Atendimentos de casos violência contra a mulher caem 68% no isolamento social

Entre 17 de março, início do isolamento social, e 30 de abril deste ano, a Defensoria Pública realizou 288 atendimentos de violência doméstica. Ano passado, foram 901, uma redução de 68%. Em 2019 houve aumento de 38% dos casos se comparados a 2018. Com mais tempo com o agressor, as vítimas encontram dificuldades de pedir socorro

Cada vez mais conscientes de seus direitos, as mulheres vítimas de agressões têm procurado ajuda na Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e os dados costumavam mostrar o aumento. Este ano, no entanto, a Defensoria Pública do Ceará registrou redução de 68% em números de atendimentos em relação a 2019, no período da pandemia. Entre os dias 17 de março, início do isolamento social, e 30 de abril de 2020, foram feitos 288 atendimentos de violência doméstica. Ano passado, no mesmo período, foram 901 casos atendidos. Um balaço da Defensoria aponta que 90% dos casos de violência contra mulheres atendidas pela Defensoria Pública ocorrem dentro de casa

Em 2018, o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), vinculado à instituição estadual de defesa, atendeu a 169 registros de agressão de companheiros às suas mulheres, com acolhimento, psicologia, entre outros. Ano passado, os números chegaram a 288, 38% a mais no período. Isso não significa, no entanto, que a violência doméstica teve diminuição. O que ocorre, de acordo com a defensora pública Jeritza Braga, supervisora do Nudem, é que as vítimas estão com dificuldades de ter acesso às redes de atendimento e conseguir sair de casa.

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Agressor dentro de casa

“Antes do isolamento, elas iam à Casa da Mulher Brasileira para denunciar e pedir socorro. Hoje em dia está tudo mais difícil porque elas não têm mais acesso. Para completar, alguns dos agressores perderam os empregos ou estão trabalhando dentro de casa. Então, eles têm contato agora 24 horas. Até para pedir orientação é difícil nesse contexto”, informa a supervisora. Ela acredita que o número de casos de violência cresceu exponencialmente no período de reclusão social, mas aumentou também a dificuldade de realizar os pedidos de ajuda.

Dentro do contexto de violência doméstica já existem muito forte dois fatores: o medo e as incertezas. Eles são próprios da realidade de quem convive com esse tipo de abuso. A pandemia do coronavírus e a exclusão social retira a mulher do convívio social e, portanto, da rede de apoio que ela já tinha naturalmente: os colegas de trabalho, no caso de a mulher que tem emprego fora de casa; e o convívio com os familiares. “Caso ela saia de casa para buscar apoio, elas se colocam em situação de vulnerabilidade de saúde tanto para ela quanto para os filhos. O medo de ser agredida se soma ao medo de pegar o vírus e não ter suporte nem pra ela nem para os filhos. A sensação de insegurança se potencializa muito”, enfatiza a psicóloga do Nudem, Úrsula Góes.

Pesquisa realizada em 2019 pelo Nudem aponta que 56% das mulheres que sofrem agressão, seja física, moral ou verbal, são as provedoras do lar. Muitas delas, ainda de acordo com a psicóloga, realizam atividades autônomas de costura, fazer alimentos para vender e o isolamento social acaba por precarizar ainda mais a situação dessas mulheres. “O contexto do isolamento põe em vulnerabilidade emocional, em situação de subjugo e a deixa à mercê desse abusador. Tenho recebido atendimento de uma pessoa que aproveitou que o agressor foi ao quintal de casa e me perguntou como poderia fazer um B.O”, narra Góes. Os celulares e as ferramentas virtuais são as únicas fonte de contato dessa mulher com o exterior.

A medida em que ela pega um telefone para ligar, o companheiro já quer saber com quem ela está falando, porque passa tanto tempo no celular e isso limita as denúncias. Ter acesso ao mundo externo pelo celular é proibido pelo agressor sob ameaças que são potencializadas. “A denúncia fica mascarada por conta dessa dificuldade”, demonstra a psicóloga.

Isolamento social

O agravante do isolamento social, mais que necessário no período da pandemia, é que o apoio social e familiar são fontes de propensão para que elas consigam romper as situações de violência. E com o isolamento, essas fontes se esvaem. Porque seria pelo contato com o mundo social que as mulheres, segundo Góes, se informam e se apoiam para buscar os seus direitos. “Muitas das mulheres atendidas pelo Nudem sem sequer tem ciência do lugar de vítima que elas se encontram e muito menos dos direitos para que elas têm para que possam ser resguardadas”, conta. 

Hoje, a Defensoria Pública tem uma rede de apoio em que há o trabalho de profissionais especializados em situações de violência doméstica. “Mas como as mulheres vão denunciar? Com que ferramenta? Elas têm de sair de casa e, ao mesmo tempo, quando ela voltar, o agressor vai estar ali ainda”, questiona. Outro fator importante no contexto de violência doméstica é que as mulheres não conhecem o direito que elas possuem. Não sabem que existe a delegacia de defesa da mulher, que existe a medida protetiva que pode tirar o agressor de casa. E a falta de conhecimento e a privação de acesso às informações acabam mascarando a violência. Muitas das mulheres sabem da existência da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340, mas não tem ciência do que se trata a legislação e nem do direto que elas possuem de requererem as medidas protetivas de afastamento do agressor.

Na cabeça do agressor, elas estão indo atrás de outro relacionamento. Pelo perfil levantado pelo Nudem com as mulheres que receberam atendimento no ano passado, boa parte das mulheres agredidas, no geral, não tem o reconhecimento da união estável com o companheiro. E, pela falta de conhecimento, não sabem que têm direito à divisão de bens e, se houver filhos, não conhecem o direito à pensão alimentícia. “A única renda que boa parte delas têm acesso são os ganhos que têm ao fazer e vender bolo, fornecer quentinha, fazer dindim. Quando elas têm ciência dos direitos que têm, elas evoluem”, cita.

É importante que existam o equipamentos de acolhimento. Com o contexto da pandemia, foi disponibilizado que as mulheres solicitem a medida protetiva com o Boletim de Ocorrência (B.O.) eletrônico e com o número do protocolo ou foto do B.O.O medo e a incerteza de que está só é aterrorizador, porque elas não sabem onde ir. 

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