Pesquisadores identificam áreas de maternidade da vida marinha em Itarema e Acaraú

O próximo passo dos pesquisadores é o mapeamento de toda a costa do Ceará, para planejamento de áreas de preservação e áreas adequadas para atividades econômicas.

13:52 | Set. 15, 2020

Por: Ismia Kariny e Leonardo Igor
A) B) e C) são bancos de algas calcáreas ou de rodolitos; D) é o banco de grama marinha ou capim agulha. (foto: Divulgação/Labomar UFC)

Maternidade da vida marinha é descoberta em ambientes costeiros do Ceará por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). O estudo, realizado na região Oeste do Estado, principalmente entre Acaraú e Itarema, identificou áreas com abundância de ovos e larvas de peixes, que seriam utilizadas como espaço de reprodução e desenvolvimento dos animais.

Essas áreas são apontadas pelo estudo como bancos de rodolitos (algas calcáreas) e bancos de gramas marinhas de Halodule wrightii, popularmente chamada de “capim-agulha” e conhecida por ser um dos alimentos preferidos do peixe-boi - espécie ameaçada de extinção. Durante os trabalhos, os pesquisadores se debruçaram sobre a relação entre os ciclos de vida dos animais com os diferentes ambientes onde eles se desenvolvem, segundo esclarece, Ana Cecília Pinho Costa, que tem a pesquisa como tema do seu doutorado em Ciências Marinhas Tropicais.

“A pesquisa consistiu em avaliar como que esses estágios [ovos e larvas] utilizam essas áreas”, comenta Ana Cecília. “E o resultado é que esse banco de algas e capim agulha é muito habitado pelos estágios mais iniciais, que seriam os ovos e as larvas em pré-flexão. Isso quer dizer que os peixes adultos se reproduzem e depositam os ovos naquele local”, detalha.

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Enquanto o grupo analisava a abundância desses ovos e larvas nas águas, perceberam uma diferença entre os estágios de desenvolvimento em cada ambiente. Enquanto o banco de capim agulha registrava um maior número de ovos, as larvas de peixes estavam mais concentradas nos bancos de algas calcáreas.

Assim, conforme avaliaram, essa diferença pode estar relacionada às características de movimento das águas destes dois ambientes marinhos, uma vez que, por sua estrutura, o banco de capim-agulha oferece maior refúgio e proteção aos organismos nos estágios iniciais de vida. “O capim agulha fornece uma proteção a turbidez, aos movimentos de marés e de ondas, fazendo com que esses ovos possam eclodir ali e crescer com mais seguridade”, esclarece Ana Cecília.

Por outro lado, os bancos de rodolitos são mais habitados pelas larvas nos últimos estágios, considerando que elas já desenvolveram uma capacidade natatória maior do que as larvas em estágio inicial. “Esse resultado também é interessante, porque a gente vê que esses dois ambientes se conectam através desses movimentos das espécies”, salienta a doutoranda.

Segundo Ana Cecília, o estudo também contribui para o entendimento de como os peixes utilizam as áreas costeiras, que costumam ser mais rasas e sofrer agressões por intervenção humana. “Já tem na literatura [acadêmica] que esses bancos de algas marinhas sofrem muito com assoreamento, com construção de obras ali na linha de costa. E essas áreas não são protegidas, nem mesmo pelo peixe boi, que é também uma espécie ameaçada”, frisa.

Importância ecológica e econômica

 

A pesquisa, realizada pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC, tem apoio de pesquisadores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). O estudo foi publicado em julho pela revista Marine Environmental Research e será ampliado para um mapeamento e identificação de áreas de preservação e áreas adequadas para atividades econômicas.

O grupo de pesquisa é composto pela doutoranda em Ciências Marinhas Tropicais, Ana Cecília Pinho Costa; o professor Marcelo Soares, que é cientista chefe em meio ambiente pela Sema e a Funcap; a oceanógrafa Bárbara Paiva; o doutor em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará, Antônio Ximenes Neto; e a doutora Tatiane Martins, também do Instituto de Ciências do Mar.

Apesar da importância de identificar as áreas de desova e criação de peixes, o grupo destaca que poucos estudos sobre o assunto haviam sido conduzidos na costa do Ceará; mais especificamente na região de Acaraú e Itarema. Assim, segundo o professor Marcelo Soares, a ideia é utilizar o estudo para estabelecer medidas de conservação desses ambientes costeiros, de importância econômica e ecológica.

De acordo com o professor, além de terem concentração significativa de peixes em estágios iniciais, que elucida a importância da preservação, esses ambientes de algas calcáreas têm outro interesse econômico além da pesca. Ele explica que as algas são carbonato, material utilizado na construção civil e elaboração de produtos farmacêuticos e cosméticos.

“A mineração marinha ainda está começando, mas há um interesse alto, porque a costa do Ceará é quase toda desse carbonato; então, tem vários pedidos dessa exploração de carbonato no mar”, comenta Marcelo Soares. “Só que não pode explorar exatamente onde tem uma maternidade, senão vai acabar com a pesca artesanal”, ele acrescenta. Segundo Marcelo, o estudo realizado no Labomar será transformado em um projeto de política pública, por meio do programa Cientista Chefe, da Funcap.

Próximos passos da pesquisa

 

A pesquisa, segundo Marcelo Soares, faz parte de um projeto maior chamado Planejamento Marinho, que visa estabelecer um plano para toda a costa do Ceará, de forma a orientar o uso sustentável dos ambientes marítimos. O estudo também deverá avaliar, nos próximos passos, quais espécies de ovos estão presentes naquelas regiões identificadas como maternidade da vida marinha. Entre as espécies já identificadas estão os peixes pargo, palombeta, anchova, budião, e o linguado.

A proposta é a conservação das espécies, de forma a garantir a preservação desses animais; e ainda a orientação para um planejamento da Economia do Mar, de forma que não haja conflito entre os interesses, causando impacto ambiental negativo. Portanto, conforme Marcelo, o estudo deve contribuir com uma política pública que visa compatibilizar e organizar os diferentes usos com a conservação.

“A gente está avaliando isso, para que se conserve a espécie e a vida, até pelo bem do ser humano e dos animais. Porque se você impactar a maternidade, reduz a reprodução dos peixes”, frisa Marcelo. O grupo também está desenvolvendo um Atlas Marinho do Ceará, material que aborda a atual situação da linha costeira cearense, com informações das atividades econômicas já realizadas no Estado, como energia eólica, pesca e turismo.