Ceará não deverá manter crescimento no aporte de água registrado nos últimos anos
Com a proximidade do fim do período das chuvas, recarga de água do Ceará em 2021 só representa 24,5% do acumulado durante o ano de 2020A menos de 15 dias do fim da quadra chuvosa no Ceará, é pouco provável que o aporte de água registrado nos reservatórios do Estado, em 2021, mantenha o crescimento que se apresentava entre os anos de 2018 e 2020. A recarga é a menor dos últimos três anos. Apesar da iminente queda no acúmulo de água dos reservatórios, os números ainda são melhores do que os anos que sucederam a estiagem que teve início em 2012.
Até o dia 13 de maio, o aporte acumulado de 2021 foi de 1,51 bilhão de metros cúbicos. Em 2020, somente no mês de março, houve um acúmulo de 2,55 bilhões de metros cúbicos. Entretanto, o número apresentado neste ano já supera as recargas registradas por ano, de 2012 a 2017.
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"A recarga de 2021 não está sendo tão boa quanto a recarga de 2020. Ela é menor que o aporte de 2020, 2019 e 2018. Mas um pouco maior que a de 2017, e bem maior que as de 2012 até 2016. Então, é uma recarga baixa, não é o que nos satisfaz, mas ela está melhor do que as recargas do auge da seca, menor apenas que a dos últimos três anos", explica Francisco Teixeira, secretário dos Recursos Hídricos do Estado.
Apesar das boas chuvas apresentadas em 2020 e da sutil recuperação hídrica iniciada em 2017, Bruno Rebouças, diretor de Operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), alerta que a situação do Ceará ainda requer cuidados.
"A gente observa que a crise que se iniciou em 2012 ainda perdura em boa parte do Estado. Com exceção da região norte que, desde 2018, vem acumulando melhores aportes, o restante do Estado já teve momentos de melhor recuperação. Se nós observarmos os grandes reservatórios, o Castanhão hoje está com cerca de 200 milhões de metros cúbicos a menos que no mesmo período do ano passado, está numa situação um pouco melhor do que já esteve, mas ainda inspira cuidados, inspira alerta", destaca Bruno.
De acordo com os dados da Cogerh, o volume acumulado total do Ceará é de 29,67%, até o último dia 13 de maio. Em 2021, 23 dos 155 açudes monitorados pela Companhia já sangraram, enquanto 46 reservatórios estão com um volume inferior a 30% de suas capacidades.
"O Banabuiú está praticamente com o mesmo volume do mesmo período do ano passado, mas ainda muito baixo, na casa dos cento e poucos milhões de metros cúbicos, um reservatório de mais de um bilhão e meio de capacidade. O Orós está praticamente com o mesmo volume. O que a gente observa é que, praticamente, a quadra deste ano tem só mantido uma estabilidade. Mas não tem sido suficiente para recuperar a condição de normalidade de operação desses reservatórios", explica o diretor de operações da Cogerh.
Sobre o acumulado total do Estado, Francisco Teixeira explica que os reservatórios ainda estão bem distantes da quantidade tida como ideal para manter a segurança hídrica de toda a região.
"A quantidade ideal seria se chegássemos a 60% ou 70%, pelo menos passando dos 50%. Abaixo disso já se considera situação de alerta, acima de 50% traria um certo conforto. Abaixo de 30% nós ainda consideramos uma situação crítica, no último ano, por exemplo, como tivemos um aporte acima da média, já que a média do Estado é em torno de 4 milhões de m3 e ano passado foi quase 6 milhões de m3, nós chegamos a 35%, ou seja, uma situação de alerta, acima de 30%, mas abaixo de 50%", comenta.
O Secretário dos Recursos Hídricos diz que a expectativa para 2021 é de que o volume acumulado total do Estado ainda passe por uma leve ascensão durante os próximos dias. Mesmo longe dos números necessários para trazer a plena segurança hídrica, Teixeira pondera que o cenário já foi muito pior.
