos específicos para o público LGBT na região de Juazeiro do Norte. De acordo com Brendha Wlazack, responsável pelo local, existia o sonho de um serviço especializado para população LGBT em Juazeiro. “A Casa chega para atender a uma demanda específica da população, que, na maioria das vezes, se sente marginalizada nos equipamentos públicos”, explica Brendha. Ela já chegou a receber relatos de pessoas que não tiveram seus nomes sociais respeitados quando buscaram atendimento médico no município, por exemplo. 

A Casa da Diversidade não oferece serviço de acolhimento físico, mas atende às demandas encaminhadas por outros municípios. De acordo com Brendha, em situações excepcionais, a Casa realiza acolhimento, como foi o caso que aconteceu na primeira semana de abertura do local. Na época, um jovem LGBT estava perambulando pela cidade há três dias, quando um grupo de jovens que sabia da inauguração do equipamento levou o rapaz até o local, onde ele passou a noite e fez suas refeições. Quando foi buscar os documentos dele, a família dialogou e o acolheu de volta. "Antes de a Casa abrir também recebemos uma mulher trans, encaminhada por um município vizinho. Ela ficou conosco na sede da Abemavi até resolvemos sua situação", lembra Brendha.

A Casa tem uma programação diária de atendimentos. Nas segundas, assessoria jurídica, nas terças, assistência social, nas quartas e nas quintas, massoterapia e grupos de convivência e oferta de cursos, respectivamente. De 15 em 15 dias, às sextas, a programação inclui consultas psicológicas. Devido à alta demanda pelos atendimentos psicológicos, o serviço também deve passar a ser semanal. Além disso, a Casa oferece uma sala toda equipada para realização de exames de IST de forma sigilosa para toda a população, independente da orientação sexual. E, mensalmente, uma clínica geral realiza atendimentos médicos com a população LGBT.

 

Serviço 

A Outra Casa Coletiva recebe doações no link https://benfeitoria.com/outracasa e por meio da chave pix: queroajudaroutracasa@gmail.com. O local também recebe doações de alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal. 

A Casa Transformar recebe doações no link https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajude-a-casa-transformar-casa-transformar e outras doações por meio do número (85) 98126.8410. 

A Casa da Diversidade Cristiane Lima, de Juazeiro do Norte, recebe doações através do número (88) 98858. 5006