Dez agentes penitenciários do Ceará estão infectados por coronavírus

Oito agentes testaram positivo na quarta-feira, em exames rápidos — um deles é membro do Conselho Penitenciário. O POVO apurou que já seriam mais de 20 casos no quadro funcional

Cláudio Ribeiro e Demitri Túlio

"Senhores diretores, boa noite. Senhores diretores, por gentileza, por gentileza, vamos dar atenção na questão da higienização do ambiente carcerário. Principalmente as detalhistas, ou seja, onde nossos agentes estão. Trinco, algemas, armamentos, cadeiras, refeitório, alojamento, por gentileza. Vamos higienizar, coloca um pessoal só pra fazer isso. Não deixar ninguém sem máscara, pegou papel de alguém, higieniza logo em seguida, caneta (também). Se não, vai aumentar o número de agentes contaminados". 

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O áudio acima, gravado pelo secretário da Administração Penitenciária do Ceará (SAP), Mário Albuquerque, foi enviado a gestores e operadores das unidades prisionais cearenses. A determinação, em tom de alerta, é uma tentativa de conter a contaminação de agentes, que já teria passado dos 20 casos.

Pelo menos dez agentes do sistema penitenciário cearense já testaram positivo para a Covid-19, após serem submetidos a exames rápidos disponibilizados pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) para a SAP. Oito novos casos foram confirmados na quarta-feira, 22, após a realização de testes rápidos. Com o resultado, os servidores foram imediatamente afastados das funções e entraram em quarentena. Dois casos entre os agentes haviam sido noticiados no último fim de semana.

O POVO apurou com pelo menos duas fontes que o número já estaria em torno dos 20 casos. Em nota enviada ao O POVO, a SAP não revelou a quantidade de agentes afastados porque foram infectados ou porque apresentam sintomas da doença.>> Primeiro caso de Covid-19 em presídio do Ceará alerta para risco de infecção em massa

A informação dos oito novos casos foi confirmada ao O POVO por Paulo Sérgio Medeiros Pereira, membro do Conselho Penitenciário do Ceará e um dos agentes que entraram na listagem do coronavírus.

"Eu mesmo sou um desses casos", admitiu o conselheiro. Ele e mais quatro agentes são lotados na CPPL 2 (Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto). Outros dois trabalham na CPPL 4 (Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Elias Alves da Silva). Não foi possível confirmar a lotação do oitavo agente, mas Paulo Sérgio sustenta.

A mesma informação já seria de conhecimento de membros do comitê de Saúde da Covid-19 para o Sistema Prisional e Socioeducativo, criado para acompanhar o quadro e que tem mantido reuniões regulares sobre a doença. É composto por gestores penitenciários, de saúde, órgãos do Judiciário e entidades e ONGs de direitos humanos.

Tão logo foi diagnosticada a doença, os agentes receberam a licença médica de 14 dias. Eles deverão permanecer em casa, mas terão o quadro clínico monitorado no período. Todos ainda estavam com sintomas leves, até a manhã desta quinta-feira.

Paulo Sérgio contou ter sentido os primeiros sinais 11 dias atrás, com dores de cabeça, febre, dores pelo corpo, dor de garganta. Chegou a cumprir dois plantões no período (com escalas de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga). O terceiro plantão seria nessa terça-feira, mas ele já não compareceu diante de seu estado de saúde.

>> Detento que contraiu Covid-19 recebe alta hospitalar e é solto pela Justiça

O quadro clínico, segundo o conselheiro, era semelhante entre os agentes examinados. Paulo Sérgio informa que, na CPPL 2, na última segunda-feira, 20, foi feito um mutirão de atendimento para alguns agentes que apresentavam sintomas associados à Covid-19. Segundo ele, havia alguns agentes reclamando de dores, febres e indisposição condizente à doença.

O POVO solicitou informações à SAP que, através de nota, não negou nem confirmou os oito novos casos entre os agentes. "Por questões de segurança, a SAP não informa o número de afastados, contudo, garante que o percentual é mínimo e não interfere nos serviços. Todos estão estáveis, isolados e acompanhados por um grupo intersetorial da SAP composto por médicos, psicólogos e assistentes sociais", informou a Secretaria.