"Esse ano devemos chegar em 30% ou um pouco mais, não devemos chegar ao que atingimos no ano passado, então é uma situação considerada de alerta. Mas, de toda sorte, já tivemos, no passado, apenas 6% de reserva hídrica, chegando no fim do período chuvoso a 12%. Ano passado obtivemos 35%, e esse ano, prevemos estar com 30%. De qualquer maneira, não é uma situação confortável, mas é melhor do que pôde ser visto nos anos da grande seca que vivemos", relata.
Com 23 dos 155 açudes sangrando, a situação atual é consideravelmente melhor do que foi registrado durante os anos de seca no Estado. Em 2012, apenas sete açudes sangraram no Ceará, em 2013 o número foi ainda pior, quando apenas um açude sangrou. Em 2014, somente dois reservatórios alcançaram tal feito. Já os anos de 2015 e 2016 apresentaram um crescimento tímido, com seis e sete açudes sangrando respectivamente.
De 2016 para 2017, o número mais do que dobrou, indo de sete para 15 reservatórios sangrando. A melhora no cenário se manteve até 2020, quando o Estado registrou a sua melhor quadra chuvosa em uma década, levando 51 açudes a sangrarem no Ceará. A assessoria de comunicação da Cogerh esclarece que o levantamento aponta os 155 reservatórios monitorados pela Companhia, todavia, indicam que mais açudes, além dos monitorados, podem ter sangrado no Ceará.
A região norte do Estado concentra pelo menos dez reservatórios com volume armazenado igual ou superior a 100%. Apesar da boa reserva de água, Bruno Rebouças alerta que não é momento para desperdício.
"É importante destacar que, independente do grande volume em algumas regiões, como no caso da região norte, é sempre importante manter esse uso consciente da água, porque se tem a incerteza de como vão ser as próximas quadras chuvosas. O abastecimento este ano está assegurado, mantendo-se, obviamente, o consumo eficiente da água e as restrições ao uso múltiplo no interior do Estado", destaca.
Por fim, o diretor de operações da Cogerh enaltece o uso consciente da água na agricultura cearense. Segundo Bruno, esse cuidado tem sido fundamental para garantir o abastecimento no Ceará.
"A agricultura tem dado uma grande contribuição com a redução do consumo, para poder privilegiar o abastecimento humano, que é uma prioridade legal. Então, fazer esse uso de maneira eficiente garante que nós possamos ter água por mais tempo", finaliza
Aporte das bacias no Ceará (bi/m3)
2012 – 0,92
2013 – 0,95
2014 – 1,16
2015 – 0,75
2016 – 0,77
2017 – 1,45
2018 – 2,37
2019 – 2,84
2020 - 5,99
2021- 1,51*
*até o dia 13/5/2021
Acumulado da quadra chuvosa deve ficar dentro da expectativa da Funceme
Ainda em janeiro de 2021, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) alertou que o Ceará possuía 50% de chance de chuvas abaixo da média histórica entre os meses de fevereiro e abril de 2021, período que corresponde aos três primeiros meses da quadra chuvosa no Estado.
Já em fevereiro, a Funceme apontou que a tendência apresentada em janeiro se estenderia até o mês de maio. Com novo prognóstico, foi possível afirmar que todo o período de quadra chuvosa no Ceará (fevereiro a maio) teria grande chance de sofrer com a escassez de chuvas.
Faltando poucos dias para o fim do período de chuvas no Estado, o meteorologista da Funceme, Raul Fritz, faz um balanço da quadra chuvosa de 2021.
"Nós tivemos o mês de fevereiro normal, em torno da média. Março ficou ligeiramente abaixo, mas ainda pode se dizer que foi normal. Abril foi o que mais se destacou negativamente, ficando 33,5% abaixo da média histórica, da normal climatológica. Então, o mês de abril conta bastante, porque março e abril, geralmente, são os meses mais chuvosos. Ter um abril fraco como foi este, complica a situação", explica.
