Motim da PM já causou expulsão de soldado e abertura de 307 processos administrativos
Policiais suspeitos de participação no movimento paredista também respondem a processos na esfera criminal, após denúncias protocoladas pelo ministério PúblicoPassados mais de um ano e quatro meses do motim da Polícia Militar do Ceará, deflagrado em fevereiro de 2020, 307 policiais acusados de participação no movimento paredista continuam respondendo a Processos Administrativos Disciplinares (PADs). A informação foi confirmada ao O POVO pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD). O órgão ainda revelou, sem especificar quantitativo, que há outras investigações em curso, das quais também podem resultar novos processos disciplinares.
Na última segunda-feira, 21, a CGD expulsou da corporação o soldado Raylan Kadio Augusto de Oliveira, alvo de um PAD instaurado ainda em agosto do ano passado. Ele se tornou o primeiro PM a receber punição máxima na esfera administrativa por ter participado do motim. A decisão, que ainda cabe recurso, foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) na edição de quarta-feira, 23.
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No despacho, o órgão disciplinar apontou que o soldado estava entre os invasores do 18º Batalhão da PM, no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza, ocupado por policiais do movimento paredista na tarde do dia 18 de fevereiro. “A conduta praticada pelo militar em tela, a priori, se subsome à conduta tipificada no crime de “Revolta” (Art. 149, p.u., do CPM), por ter, na condição de militar, reunido-se armado com a finalidade de desrespeitar a ordem e a disciplina militares, fazendo-o por meio da ocupação de estabelecimento e da utilização de instrumentos da caserna, sendo estes, respectivamente, um Quartel e algumas viaturas”, diz trecho da decisão, assinada pelo titular da CGD, Rodrigo Bona Carneiro.
Fotos e vídeos que mostram a presença do soldado no Batalhão em um ato realizado no dia 27/2/2020 foram apensadas ao PAD. Nas imagens, segundo o processo, Raylan aparece “participando de um ritual (espécie de solenidade) de adesão ao movimento paredista [..] segurando uma bandeira nacional, ladeado por outros militares em formação ao toque de corneta”. Naquele dia, conforme a CGD, o PM havia sido escalado como motorista da supervisão do Policiamento Ambiental, função que não teria desempenhado após apresentar um atestado por motivo psicológico.
Em seu depoimento, o soldado disse que teria sido coagido por companheiros de farda para participar do movimento. Ele admitiu que foi ao 18º BPM, mas a visita teria sido feita por “curiosidade”, ante às notícias relacionadas ao assunto que estavam sendo divulgadas pela mídia.
“Ele chegou ao local, viu que aquilo era tudo sem sentido e resolveu voltar para casa, contudo, uns três policiais militares que não conhecia gritaram, perguntando-lhe para onde estava indo e correram em sua direção, o pegando pelo ombro. Quando viu, já tinham muitos policiais indo ao seu encontro, que lhe chamavam de covarde e diziam que ele não estava pensando nos amigos de farda presos, momento em que esses policiais começaram a cantar e entraram com ele no 18º BPM”, diz parte do depoimento de Raylan anexado no PAD.
O soldado ainda revelou que, no transcurso do motim, lideranças do movimento, que não tiveram os nomes citados, “convocavam os militares estaduais a se juntarem ao ato, inclusive denominavam de covardes os policiais que não aderissem à greve”, situação que teria lhe causado enorme impacto emocional, razão pela qual o PM disse ter procurado apoio psicológico.
Os argumentos não foram acolhidos pelo órgão de controle militar, que ainda apontou o soldado como um dos principais articuladores do movimento. “Sua participação no evento, não só é marcada pelo seu simples comparecimento, mas sim pela demonstração expressa da sua adesão e consequente engajamento ao movimento, [...] totalmente alheio aos normativos e recomendações emitidas, e que por conseguinte demonstra seu desapreço a hierarquia e disciplina da Instituição Militar”, argumenta a CGD no trecho de conclusão do PAD.
O órgão lembra que, conforme entendimentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), policiais militares não podem fazer greve em virtude da natureza do serviço essencial que prestam à sociedade. “A atividade de segurança pública, se paralisada, implica em fortes prejuízos para a sociedade, além de afetar o exercício das funções de outros Poderes”.
Na conclusão do despacho, a CDG diz que “diante das provas colhidas, há como afirmar, de modo inequívoco, que a conduta do militar alvo do PAD foi a de participação e de condescendência ao movimento de paralisação”, conduta transgressiva que justificaria a expulsão do soldado da corporação militar.
Esfera criminal
Paralelo às investigações conduzidas pela CGD no âmbito administrativo, os policiais suspeitos de participação no motim também respondem a processos na esfera criminal movidos pelo MPCE. No último dia 22, o órgão denunciou mais 14 PMs por adesão à paralisação. Com isso, o número de militares denunciados subiu para 354.
Os novos procedimentos criminais envolvem policiais que teriam participado direta ou indiretamente da ocupação do 14º Batalhão da PM, localizado em Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Dois oficiais militares de alta patente estão entre os denunciados. Segundo o MPCE, na condição de comandantes da corporação, eles “foram incapazes de manter as tropas em estado de eficiência e capazes de dar pronta resposta armada aos atos hostis que o estado vinha sofrendo”.
O promotor responsável pelas denúncias, Sebastião Brasilino, apontou possível conduta omissiva dos oficiais. “Não pode o militar alegar medo, covardia, ou coação, quando tem, por dever, que agir e combater, em nome de toda uma sociedade, o perigo que se avizinha”, afirmou.
Caso Cid
Na semana passada, dia 17/6, a Promotoria de Justiça Militar (PJM), vinculada ao MPCE, havia protocolado denúncia contra 35 policiais suspeitos de invasão ao 3º Batalhão de Polícia Militar, em Sobral, onde o senador Cid Gomes (PDT) foi atingido por dois tiros após avançar com uma retroescavadeira em direção aos PMs amotinados.
Na denúncia, a promotoria acusa os policiais de crimes como omissão e revolta, ambos tipificados no Código Penal Militar (CPM). O mesmo inquérito policial militar (IPM) também havia indiciado 33 dos acusados por tentativa de homicídio contra Cid, mas a denúncia não foi levada à Justiça porque, segundo o MP, a investigação de crimes contra a vida não está no rol de competências da PMJ.
A suposta tentativa de assassinato contra o senador segue sendo investigada pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI), da CGD, que ainda não estipulou prazo para a conclusão do inquérito. O caso também está sendo investigado pelo Tribunal do Júri de Sobral, que igualmente não prevê quando as apurações serão finalizadas.