Entre os detentos, oficialmente, para a população de 23.301 internos atualmente nas unidades cearenses, continua a informação de que a Secretaria "só registrou um caso positivo de Covid-19". O diagnóstico dele foi confirmado no último dia 7. "O detento de 24 anos recebeu alta hospitalar no dia 13 de abril e foi beneficiado por um habeas corpus concedido pela Justiça". Ele estava detido na Unidade Prisional Professor José Sobreira de Amorim, em Itaitinga. No tratamento, esteve internado no Hospital São José com sintomas de gripe.

A SAP informa que providenciou testes rápidos para servidores, terceirizados, agentes penitenciários e internos. "O objetivo é antecipar os casos suspeitos, promover tratamento entre os casos confirmados e prevenir uma possível disseminação da doença", reforçou a nota.

Casos entre agentes são risco de contaminação em massa nos presídios

A rapidez com que a Covi-19 se espalhou entre os agentes penitenciários do Ceará, levou a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) a criar um grupo multidisciplinar de profissionais para acompanhar os policiais penais que foram contaminados pelo coronavírus.

Pelo WhatsApp, médicos, psicólogos e assistentes sociais da SAP, monitoram a situação de saúde de pelo menos 20 agentes penitenciários que testaram positivo para a Covid-19. Segundo Paulo Sérgio Medeiros, um dos pacientes do grupo, o acompanhamento é feito “24 horas do dia”.

Em um áudio, enviado para outros colegas de profissão, Paulo Sérgio informa que “qualquer alteração no quadro clínico serve para que sejam atendidos de imediato”, explica o policial penal.

Joélia Silveira, presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciários do Ceará, afirma que a situação é delicada por causa de dois vieses. O primeiro está nos esforços para recuperação dos colegas. Um deles, conta a sindicalista, teve a situação agravada, e está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Raimundo em situação ruim.

A outra questão é tentar impedir que o agente penitenciário se torne “o vetor” da doença dentro do sistema prisional e, involuntariamente, produza uma tragédia na população encarcerada. “Não está tendo visita de familiares (há mais de 30 dias) nas penitenciárias, mas quem tem contato com o preso é o agente. Ele está no dia a dia, ele o leva para conversar com o advogado. É um grande problema”, afirma Joélia Silveira. 

Plano de ação da SAP contra o coronavírus

- Avaliação e identificação dos dados epidemiológicos e sociodemográficos dos apenados em seu ingresso ao sistema prisional, com ênfase e avaliação criteriosa pela equipe de saúde da SAP

- Manutenção dos apenados em isolamento por um período de 14 dias para observação de quadro clinico, com acompanhamento pela equipe de saúde da Unidade

- Avaliação clínica aos apenados conforme rotina da unidade, com vigilância para a busca de casos suspeitos

- Equipes de saúde treinadas para atendimento de casos suspeitos conforme protocolos estabelecidos pelos órgãos de saúde

- Disposição de uma central de remoção de referência para o translado dos casos suspeitos nas unidades da Região Metropolitana de Fortaleza

- Capacitação das equipes de agentes penitenciários para a realização de remoção dos casos suspeitos/confirmados de Covid-19

- Distribuição, normatização e fiscalização para que os servidores utilizem os equipamentos de proteção individual e higiene

- Suspensão das visitas, dos malotes e dos atendimentos presenciais dos prédios administrativos

- Reforço das equipes de saúde nas unidades prisionais (todas contam com ambulatórios e enfermarias preparadas para situação médica de atenção primária

- SAP trabalha integrada com a Secretaria da Saúde do Estado para eventuais atendimentos mais complexos

- Fornecimento de material básico de higiene para internas e internos em todas as unidades prisionais

- Ampliação do banho de sol das unidades prisionais, garantindo mais tempo de arejamento aos internos e internas

- Realização de testes e orientação a todos os servidores e colaboradores que apresentem as características apontadas pela Secretaria de Saúde

- Produção de máscaras com internos e internas qualificadas pelo Senai em unidades do sistema

- Criação da comissão permanente de combate ao coronavírus no sistema penitenciário, com a integração da SAP e Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado do Ceará.

FONTE: SECRETARIA ESTADUAL DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA (SAP)

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