Contra mudanças na demarcação de terras, indígenas bloqueiam quatro rodovias no Ceará
Mobilização reuniu povos de diferentes tribos, que bloquearam rodovias para pedir a derrubada do PL/490Pelo menos quatro rodovias do Ceará foram bloqueadas parcialmente nesta quarta-feira, 30, em manifestações de povos indígenas contra o Projeto de Lei 490/2007, que altera a demarcação de terras indígenas no Brasil. Segundo levantamento do O POVO, foram registrados atos na CE 085 e BR 222 (Caucaia), CE 350 (Pacatuba/Maranguape) e na CE 257 (Crateús). Participaram dos protestos representantes das tribos Pitaguary, Anacé e Tapebas, que usaram faixas, cartazes e queimaram pneus no centro das vias para pedir a derrubada do projeto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados no último dia 23.
Na BR 222, onde o O POVO esteve no início da manifestação, havia cerca de 150 indígenas participando do ato. "Ninguém vai calar nossa boca, demarcação já!", asseverou a cacique Madalena Pitaguary, presente no protesto. Os protestos, que estavam previstos para terminar às 12 horas, foram estendidos até o fim da tarde, segundo os organizadores, que ressaltaram o caráter pacífico da mobilização.
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Nas manifestações, os indígenas questionaram o ponto considerado mais polêmico do PL: a criação do marco temporal, em que só poderão ser classificadas como terras indígenas as que já estavam em posse de povos originários na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Na prática, o dispositivo condiciona a demarcação a um comprovante de posse, o que hoje não é exigido.
A vice-presidente do Conselho Local de Saúde Pitaguary, Rosa Pitaguary, que também participou dos atos, disse que os indígenas estão em uma grande mobilização nacional para barrar o avanço do projeto. "Nossa reivindicação é no Brasil todo para dizer não a PL 490 e afirmar que somos indígenas há 1.521 anos. Estamos aqui resistindo a tudo isso e também dizemos não ao marco temporal!", afirmou. Na mesma linha, o cacique e diretor da Escola Indígena Chuí, Kauã Pitaguary, também questiona a proposta. "Nossa luta tem sido de 500 anos, por demarcação de terras, pela nossa cultura e pela nossa resistência. Não seremos convenientes com esse PL".
O texto original do projeto permite a exploração de terras indígenas por garimpeiros, proíbe a ampliação de áreas já demarcadas e flexibiliza contato com povos isolados, esta última uma reivindicação sobretudo da bancada evangélica no Congresso Nacional.
Para Neto Pitanguary, liderança do povo indígena cearense, a discussão da matéria no parlamento federal “é uma prova de que o Brasil nega reiteradamente a existência dos povos indígenas”. Ele ainda afirma que, a depender da mobilização dos povos originários brasileiros, a proposta não será aprovada. "Estamos aqui resistindo e vamos continuar na luta até atingirmos nosso objetivo. Terra demarcada, vida garantida!", declara.
Ato pacífico
Em cerca de nove horas de manifestação (das 7 às 16 horas), apesar dos transtornos causados com os bloqueios nas rodovias, não houve nenhuma ocorrência de transgressão entre os manifestantes ou repressão por parte das forças de segurança. “A polícia foi bem atenciosa e respeitou todo o ato”, disse Paulo França, liderança do povo Anacé na região do Lagamar do Cauípe. Durante o ato, os organizadores permitiram a passagem de ambulâncias e demais veículos que prestam serviço de saúde.
Os protestos também foram acompanhados por representantes da Prefeitura de Caucaia, que sinalizaram a abertura de um canal de diálogo permanente com os indígenas para o atendimento de demandas locais. “Tivemos a presença de autoridades representando a prefeitura de Caucaia para dialogar sobre demandas como transporte público e falta de diálogo com nosso povo”, relatou França, acrescentando ainda que, somente na BR 085, onde ele esteve manifestando, mais de 300 indígenas do povo Anacé participaram da mobilização.
Com informações de Marília Freitas e Cristina Pitanguary
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