Obra de condomínio em Icaraí de Amontada é embargada por suspeita de estar sobre dunas fósseis

Legislações ambientais federais protegem dunas no local, mas a construção exibe licença ambiental emitida pela Autarquia do Meio Ambiente de Amontada (Amama). Prefeitura vai averiguar se construtora obedece ao limite estabelecido

Atualizada às 9h22min de 25/05/2021

A obra de um condomínio que está sendo erguida na praia de Icaraí de Amontada, a 167 quilômetros de Fortaleza, foi embargada por 15 dias. Após denúncias de que a intervenção estaria impactando área ambiental conhecida como "cascudo" e avançando na Linha de Praia, a Autarquia do Meio Ambiente de Amontada (Amama) decidiu analisar os estudos e pareceres técnicos do projeto.

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"Vamos formular o nosso parecer. Caso tenha havido descumprimento às normas estabelecidas por lei, a empresa será punida de acordo com as normas jurídicas vigentes", explicou o diretor da Amama, Cândido Neto.    

A denúncia afirma ainda que a obra está sendo tocada dentro de uma Área de Preservação Permanente (APP). O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) investiga a denúncia. Apesar de legislações ambientais federais protegerem dunas no local, a construção exibe licença ambiental emitida pela Autarquia do Meio Ambiente de Amontada (Amama).

De acordo com a denúncia, a obra "Club do Mar", localizada na rua Lago Verde, vem sendo erguida em uma área com quatro eolianitos, popularmente conhecidos como "cascudos", que são espécies de dunas fósseis cimentadas. A estrutura geológica apresenta valor arqueológico e ambiental inestimável por resguardar registros climáticos milenares e proteger a região de processos erosivos.

A geógrafa Vanda Claudino, professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), alerta que a destruição dos cascudos é irreparável. “É impossível recompor esse ambiente. Daí a necessidade de preservação porque, uma vez destruída, não tem como voltar atrás”, comenta. Analisando as imagens enviadas, a pedido do O POVO, ela diz que a construção avança sobre uma região de eolianitos. "Um cascudo já foi destruído completamente, com possibilidade de outros."

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O Movimento Salve Icaraí de Amontada, antes chamado Salve o Cascudo do Fogo, tem denunciado há pouco mais de um ano a destruição de cascudos no distrito. Em nota, o grupo alerta que a região tem sido alvo frequente da especulação imobiliária, "tendo suas áreas de relevância ecológica fragmentadas e destruídas".

Os cascudos são considerados áreas de preservação permanente, protegidas tanto pelo Código Florestal quanto pela resolução nº 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O Plano de Gestão Costeira do Estado do Ceará reforça a preservação conferida no âmbito federal. Há ainda um Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro que exige a realização de um estudo prévio de impacto ambiental para todo empreendimento realizado em zona costeira.

Por tudo isso, a licença municipal estaria ferindo a legislação ambiental, conforme assegura João Alfredo Telles Melo, presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE). Segundo ele, será feita uma representação ao Ministério Público do Estado sobre o caso.

“Do ponto de vista mais imediato, obviamente deve ser feito o embargo da obra, e a médio e longo prazo, a recuperação da área que foi degradada. E a apuração se houve ou não um crime ambiental. Eu entendo que sim, mas evidentemente tem que ser apurado”, considera.

Em nota, o MPCE informa, por intermédio da Promotoria de Justiça de Amontada, que tomou conhecimento dos fatos pela 3ª Companhia do Batalhão de Sobral e pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Assim, instaurou nessa quinta-feira, 20, um procedimento administrativo para investigar a denúncia da construção em área protegida por legislações ambientais.

"Como providências, o Ministério Público irá ouvir as partes envolvidas e requerer perícia dos órgãos ambientais. Além disso, o MPCE requisitou a instauração de inquérito policial para averiguar os possíveis crimes cometidos", completa o órgão.

Procurada, a Semace disse que cabe à Autarquia do Meio Ambiente do Município de Amontada (Amama) executar a fiscalização e prestar esclarecimentos sobre os aspectos ambientais do empreendimento autorizado. A superintendência executa a fiscalização ambiental a partir de denúncias, mas disse que a Prefeitura tem autonomia para licenciar e fiscalizar também.

Prefeitura diz que vai verificar obra

 

A licença ambiental da obra Club do Mar foi emitida para a empresa MDA Construções em dezembro de 2019 e tem validade até dezembro deste ano. O terreno total é 7.343 metros quadrados (m²), sendo a área construída de 2.894 m². 

No parecer técnico da obra, foram identificadas quatro áreas de eolianitos (cascudos) dentro do terreno total, correspondendo a 1.107 m². Segundo o diretor da Amama, Cândido Neto, essa área delimitada protegida por lei ambiental deve ser preservada pela empresa durante a construção.

Na próxima segunda-feira, 24, a Amama fará uma nova vistoria no local para garantir que a construção está respeitando o limite demarcado. “Se estiver dentro das conformidades e os eolianitos estiverem lá, eles continuam. Se não, será interditada, multada e recuperada a área”, afirma. Uma eventual multa poderia chegar a R$ 200 mil.

Ainda de acordo com Cândido, a obra foi autorizada por estar em uma localidade antropizada, já caracterizada por elementos da ocupação humana. Ele garante que foram feitos estudos de impacto ambiental para a anuência do empreendimento.

A MDA construções respondeu, por meio de sua assessoria jurídica, que segue licenciamento ambiental obtido pelo proprietário do empreendimento junto à Amama, "especialmente no que se refere à demarcação da área realizada pelo órgão ambiental supracitado."

Destruição dos cascudos

 

Outro setor de dunas cimentadas em Icaraí de Amontada é o da paleoduna Cascudo de Fogo, que foi parcialmente destruída no ano passado em uma obra sem licença ambiental. Graças à articulação de movimentos ambientalistas e órgãos públicos, a duna manteve uma parte preservada.

O Movimento Salve Icaraí de Amontada afirma que foram contabilizadas “inúmeras irregularidades ambientais” na região em cerca de um ano. O grupo formado por moradores, acadêmicos e turistas já tomou conhecimento de mais de três cascudos sofrendo com processos de especulação imobiliária e planeamento.

De acordo com o professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), no Ceará os cascudos se concentram principalmente na extensão litorânea do rio Mundaú a Jijoca de Jericoacoara. Ele avalia que há um impacto ambiental de “elevadíssima magnitude” com a destruição dessas áreas.

"Já se comprovou que essa morfologia tem funções de minimizar erosão, evitar salinização do lençol freático, além de ter um conteúdo arqueológico e estar relacionada com o modo de vida das populações”, descreve.

A geógrafa Vanda Claudino acrescenta que Icaraí de Amontada é uma das regiões onde os cascudos estão mais bem representados. No entanto, não há mapeamento formal sobre as estruturas. A professora alerta também que as condições atuais de clima, nível do mar e ocupação costeira não favorecem a formação de novos cascudos. 

"Necessariamente, tem que ser preservado porque é um bem cultural, é um bem ambiental e não sentido ser destruído pra instalação de equipamentos turísticos e urbanos", finaliza.


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