Cariri dos insetos: fóssil raro de inseto voador é encontrado na Bacia do Araripe
Esse é o segundo espécime da família Oligoneuriidae encontrado em todo o mundo e pode ajudar os pesquisadores a entenderem como era a fauna e flora há 113 milhões de anos
17:09 | Out. 28, 2020
Você sabia que os insetos surgiram dos crustáceos? Por isso, há milhões de anos, as primeiras espécies de insetos viviam quase exclusivamente na água. Eles sequer tinham aparelho bucal, morrendo de fome depois da metamorfose. A missão era reproduzir, colocar os ovos novamente na água e morrer. No entanto, por algum motivo, encontrar fósseis das fases adultas desses insetos é muitíssimo difícil - mas não tanto para o Cariri cearense.
Na Formação Crato, onde as rochas datam do Cretáceo Inferior (113 e 125 milhões de anos atrás), a equipe do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca) escavou um desses insetos na rara fase adulta. A escavação controlada funcionava desde 2016 e consistia em levantar cada meio centímetro de calcário em quadrados de cinco metros. O trabalho cansativo e quase torturante, como descreve o coordenador da escavação Álamo Saraiva, deu resultados em 2018.
Agora, em 2020, o inseto finalmente é divulgado e descrito para o mundo: trata-se de uma nova espécie de inseto voador, o Incogemina nubila. Ele é o segundo fóssil adulto da família Oligoneuriidae encontrado em todo o mundo e é cearense, diretamente de Morada Nova. A descoberta foi divulgada nesta quarta-feira, 28, em artigo publicado na revista PLOS One.
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A paleontóloga Arianny Storari, autora principal do estudo, explica que insetos são ótimos bioindicadores do ambiente em que vivem, abrindo a possibilidade para análises multidisciplinares de como o Cariri era há milhões de anos. “Esse é um nicho científico a ser explorado no Brasil. Esses insetos são muito abundantes na Formação Crato e mesmo assim não são muito explorados”, afirma.
O artigo é fruto da pesquisa de mestrado de Arianny, no Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). A pesquisa também tem coautoria da paleontóloga Taissa Rodrigues, do Laboratório de Paleontologia da Ufes, do professor Álamo, da Urca, e do entomólogo Frederico Salles, do Museu de Entomologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
A relevância dos insetos
Os insetos podem não ser os gigantes dinossauros que preenchem a imaginação popular quando o assunto é fóssil, mas eles valem ouro para os pesquisadores. Insetos são bioindicadores, o que significa que a presença deles são indicativos biológicos de uma determinada condição ambiental. Por sorte, o Cariri é cheio deles.
De acordo com o diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, Allysson Pinheiro, são conhecidos no Araripe 378 espécies fósseis de insetos dentro de 122 famílias. Só no museu, localizado em Santana do Cariri, são aproximadamente 300 exemplares em exposição - e a coleção só aumenta.
“Os insetos aquáticos têm um apelo ambiental. Assim como hoje em dia os insetos aquáticos são ótimos bioindicadores em qualidade de água, eles também conseguem nos ajudar a entender o ambiente pretérito, porque respondem muito bem a estresses climáticos. Então é bem interessante poder reconstruir uma paleobiota [fauna e flora] usando um bicho que é bioindicador”, descreve Arianny.
Em relação ao Incogemina nubila, estudos futuros desenvolvidos pela equipe tentarão entender causas da alta taxa de mortalidade desses insetos, que ficaram preservados no calcário da Formação Crato. Uma das hipóteses testadas é que eles tenham morrido de anoxia (ausência de oxigênio na água), causada pelo clima quente tendendo à aridez.
Respostas do passado para problemas futuros
Segundo o coordenador da escavação e paleontólogo Álamo Saraiva, o estudo está dando “respostas maravilhosas” aos pesquisadores. “É para isso que a gente estuda Paleontologia: porque a gente se preocupa com o futuro”, reforça o professor da Urca. “Se eu conheço o passado, se eu conheço o presente, então eu sei e me preparo para saber como será o futuro.”
A partir da pesquisa sobre eventos ambientais passados e como eles afetaram os seres vivos daquela época, os paleontólogos podem montar um quebra cabeça que permite analisar as consequências de eventos atuais, como o aquecimento global. “A gente consegue se programar para o que vai acontecer daqui a 100 anos, mil anos, um milhão de anos”, projeta Álamo.
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Além disso, a descoberta conta mais uma parte da história do Ceará - ou o que ele era na época, já que no Cretáceo Inferior a África e América do Sul ainda estavam se separando. Não à toa, esses fósseis são patrimônio cultural do Brasil, e todos os encontrados no Estado devem permanecer no Cariri.
“Quem sabe a gente contando essas histórias não vai ter alguma criança que um dia vai querer virar cientista e estudar eles [os fósseis] também?”, comenta a paleontóloga Taissa Rodrigues. Para ela, a divulgação científica desses achados é prioridade e um direito dos brasileiros. “É muito emocionante descobrir como o nosso País é e sempre foi rico em biodiversidade”, comemora.