Estudante que rifou carneiro comenta a importância do apoio público para quem quer estudar

Desempregado e sem bolsa, Ricardo Maurício, de Tabuleiro do Norte, considera que sua história é uma entre tantos que enfrentam dificuldades na busca da educação

14:04 | Jun. 10, 2021

Por: Marília Serpa
Quero poder mudar um pouco o pensamento dos jovens brasileiros, fazer com que eles voltem a acreditar nesse Brasil, fazer com que eles possam pensar fora da sua zona de conforto, porque nosso país tem jeito, a gente só precisa acreditar nele (foto: Acervo Pessoal)

Ricardo Alves Maurício é um jovem esforçado, inteligente, batalhador e sonhador. Natural de Tabuleiro do Norte, graduou-se em 2019 como engenheiro civil pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte, e logo se viu sem oportunidades de emprego. Em 2021, o engenheiro se deparou com a realização de um sonho antigo: sua aprovação no mestrado da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Junto com o sonho, o notebook do jovem, que tinha quase dez anos de uso, queimou. O equipamento seria usado para estudos e pesquisas do mestrado, mas por não ter emprego, o estudante precisou encontrar uma maneira de contornar a situação. Foi então que ele decidiu sortear um carneiro, custando R$ 10 o ponto da rifa, como forma de obter o valor necessário para a compra de um novo computador.

Quem arrematou o animal foi o ex-diretor do colégio onde o jovem estudou durante o ensino médio, conhecido na cidade como "Tim".

O rapaz contou sua história e explicou o motivo do sorteio feito em publicação em seu Instagram. O que ele não esperava é que a postagem fosse ganhar repercussão de tal forma que além de conseguir o valor para a compra de um novo notebook em menos de 24 horas, ele também encontraria uma forma de se manter durante o início do seu mestrado através dos muitos pontos comprados.

O POVO - Por que rifar um carneiro?

Ricardo Maurício - O carneiro é uma questão cultural da minha cidade. Antigamente, faziam muitos sorteios e rifas de animais, por ser interior e grande parte da renda das pessoas vir da agricultura.

OP - O que você acha que na sua história mais sensibilizou as pessoas?

Ricardo - A minha situação no geral: desempregado e sem bolsa devido os cortes do governo, sem minha ferramenta de trabalho e minha vontade de crescer na vida pelo estudo.

OP - Na sua casa, como foi a reação da sua família quando contou sobre o sucesso da rifa? Qual tem sido o sentimento dos seus pais diante de toda a repercussão e ajuda financeira que você vem recebendo?

Ricardo - Eles ficaram em êxtase junto comigo, porque pessoas de vários lugares se sensibilizaram com a causa. Não foi muito, mas o que arrecadei vai dar para passar um tempo na capital.

OP - Que impacto você acha que sua história gerou nas pessoas? Seja nas que ajudaram sua causa e nos jovens que, assim como você, precisam driblar a falta de oportunidades para continuarem estudando.

Ricardo - Eu fui apenas um entre tantos que estão passando por situações semelhantes à minha. Através da minha história de vida, pude representar todos os estudantes de baixa renda que precisam de incentivos do governo, como o Programa de Permanência Acadêmica e Programa de Incentivo à Pesquisa, que são essenciais e necessários para que essas pessoas em situações de vulnerabilidade possam dar continuidade aos seus estudos.

OP - Na sua família, alguém inspira você a estudar ou talvez seguir carreira acadêmica?

Ricardo - Toda a minha família sempre me incentivou ao estudo, apesar do meu pai não ter concluído o fundamental e minha mãe só ter estudado até o ensino médio. Da minha família por parte de mãe, eu fui o primeiro a entrar em um mestrado; sempre fizeram de tudo que estava ao alcance para que eu continuasse estudando.

OP - Você ganhou seu notebook antigo após ser destaque no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), em 2012. Você sempre gostou de estudar? Como essa relação foi construída?

Ricardo - O estudo sempre foi muito visado por mim. Em 2010, entrei em primeiro lugar na seleção da escola profissionalizante do meu município; nela, ganhei prêmios de feira de ciência, redação e matemática. Sempre fui muito competitivo e usei essa minha competitividade no estudo, não para ser melhor que os outros, mas uma versão melhor de mim mesmo, porque sempre temos o que melhorar e aprender.

OP - Teve algum momento da sua vida em que estudar foi mais difícil? Como superou esse desafio?

Ricardo - Não. Pelas minhas dificuldades financeiras e através do meu esforço, sempre consegui auxílio do governo e essa tem sido a primeira vez que me deparo com a ausência desse incentivo.

OP - Qual o tema do seu projeto de mestrado? Ele dialoga de alguma forma com a sua vivência em Tabuleiro do Norte?

Ricardo - Como acabei de entrar no mestrado, ainda não tenho meu tema de pesquisa definido; o curso é muito amplo e posso aplicar a gestão em muita coisa. Estou com uma disciplina que fala sobre os programas de Habitação de Interesse Social (HIS), e estou achando bem interessante, mas preciso amadurecer a ideia.

OP - Além das pesquisas que você pretende realizar no mestrado, de que outra forma, por meio dos seus estudos e da sua profissão, você deseja contribuir para a sociedade?

Ricardo - Eu tenho muita vontade de iniciar a docência; ser professor é um dos meus sonhos. Quero poder mudar um pouco o pensamento dos jovens brasileiros, fazer com que eles voltem a acreditar nesse Brasil, fazer com que eles possam pensar fora da sua zona de conforto, porque nosso país tem jeito, a gente só precisa acreditar nele.