Torturas de forças-tarefa federais contra presidiários são denunciadas no Ceará desde abril

O POVO acompanhou a apresentação do documento em audiência na sede da OAB Ceará. SAP nega qualquer improbidade

11:11 | Out. 11, 2019

Nesta semana, atos de tortura institucionalizada motivaram o afastamento do coordenador da força-tarefa penitenciária no Pará, Maycon Cesar Rottava. Inspeções nos presídios cearenses ainda no início do ano apontam que as torturas se constituem como um modus operandi na atuação de agentes de forças-tarefas de intervenção federal e não são isoladas.

Peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) chegaram ao Estado em fevereiro, após denúncias de "maus tratos, tratamentos degradantes, desumanos, cruéis e tortura em estabelecimentos da localidade" nos presídios durante onda de ataques criminosos que se deu em janeiro no Ceará. O ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou a intervenção federal nos presídios do Ceará em 25 de janeiro.

No relatório resultante da inspeção, os peritos descrevem uma “sistemática” agressão nos dedos de presos para que eles percam o movimento das mãos. Há seis meses, O POVO acompanhou a apresentação do documento em audiência na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ceará.

Familiares de presidiários cearenses lotaram a platéia e confirmavam em seus relatos o que o MNPCT atestou: superlotação, falta de acesso à água, falhas na assistência médica, número restrito de refeições e indícios de prática de tortura. Na prática, mães e esposas denunciavam dedos quebrados por falta de obediência, mortes por falta de atendimento médico, fome devido a marmitas estragadas.

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Na época, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) negou, em nota oficial à reportagem, a existência de qualquer tortura. De acordo com a SAP, detentos feridos nessas ocasiões “foram medicados, autuados por um delegado de polícia e passaram por exame de corpo e delito, que não comprovam ferimentos com marcas ou fraturas com indícios de prática de tortura”.

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Em maio, o governo do Estado reassumiu o controle dos centros de detenção. Luís Mauro Albuquerque, responsável pela pasta, respondeu às denúncias do Conselho Penitenciário (Copen) de que detentos seguem torturados no sistema penitenciário. Em entrevista à rádio O POVO CBN, Albuquerque alegou que agentes penitenciários são acusados injustamente, "por falácias". Reiteradamente, ele pede provas das torturas e destaca que é preciso falar de iniciativas positivas dentro do sistema prisional.

Neste mês, a Assembleia Legislativa aprovou título de cidadão cearense para o secretário. Único parlamentar que se opôs, Renato Roseno (Psol) alegou que a condução da SAP não respeita preceitos básicos dos direitos humanos.

Modus operandi apresentado no relatório

Conforme o documento divulgado em abril, “nitidamente a violência cometida de golpear os dedos com tonfas (cacetetes), chegando muitas vezes a quebrar, foi praticada sistematicamente”. Afirmam ainda que já haviam se deparado com esse modus operandi em outras unidades sob intervenção federal, o que torna “bastante evidente e robusto o argumento de que essa prática vem sendo utilizada por agentes dessa força-tarefa”.

O relatório cita que o secretário de Administração Penitenciária mencionou em audiência pública em Natal “a utilização desse método para diminuir a capacidade do preso em realizar movimento de pinça, isto é, de segurar objetos, e assim impossibilitar que possam agredir os agentes prisionais”.

Em 81 páginas, os peritos descrevem a situação cotidiana dos detidos em três unidades prisionais do Estado: a Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto (CPPL 3), em Itaitinga; o Centro de Triagem e Observação Criminológica (CTOC) e o Centro de Detenção Provisória (CDP), ambos em Aquiraz

Posição do governo estadual

Leia a seguir a íntegra da nota emitida, em abril, pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Ceará:

Sobre o Relatório de Missão ao Estado do Ceará do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará esclarece que:

- Todas as instituições representativas como OAB, Ministério Público, Defensoria Pública, entidades de direitos humanos, além do próprio MNPCT, tem suas prerrogativas respeitadas e o acesso garantido nas unidades prisionais do Ceará, como pode ser conferido nos relatórios de visitação de cada unidade;

- O fechamento das 98 cadeias do Interior e a respectiva transferência dos presos para outras unidades garantiu segurança aos presos, agentes penitenciários e as cidades de origem, já que as cadeias em questão não tinham condições mínimas de estrutura. A readequação das unidades também permitiu que a SAP reordenasse suas equipes de Agentes e otimizasse suas forças de trabalho nos locais vigentes;

