Tribo Tapeba denuncia suposta exploração ilegal de área demarcada em Caucaia

Serviço de terraplanagem em território indígena já teria resultado na derrubada de mais de 4 mil carnaubeiras

Índios da tribo Tapeba, no município de Caucaia, denunciam suposta invasão ilegal de área demarcada localizada às margens da BR-020, no bairro Campo Grande. A área, de aproximadamente 5 mil hectares, teria sido ocupada para exploração comercial de empresas da iniciativa privada. A intervenção, que iniciou na última quinta-feira, 09, já resultou, segundo os habitantes da aldeia, no desmate de quase 4 mil carnaubeiras, árvore nativa da região e fonte de sustento para pelo menos 30 famílias que residem na comunidade.

O território, que antes era coberto por mata e cortado por córregos afluentes do rio Ceará, passou por um processo de terraplanagem, que modificou completamente a paisagem. O POVO esteve no local na tarde desta terça-feira, 15, e constatou a derrubada de dezenas de árvores nativas, além do soterramento de lagoas e riachos. A devastação, de acordo com os indígenas, foi interrompida nesta segunda, 15, após protesto dos moradores. O maquinário utilizado na ação, no entanto, continua estacionado no local.

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CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: máquinas utilizadas na exploração da área
CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: máquinas utilizadas na exploração da área (Foto: Aurélio Alves/ O POVO)

Segundo o índio Raimundo Nonato do Nascimento, 51, liderança da aldeia que recepcionou a equipe de reportagem durante a visita, a interrupção do serviço ocorreu após parte da comunidade montar um acampamento no meio da área explorada para barrar o andamento da intervenção. A pressão forçou uma reunião entre os moradores e o responsável pela obra, que foi ao local nesta segunda-feira.

Durante o encontro, o homem teria apontado uma arma de fogo em direção aos índios para defender que é o legítimo proprietário das terras. “Ele puxou o revólver pro pessoal, mas não atirou porque viu que tinha muita gente da comunidade preparada para ir pra cima dele”, afirma Raimundo, acrescentando que os moradores ainda não conseguiram descobrir a identidade do homem, que se recusou a informar nome e profissão.

Apesar das supostas ameaças, o responsável aceitou dialogar com os indígenas e concordou em suspender a obra até que a justiça se pronuncie sobre o assunto. Na conversa com os moradores, ele não revelou, porém, qual a finalidade da exploração da área.

No local, há uma placa de autorização ambiental em nome da empresa JD Instalações Industriais e Equipamentos, que possui sede no município de Maracanaú e atua no ramo de fabricação de estruturas metálicas. A licença foi expedida pelo Instituto de Meio Ambiente de Caucaia - IMAC, autarquia ligada à prefeitura municipal.

CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: placa de autorização ambiental emitida pelo IMAC
CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: placa de autorização ambiental emitida pelo IMAC (Foto: Aurelio Alves)

Em nota enviada ao O POVO, o IMAC diz que “a Autorização Ambiental de nº 81/20 e a Licença de Instalação de nº 89/20, foram concedidas em 03/12/2020, na gestão anterior” e que os processos estão passando por reavaliação para constatar se toda a documentação exigida foi devidamente apresentada e se não ocorreu desobediência às normas estabelecidas.

“Caso as irregularidades sejam atestadas, as licenças serão canceladas, e a obra embargada e multada. Havendo isso, os responsáveis pelo empreendimento também deverão recuperar a área, por meio de elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, sob orientação e acompanhamento do Instituto de Meio Ambiente de Caucaia, com replantio, transplantio de Carnaubeiras e desassoreamento do corpo hídrico”, diz a nota.

O vereador Weibe Nascimento (PT), que também é liderança da tribo, questiona a legalidade das licenças. Segundo ele, há pelo menos três imprecisões nos documentos. “Identificamos várias ilegalidades nessa licença. A primeira, que não tem coordenação geográfica. Segunda, menciona que o empreendimento estaria localizado na área do complexo portuário do Pecém, mas essa área fica no outro lado do município. E a terceira é que, por se tratar de uma área indígena, obrigatoriamente a Funai e as pessoas da aldeia deveriam ter sido consultadas, o que nunca aconteceu”, afirmou em entrevista ao O POVO.

O parlamentar ainda revela que o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para apurar o caso e que há uma expectativa de que até esta quinta-feira técnicos do Ibama e agentes da Polícia Federal façam uma vistoria ampla no local.

O vereador enfatiza também que uma Portaria do Ministério da Justiça, expedida em 2017, reconhece a área explorada como território pertencente ao povo Tapeba. No total, são 5,2 mil hectares, dos quais, segundo Weibe, 4 mil podem ser atingidos pela intervenção. 

Luta coletiva

Morador da área há mais de 15 anos, Raimundo Nonato diz esperar que os órgãos de defesa dos direitos dos povos indígenas tomem providências urgentes para barrar a exploração. “Esperamos que os órgãos responsáveis interfiram nessa área e ponham fim a esse absurdo. A gente não tem mais o que fazer. Estamos no limite. É preciso que algo seja feito para parar essa devastação”, conclama. 

O também índio Manoel da Silva Rocha, 50, que afirma ter nascido na comunidade, demonstra tristeza com a exploração das terras e se diz preocupado com o futuro de sua família. “Fico muito triste porque nasci e me criei aqui. Meus pais viveram aqui até o último dia de suas vidas. E agora a gente vê uma destruição dessa. Eu não aguento mais isso aqui. É triste. Tenho medo do meu filho pequeno, de dois anos, não ter a oportunidade de viver aqui. Eles querem tirar nosso único meio de sobrevivência. Sem isso aqui, não teremos onde plantar. Como a gente vai viver?”, questionou.

CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: índios da tribo Tapeba pedem intervenção da justiça para barrar exploração da área
CAUCAIA, CE, BRASIL, 15-06.2021: índios da tribo Tapeba pedem intervenção da justiça para barrar exploração da área (Foto: Aurélio Alves/ O POVO)

Para frear a ocupação da área, Raimundo Cruz, 35, outro indígena da aldeia, diz que pretende usar de todos os meios legais para lutar pela interrupção da terraplanagem. “Eles não querem que a gente defenda o que é nosso. E nós vamos resistir até às últimas consequências, porque eu quero viver até o último dia de minha vida aqui. Minha história está nessa cravada terra, e a dos meus pais também”, afirma.

O POVO procurou a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão do Governo Federal, para saber quais providências serão tomadas a respeito do caso, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.

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TRIBO TAPEBA; OCUPAÇÃO DE ÁREA DEMARCADA; TERRAS INDÍGENAS; ÍNDIOS CAUCAIA

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