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O meteorologista diz que, apesar das chuvas estarem abaixo da média, a variação negativa não foi tão ruim, mas, ainda assim, traz complicações ao aporte hídrico do Estado.
"O trimestre (fevereiro, março, abril), em conjunto, ficou 13,8% abaixo da média, abaixo da normal climatológica. Os números ficaram dentro da expectativa da Funceme como o mais provável, em janeiro já tínhamos feito o prognóstico para esse trimestre. Felizmente, não ficou tão abaixo, perto de 14%, mas não é bom para o nosso Estado e para nossa recarga hídrica", destaca.
Apesar das precipitações não atingirem a média histórica durante a quadra chuvosa deste ano, uma região conseguiu se destacar de maneira positiva durante os três primeiros meses do período. É o que explica Raul Fritz.
"O Cariri foi a região que mais se destacou, é uma área de boa produção agrícola e teve chuvas 8,5% acima da média no trimestre de fevereiro até abril, foi a macrorregião que melhor choveu no Estado. A região do litoral do Pecém e do litoral de Fortaleza, nossa região metropolitana, foram os piores em termos de chuva durante o trimestre, com um desvio de -31,2% e -22,3% respectivamente".
Sobre o último mês da quadra chuvosa, ainda é cedo para afirmar se maio conseguirá atingir a sua normal climatológica. O certo é que, até o momento, o mês segue com precipitações abaixo do normal.
"Por enquanto, o mês de maio está abaixo da média, mas ainda estamos concluindo a primeira metade do período, por enquanto, ele está 18,8% abaixo da média, mas não está tão longe de alcançá-la, já que 90,6 milímetros é a média do mês, está perto, é possível que, com mais alguns dias de chuvas, o mês de maio alcance o que se espera normalmente", relata Fritz.
Em relação aos anos anteriores, o meteorologista reconhece que as chuvas do ano de 2021 deverão ficar abaixo do que foi registrado durante os últimos três anos, mas afirma que a análise completa só poderá ser feita quando a quadra chuvosa estiver concluída.
"As chuvas vinham melhorando a partir de 2018, foi assim em 2019 e 2020. Agora em 2021, deu uma caída. Em 2012, quando nós tivemos um período de secas ferrenhas, a situação ficou bem ruim, perto desse período de 2018 até 2020 que foi melhorando, o ano de 2020 ficou 21% acima da média, mas agora, esse ano, caiu. Não podemos concluir, porque a quadra chuvosa não terminou, ainda temos metade do mês de maio, mas é pouco provável que seja melhor do que 2020, com a tendência que temos, pelo menos não ficou seco", comenta.
Por fim, o meteorologista ainda explicou que o cenário pluviométrico deste ano deve ficar semelhante ao que foi visto em 2017, quando o Estado ficou 16,6% abaixo da média das chuvas. Fritz completa informando que, dificilmente, os meses de junho e julho deverão contar com chuvas significativas.
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O impacto da quadra chuvosa na agricultura cearense
Com a provável confirmação de chuvas abaixo da média histórica durante o período da quadra chuvosa cearense em 2021, a agricultura é um dos setores que sentem os impactos da redução da água. No Estado, os bons resultados das safras possuem ligação direta com as chuvas dos primeiros meses do ano.
"Nós temos as lavouras temporárias, esse primeiro semestre é fundamental. Possivelmente, a lavoura de mandioca não vai ter a mesma perda que têm a do milho e a do feijão. As chuvas até agora desenvolvidas estão caindo bem na área de cajueiro, que também podem repercutir em uma boa safra de castanha e de caju nesses próximos meses do verão. Mas todas as outras lavouras, daí para frente, o que se colhe é só até julho. Depois é uma pausa em que não se tem produto para colher, nas culturas temporárias. Esse primeiro semestre é muito importante, quando as chuvas são regulares para ter uma safra regular", explica o presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), Antônio Rodrigues de Amorim.
