Intelectuais e personagens da cultura do Cariri lamentam morte do professor Gilmar de Carvalho

Mestre Espedito Seleiro, de quem Gilmar era amigo, revelou detalhes sobre o último encontro que teve com o professor em Nova Olinda. Na região, suas pesquisas cercaram várias frentes, desde a poesia de Patativa do Assaré, o poder e a fé em Padre Cícero às produções em cordel, xilogravura e outras artes

20:54 | Abr. 18, 2021

Por: Luciano Cesário
Professor Gilmar de Carvalho em visita ao ateliê do mestre Espedito Seleiro (foto: Arquivo pessoal )

A morte do escritor, jornalista, professor e pesquisador Gilmar de Carvalho comoveu intelectuais e personalidades da cultura do Cariri, região que teve sua diversidade de tradições populares representada em inúmeras obras do autor.

Espedito Seleiro, mestre da arte em couro, disse ao O POVO que Gilmar não era somente um pesquisador, mas também um grande divulgador da cultura caririense. “Por onde ele andava, fazia questão de mostrar o nosso trabalho e falar sobre a nossa gente. Muitas vezes até levou nossos produtos para vender lá em Fortaleza. Ele mesmo organizava tudo”, afirma.

O artesão falou, ainda, que “não conta as vezes” que recebeu Gilmar em seu famoso ateliê, localizado no município de Nova Olinda. “Sempre que ele vinha ao Cariri, fosse para Juazeiro, Crato, ou qualquer outra cidade da região, ele também passava por aqui. Eu gostava de receber ele aqui. Era um ser humano abençoado, sincero e bondoso”, conta.

Espedito também revelou que recebeu a visita do escritor pela última vez em fevereiro de 2020. Segundo ele, a ida de Gilmar ao seu local de trabalho tinha um motivo mais do que especial. “Ele falou que estava fazendo um livro sobre a minha história, pediu para eu responder algumas perguntas, mas disse que iria demorar a terminar. É a última lembrança que guardo dele, foi o nosso último encontro”, declarou. Acrescentando que, com a morte de Gilmar de Carvalho, “os cearenses e os brasileiros perderam um grande ser humano e a cultura perdeu um grande pesquisador”.

Em Nova Olinda, a morte de Gilmar também foi lamentada pelo músico popular, historiador e fundador da Casa Grande - Memorial do Homem Kariri, Alemberg Quindins. Ele falou sobre os encontros que teve com o escritor e ressaltou o seu legado para a literatura nordestina. “Encontrei com ele pela primeira vez aqui no Cariri na casa de Patativa do Assaré, local onde ele gostava de frequentar e o vi pela derradeira vez no ateliê do mestre Espedito Seleiro. Gilmar era o que podíamos dizer de um cearense do tamanho do mapa do Ceará. Dedicou sua vida a escrever de “nóis” e por nós. Sua escrita uniu o sertão e o mar, o erudito e o popular. Fez do desconhecido, reconhecido, e enriqueceu a literatura do Nordeste brasileiro", declarou.

"Defensor da região"

Nas suas vindas ao Cariri, Gilmar participou de vários eventos acadêmicos na Universidade Regional do Cariri (Urca), onde colaborou para a formação de estudantes e criou laços afetivos sólidos. Um deles, com o professor Francisco do Ó Lima Júnior, atual reitor da instituição, que descreveu o seu amigo como um “apaixonado e defensor da região do Cariri”.

Lima Júnior disse que “Gilmar nos ensinou a cada vez mais reafirmar e promover os nossos valores culturais” e lembrou os momentos em que o pesquisador colaborou com projetos desenvolvidos pela instituição. “A Urca tem pioneirismo na promoção da cultura nordestina e também na formação. Por isso, tínhamos uma relação estreita com o professor Gilmar. Buscamos sua ajuda para organizar seminários sobre a diversidade do Cariri, Patativa do Assaré e muitos outros temas relacionados ao campo cultural, não só da nossa região, mas do Nordeste brasileiro como um todo”, afirmou.

Para o reitor, o principal legado deixado por Carvalho é a luta pela reafirmação da cultura popular nordestina. “É isso que fica eternizado na sua obra”, completa.

A Universidade Federal do Cariri (UFCA) também lamentou a morte do pesquisador. Em nota, a instituição disse que “Gilmar era um entusiasta da cultura popular e especial admirador da pluralidade caririense nesse campo”. O texto ressalta também que Carvalho “deixa enorme legado ao povo cearense e à Cultura nacional”. A nota acrescenta que “para além da sua vasta produção acadêmica, Gilmar celebrava o conhecimento como forma de união entre as pessoas; prática que, sem dúvida, é fundamental para a superação dos tantos desafios contemporâneos da Humanidade”.

Da história para os livros 

Nas páginas dos livros escritos por Gilmar de Carvalho, os leitores puderam encontrar o legado, a memória e a história de ícones da cultura caririense. Padre Cícero Romão Batista, fundador de Juazeiro do Norte, era um dos principais objetos de estudo do escritor.

Na obra Madeira Matriz - Cultura e Memória, ele analisou a construção da imagem do sacerdote como um dos principais símbolos da religiosidade nordestina. A partir de um estudo dos álbuns sobre o “Padim”, o autor apresentou a hipótese de que o cordel e a xilogravura ajudaram a solidificar no imaginário do sertanejo a representação de um “mito”, como assim descreveu o religioso e político de Juazeiro considerado santo por muitos católicos Brasil a fora.

Gilmar também escreveu sobre a história do poeta, repentista e um dos principais expoentes da cultura popular nordestina, Patativa do Assaré, de quem se tornou amigo pessoal nos longos anos de convivência em meio à pesquisa sobre a vida do artista. Em um intervalo de dez anos, o escritor publicou seis livros sobre a trajetória de vida do poeta caririense: Patativa do Assaré (2000), Cordel Canta Patativa (2002), Patativa do Assaré: um Poeta Cidadão (2008), Patativa do Assaré: o Sertão Dentro de Mim (2010), Antologia Poética de Patativa do Assaré (2010) e Cem Patativa (2010).