Comentário de professor sobre estupro: Cremec diz que não "há clareza" no código de ética sobre "emissão de opinião"

Professor de Medicina em Juazeiro do Norte falou que "se o estupro é inevitável, relaxa e goza". Cremec afirmou que vai apurar o caso e saber se ação confere ferimento do código de ética

20:48 | Out. 01, 2020

Por: Matheus Facundo
Fachada da sede do Cremec, no bairro Joaquim Távora (foto: Mauri Melo / O POVO)

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec) afirmou que está em fase inicial de análise do caso do professor de um curso de Medicina de Juazeiro do Norte que pediu demissão após fazer um comentário sobre estupro durante uma aula. Tendo em vista que nenhuma denúncia foi formalizada sobre a ação do docente, o presidente da entidade, Helvécio Neves Feitosa, informou que uma apuração minuciosa deve ser feita com base no código de ética da profissão, que inclusive não possui dispositivos claros sobre "emissão de opinião" fora da relação médico-paciente.

"Bora para acabar logo, né? É aquela coisa assim: se o estupro é inevitável, relaxa e goza. Para acabar logo e ficar livre logo disso daí", disse o professor Samir Samaan Filho em aula virtual. O conselho irá ponderar se o comentário de alguma forma configura algum indício de enquadramento no código de ética, "pois existem coisas que são mais de competência penal do que de conselho".

"É muito claro quando há uma falta de ética com pacientes, mas com relação a emissão de opinião, mas o que a pessoa afirma fora do exercício da Medicina na relação médico-paciente não é tão claro nos dispositivos do conselho", pontua Neves em entrevista ao O POVO. O presidente do Cremec afirma ainda que a entidade não emite "pré-julgamentos", devendo haver direito de ampla defesa para não gerar algum tipo de suspeição durante a apuração dos fatos.

O único artigo do código de ética médica que fala sobre a prática da docência também envereda para as relações entre médicos e pacientes, não dispondo de informações específicas sobre o que acontece no ambiente da sala de aula. "Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado", diz o texto.

Os prejuízos da fala do professor

Após a gravação da aula online onde o professor proferiu o comentário sobre estupro vir à tona nas redes sociais nessa terça-feira, 29, a Faculdade de Medicina Estácio de Sá de Juazeiro do Norte emitiu nota em suas redes sociais lamentando o caso e informando que Samaan já não fazia mais parte do quadro de docentes. A instituição disse ainda estar à disposição dos alunos e aluas,

Para Socorro Osterne, doutora em Serviço Social e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o desligamento do ortopedista da faculdade não foi suficiente para reverter os prejuízos que a fala do educador pode ter causado. “O impacto do lugar de fala de um professor é muito importante porque ele exerce um poder pelo saber, pelo convencimento, pela persuasão”, diz.

“Ele pode não ter feito de caso pensado essa agressão à turma. Mas a fala desse professor representa o machismo cultural que vive impregnado na cabeça das pessoa, independente da questão da condição social, de classe ou de gênero”, diz. O discurso do ortopedista alimenta o machismo e dominação masculina como algo totalmente natural. “Quando ele fala isso é uma violência simbólica. Alguém pode achar que é piada, anedota, mas a linguagem do cotidiano vai alicerçando a cultura machista”, defende.