Violência doméstica contra mulher: medo gerado por confinamento faz com que denúncias caiam no Ceará
Foram registrados no Estado 8.594 ocorrências de violência doméstica contra mulher nos seis primeiros meses deste ano, em contraposição a 11.188 casos desse porte denunciados no mesmo período de 2019O número de denúncias de violência doméstica contra mulher no Ceará apresentou redução de 23% no primeiro semestre de 2020, quando comparado ao mesmo período de 2019. Os dados foram divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS), nesta sexta-feira, 7, dia em que a Lei Maria da Penha completa 14 anos de vigência.
De acordo com órgão, foram registrados no Estado 8.594 ocorrências de violência doméstica contra mulher nos seis primeiros meses deste ano, em contraposição a 11.188 casos desse porte denunciados no mesmo período de 2019. Para a delegada Rena Gomes, diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil, a queda no índice mostra que mulheres estão procurando menos os órgãos de segurança.
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Entre os motivos destacados pela delegada, está o fato de que vítimas permanecem confinadas com agressores desde o início da pandemia no Estado- em março deste ano, tornando maior o medo em denunciar agressões que sofrem. Além disso, uma vez "presas” ao lado de agressores, elas não conseguem buscar ajuda.
“O isolamento social fez com que as mulheres denunciassem menos pela impossibilidade de procurarem os órgãos de segurança. Não é que elas estejam sofrendo menos violência, é justamente pela impossibilidade de procurar os órgãos”, destaca Rena.
Fortalecimento de ações
Para conseguir "driblar" essa problemática trazida pela pandemia, a delegada - responsável também pela gerencia das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) do Estado - afirma ainda que foram criadas medidas de atendimento remoto e que outras ações foram fortalecidas. O boletim de ocorrência, por exemplo, agora pode ser feito de forma online - além de todas as delegacias permanecerem abertas.
Medidas semelhantes foram tomadas pelo Grupo de Apoio às Vítimas de Violência da Polícia Militar do Estado (GAVV- PMCE), especializado em acompanhar ocorrências de crimes contra pessoas vulneráveis. De acordo com Messias Mendes, capitão da organização, a pandemia obrigou agentes a utilizarem de meios tecnológicos para se aproximarem da vítima.
O grupo atua com ocorrência de campo- quando o policial identifica uma agressão, ou com denúncias realizadas por canais como o 190. A partir do momento em que a violência é identificada, além das medidas como a possível prisão em flagrante é também realizado um acompanhamento da vítima- para que agentes possam garantir que ela continue em segurança.
Com a pandemia do novo coronavírus, os casos são agora acompanhados por meio de ligação ou de vídeo chamada. Em situações mais extremas, o capitão explica que os agentes precisam pedir para que a vítima sai do lado de fora da sua casa, observando- mesmo que a distância, se ela está realmente bem como afirma e estabelecendo uma conversa.
Messias ainda informa que o grupo, atualmente, realiza o acompanhamento de cerca de 1.200 mulheres. Em maio deste ano, a equipe passou a receber diretamente as denúncias de violência contra mulher que eram feitas para a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), o que ele considerou como uma maneira de "reduzir drasticamente" as ocorrências de agressões.
Lei Maria da Penha
Inúmeras agressões e uma dupla tentativa de homicídio. Essas violências foram vividas pela biofarmacêutica cearense Maria da Penha, que teve sua luta homenageada pela criação de um lei - sancionada em 7 de agosto de 2006, se tornando uma das principais figuras frente ao combate à violência contra mulher no Brasil.
Completando 14 anos de vigência nesta sexta, a norma se transformou em um marco e tem ajudado mulheres a saírem de condições abusivas e - principalmente, a serem amparadas judicialmente. No entanto, ainda existe algumas falhas quanto à execução, como apontou uma pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado (DPCE) e publicada nesta tarde de sexta-feira,7/8.
De acordo com órgão, a violência doméstica é "esquecida" durante o processo judicial colocando em risco a integridade das vítimas. "À medida que o processo avança em varas de família, mais os traços da denúncia original desaparecem", aponta O documento.
Isso significa que durante o julgamento do caso o crime vai deixando de ser visto como violência doméstica, invisibilizando o fato. Dos 630 casos que foram mapeados pelo DPCE, 629 tramitaram nas 18 varas de família e somente um se encontrava em vara cível- etapa mais avançada.
Foram identificados ainda 205 ações, entre o total de casos mapeados, que acabaram em acordos. Entres esses, em apenas um o juiz fez menção à violência doméstica. Esse fato comprova, de acordo com órgão, o "apagamento" desse tipo de crime no âmbito judiciário.
"A violência fica esquecida e invisibilizada no decorrer do processo e as consequências disso podem ser muito graves para a mulher e na propagação desta pandemia de violência doméstica e familiar que corroí a sociedade", pondera a defensora geral do Ceará, Elizabeth Chagas, em documento.
Como procurar ajuda?
O Estado do Ceará possui dez Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), que estão localizadas nas cidades de Fortaleza, Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá. Nas demais cidades onde não há uma unidade especializada de atendimento a vítimas de violência doméstica, a população pode comparecer às delegacias municipais, metropolitanas e regionais para registrar os crimes, que serão apurados pelos investigadores das unidades da Polícia Civil em todo o Estado.
Delegacias de Defesa da Mulher no Ceará
Desde o mês de março deste ano, a Polícia Civil ampliou a abrangência de alguns crimes que podem ser registrados na Delegacia Eletrônica (Deletron). Agora, seis das 18 tipificações penais disponíveis no meio eletrônico podem ser registradas no âmbito da violência doméstica e familiar. São eles: os crimes de ameaça, violação de domicílio, calúnia, difamação, injúria e dano. Os crimes do Código Penal no contexto de violência doméstica e familiar estão amparados pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
Delegacia Eletrônica
Em caso de emergência, o contato deve ser feito por meio do telefone 190 da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Outro canal de denúncias é 180, da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humano.
Com colaboração do repórter Alan Magno
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