Conheça as origens das facções criminosas no Ceará, um ano após morte de Gegê e Paca

Após um ano da morte de Gegê e Paca, crime que se tornou marco da presença da organização criminosa no Estado, O POVO Online relembra como os grupos de narcotraficantes chegaram ao Ceará há mais de 25 anos

17:19 | Fev. 15, 2019

Por: Igor Cavalcante
Facções criminosas de Fortaleza ameaçam população com inscrições em paredes (Foto: Mateus Dantas / O Povo) (foto: (Foto: Mateus Dantas / O Povo))

Há um ano, no dia 16 de fevereiro de 2018, um helicóptero pousava em clareira aberta próximo à aldeia indígena Lagoa Encantada, em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Minutos depois, Rogério Jeremias de Simone, conhecido como Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Sousa, o Paca, eram executados a tiros à queima roupa por colegas da organização criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

O assassinato em plena Região Metropolitana de Fortaleza de dois integrantes da cúpula da facção – Gegê era o principal chefe do grupo em liberdade – foi um marco a evidenciar a centralidade que o Ceará passou a ter na estrutura das grandes facções. O duplo homicídio também desencadeou internamente mais uma série de rachas internos, conspirações e mortes no grupo.

As facções no Ceará

A presença das facções criminosas no Ceará começa a ser registrada no noticiário cearense, nas páginas do O POVO, há mais de 25 anos, conforme levantamento realizado pelo O POVO.doc.

Mais antiga que a principal rival, o Comando Vermelho (CV) era a maior organização criminosa do Brasil e começava a tentar se instalar em Fortaleza, de acordo com reportagem do O POVO em 17 de outubro de 1993.

Evidência da força que o grupo carioca começava a ganhar na Capital foi dada na véspera, quando a Polícia Militar “estourou” o que os agentes definiram como “reduto” do grupo no Estado. Localizado no bairro Álvaro Weyne, o imóvel era usado para guardar documentos roubados, papéis usados para embalar drogas e vestimentas usadas em assaltos.

À época, os policiais começaram a desconfiar da presença dos criminosos na Cidade devido a sinais semelhantes aos que são deixados hoje pela organização: inscrições em paredes de imóveis com as letras “CV”. No interior da residência apontada como ponto de encontro dos criminosos havia diversas inscrições em referência à facção carioca.

Paulistas

Consolidada nacionalmente a partir de 1993, após o massacre do Carandiru (quando 111 detentos foram mortos após intervenção policial no presídio em 2 de outubro de 1992), o PCC começou a ganhar força no Ceará nos anos 2000 com discurso consonante ao da cúpula paulista de combater a “opressão no sistema prisional”.

Em 20 de fevereiro de 2001, O POVO trouxe matéria revelando a preocupação de autoridades da Segurança Pública cearenses com possíveis motins – naquele mês, o PCC conseguiu organizar rebeliões com cerca de 20 mil homens e controlou 19 unidades prisionais no Brasil.

A reportagem também mostrou já naquela época características do que atualmente é o modus operandi dos grupos. De acordo com agentes penitenciários ouvidos, alguns detentos exerciam poder sobre outros, inclusive de penitenciárias diferentes. Eles também tinham contato “instantâneo” com outros integrantes da organização e conseguiam transmitir ordens para fora das paredes das unidade.

Pouco mais de um ano depois, novas evidências dos tentáculos do PCC apareceram em investigações divulgadas pelo O POVO mostrando que ações criminosas registradas em nove estados brasileiros foram marcadas de dentro do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), por meio de celulares, e entre os mandantes identificados havia integrantes do Comando.

Ataques de 2006

À época, o grupo ganhava força nos presídios, mas a população só conheceu a amplitude do poder violento do PCC a partir de 12 de maio 2006, quando a maior série de ataques organizados já registrados no País começou a ser colocado em prática. Os criminosos reagiram à decisão do Governo de São Paulo de isolar os líderes da facção no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior paulista.

Foram 74 rebeliões, atentados contra agentes penitenciários, policiais, viaturas, delegacias de polícia, cadeias e prédios públicos. Nove dias após o PCC “ganhar as ruas”, o saldo era de 564 mortos e 110 feridos. A estimativa de pesquisas realizadas pelo Laboratório de Análises da Violência da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontou 505 vítimas civis e 59 agentes públicos.

Ataques no Ceará

As estratégias de ações coordenadas do interior de presídios se estendendo para as ruas, tendo como alvo prédios públicos, se tornaram o principal método de ataques das facções. No Ceará, passaram a ser adotados a partir de 2017, quando a trégua firmada entre CV e PCC foi desfeita nacionalmente, com fortes reflexos no Ceará. Nessa época, a facção Guardiões do Estado (GDE) também passava a aparecer como dissidência dos paulistas no Ceará, mas com regras menos rígidas para a entrada de novos integrantes e com ações mais violentas.

O acordo entre os grupos – e sua ruptura –, além das negativas do Governo do Estado de que havia aliança entre as facções - foram acompanhadas e noticiadas pelo O POVO. Conforme levantamento realizado no mês passado, ciclos de ataques semelhantes aos registrados em 2006 ocorreram 15 vezes, aparecendo a cada intensificação do Governo contra as organizações.

No mais recente, em janeiro deste ano, os criminosos responderam com ataques à ônibus, prédios públicos e privados após a administração do sistema penitenciário cearense prometer tratamento mais duro aos detentos do Estado. Foi a maior onda de ataques já registrada no Estado

Igor Cavalcante (texto) e Fred Souza (pesquisa histórica)