- A reestruturação e a presença do Estado tem por objetivo estabelecer o controle dentro da lei, o que ocasionou, por vezes, reações dos presos, como amotinamento e agressões contra servidores públicos. Os presos feridos nesse tipo de confronto foram medicados, autuados por um delegado de polícia e passaram por exame de corpo e delito, que não comprovam ferimentos com marcas ou fraturas com indícios de prática de tortura. Tudo registrado pelas unidades com acompanhamento de autoridades de outras instituições;

- Nos últimos 2 meses, a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará analisou, em parceria com a Defensoria Pública do Ceará, 7.188 processos. Isso garante a efetivação de medidas cautelares, retira das unidades os presos que não precisam estar encarcerados e diminui o problema estrutural da superpopulação carcerária;

- Nos 100 dias de existência da SAP, o núcleo responsável pelo atendimento médico, odontológico e psicológico dos presos realizou 193 mil atendimentos nas unidades prisionais, que vão desde a atualização de vacinas até o cuidado psiquiátrico dos internos;

- Também informamos que os presos do sistema carcerário cearense recebem quatro refeições diárias. Todas monitoradas e acompanhadas por equipe de nutricionistas, que garantem a quantidade necessária e saudável de proteínas, vitaminas, carboidratos e outros nutrientes exigidos;

- Reiteramos o esforço dos setores de inclusão social e educação do sistema, que nos últimos 3 meses já colocaram mais de 3 mil internos nos bancos escolares e mais de 2 mil presos e egressos para trabalho e qualificação. Ainda neste mês de abril lançaremos um programa desafiador de colocar quase 5 mil presos em cursos do Senai e Senac e iniciaremos o processo de industrialização dos presídios, em parceria com empresas de peso como Mallory e Ypioca;

- Desde o último mês de março, mais de 20 mil familiares visitaram os detentos, só que agora com organização, limpeza e liberdade, sem passar por extorsões do crime organizado ou até mesmo serem assediados e violentados por outros internos.

- Reiteramos também que todos os nossos presos recebem kits higiênicos individuais com escova e pasta de dentes, barbeador, sabonete e desodorante;

- Contamos com a ouvidoria que recebe denúncias através do disque 100 ou dos canais da própria SAP, como telefone, email, Facebook ou de forma presencial. As denúncias são encaminhadas aos setores e órgãos para o correto fluxo de esclarecimentos. Algumas delas são encaminhadas para a Corregedoria para adoção de medidas.

O Sistema Penitenciário do Ceará passa por profundas mudanças, com forte atuação e presença do Estado. Desde a adoção dos procedimentos atuais, não se verificou mais rebeliões ou fugas nessas unidades.

Portanto, reiteramos nosso compromisso com a aplicação do Código Penal e com a Lei de Execuções Penais.

NOTA ENVIADA NESTA SEXTA-FEIRA, 11 DE OUTUBRO PELA SAP

"Sobre o Relatório de Missão ao Estado do Ceará do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará esclarece que:

- Todas as instituições representativas como OAB, Ministério Público, Defensoria Pública, entidades de direitos humanos, além do próprio MNPCT, tem suas prerrogativas respeitadas e o acesso garantido nas unidades prisionais do Ceará, como pode ser conferido nos relatórios de visitação de cada unidade;

- A reestruturação e a presença do Estado tem por objetivo estabelecer o controle dentro da lei, o que ocasionou, por vezes, reações dos presos, como amotinamento e agressões contra servidores públicos. Os presos feridos nesse tipo de confronto foram medicados, autuados por um delegado de polícia e passaram por exame de corpo e delito, que não comprovam ferimentos com marcas ou fraturas com indícios de prática de tortura. Tudo registrado pelas unidades com acompanhamento de autoridades de outras instituições;

- Nos 9 meses de existência da SAP, o núcleo responsável pelo atendimento médico, odontológico e psicológico dos presos realizou mais de 540 mil atendimentos nas unidades prisionais;

- Reiteramos o esforço dos setores de inclusão social e educação do sistema, que nos últimos 9 meses já colocaram mais de 3 mil internos nos bancos escolares e mais de 11 mil presos e egressos para trabalho e qualificação. Ainda neste período lançamos um programa que já certificou 2 mil presos em cursos do Senai e Senac e iniciamos o processo de industrialização dos presídios, em parceria com empresas de peso como Mallory e Ypioca;

- Contamos com a ouvidoria que recebe denúncias através do disque 100 ou dos canais da própria SAP, como telefone, email, Facebook ou de forma presencial. As denúncias são encaminhadas aos setores e órgãos para o correto fluxo de esclarecimentos. Algumas delas são encaminhadas para a Corregedoria para adoção de medidas".