As lavouras temporárias são compostas pelos cultivos que possuem duração curta, ou seja, menos de um ano. Essas culturas fornecem apenas uma safra, sendo necessário um novo plantio após a colheita. Lavouras de feijão, milho e soja são exemplos de culturas temporárias.
Questionado sobre a análise estimada da safra de 2021, em um comparativo com o cenário apresentado em 2020, o presidente da Ematerce acredita que os levantamentos do mês de maio mostrarão uma tendência de redução neste ano.
"Eu acho que vai ter queda. Já estamos percebendo uma queda de 4,72%, e a tendência de maio é que poderemos verificar melhor essa tendência, todos os técnicos estão fazendo o levantamento, é possível que tenha uma queda bem significativa em algumas regiões", explica.
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Por outro lado, José Francisco de Almeida, secretário de Política Agrária da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece), avalia o cenário como positivo, apesar da queda no volume acumulado de chuvas durante o período.
"Nós a avaliamos como muito positiva de uma maneira geral, não temos relatos, até agora, de grandes perdas, só em alguns municípios, em questões muito pontuais, nas quais teve alguma perda, que não chega a ser expressiva. Sim, se a gente pegar o mês de maio, pelo que vemos, ele ainda tem chances de fechar com chuvas acima da média. Nós acreditamos que isso vai impulsionar o plantio dos agricultores familiares, eles fazem entre maio e junho", destaca.
Almeida acredita que as chuvas de 2021 serão suficientes para manter a agricultura familiar aquecida. O cenário passou a mudar ainda em 2019, depois de longos anos de seca.
"Nós tivemos, cravados, seis anos de invernos abaixo da média, muito ruim. Em 2019, já tivemos uma melhora da quadra invernosa, 2020 foi um ano bem chuvoso e 2021 vai terminar bem no ritmo. Isso faz com que a agricultura familiar do Ceará volte a se aquecer, já que os agricultores estão plantando e estão colhendo. Eles vão retomar com toda a força no verão, porque tem o manancial abastecido com água. Vamos ter, a partir desses últimos três anos, um acréscimo na renda dos trabalhadores familiares", destaca.
A incidência de veranicos no Ceará
Os veranicos são caracterizados por períodos de estiagem em plena estação chuvosa. O calor intenso e a falta de chuvas regulares acabam trazendo problemas para as lavouras, como explica Antônio Rodrigues de Amorim, presidente da Ematerce.
"Esse ano, tivemos muitas irregularidades nas chuvas. Algumas regiões tiveram chuvas suficientes, mas o problema foram os veranicos que atrapalharam a vida das plantas, chamamos de chuvas mal distribuídas, se concentram muito em uma área e deixam outros espaços vazios. O veranico é um desastre, se ele ocorre no início da plantação, as plantas sofrem, mas, ainda assim, se no período da floração tiver a chuva, ela tende a produzir, mas coincidentemente, como foi em 2012, os veranicos estão caindo sempre no período da floração", relata Amorim
Por meio do meteorologista Raul Fritz, a Funceme explica que sempre realiza alertas quanto aos veranicos. Segundo Fritz, muitas vezes as chuvas caem em um mesmo município, mas com muita variação naquele território.
"O veranico é típico da nossa região, principalmente em anos em que se tem chance, como foi apontado, das chuvas ficarem abaixo da média. Anos assim aumentam as possibilidades de dias consecutivos sem chuvas ou com chuvas insuficientes. A Funceme sempre alerta para a ocorrência desse tipo de fenômeno", finaliza.
Quantidade de açudes que sangraram por ano
*2011: 67
*2012: 7
*2013: 1
*2014: 2
*2015: 6
*2016: 7
*2017: 15
*2018: 23
*2019: 38
*2020: 51
*2021: 23
Dados: Cogerh
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