Racismo ambiental: você sabe o que é?

Padrões de renda, raça e local em que se vive definem quem são as populações mais impactadas pelo racismo ambiental; entenda o que é

21:06 | Ago. 23, 2023

Por: Iully Fernandes
Racismo ambiental: 62% das pessoas que enfrentam o déficit habitacional no Brasil são negras e moram em locais de risco (foto: Martin Bernetti / AFP)

Os efeitos da emergência climática global se manifestam de forma territorialmente desigual nas cidades. Nos noticiários, recorrentes matérias sobre crises ambientais direcionam a atenção para a expressividade intensa de quais vítimas são as mais afetadas. Seus marcadores sociais se voltam sistematicamente para a cor, a renda e o endereço.

De gentrificação a racismo ambiental: como a expansão imobiliária afeta a luta por moradia

Para além da distribuição desigual das riquezas, das infraestruturas e dos serviços básicos, sujeitos que vivem à margem social são submetidos à incidência de episódios como processos de escassez hídrica, enchentes, inundações, deslizamentos, falta de energia, insegurança alimentar e outros.

Para entender tal problemática imbricada no conceito de “racismo ambiental”, Marina Marçal, advogada e especialista em Conflitos Sociais, Rurais e Urbanos, explica como o meio ambiente e o meio social não devem ser entendidos como dimensões separadas ou antagônicas.

O que é racismo ambiental?

A distribuição desigual de riscos e tragédias ambientais segue o modelo da própria urbanização, que historicamente tem se estruturado enquanto espaço excludente e racialmente definido.

“Independente da cidade, você consegue perceber que as áreas onde estão a maioria dos lixões, dos cemitérios, dos escoamentos dos esgotos é onde se encontram pessoas negras e periféricas. É através desse olhar que a gente percebe o racismo ambiental”, afirma Marina Marçal.

Nessa perspectiva, o racismo ambiental se refere a políticas, práticas e a diretrizes ambientais que afetam diretamente e de forma desvantajosa determinados indivíduos, grupos ou comunidades com base na cor ou na raça, o que pode ser reforçado por instituições governamentais, jurídicas, econômicas e políticas.

Como o racismo ambiental afeta a vida das pessoas?

Casos de injustiça ambiental se expressam de maneira relacional ao território ocupado por pessoas racializadas, e uma das consequências mais expressivas se solidifica no déficit habitacional brasileiro.

Compõem o chamado déficit habitacional famílias ou pessoas que vivem, basicamente, em três situações: em casas extremamente precárias ou improvisadas, que dividem uma mesma residência com outra família; ou que pagam um aluguel tão caro que precisam decidir se compram comida ou arcam com a despesa mensal.

Para saber mais sobre essa problemática social, ouça o debate com a repórter do O POVO, Catalina Leite:

https://t.co/uEJmlY90JF

— O POVO (@opovo) March 9, 2023

O Brasil tem 3,9 milhões de pessoas (62% negras) que vivem em 13.297 áreas de risco. Dessas, quatro mil localidades são classificadas como de "risco muito alto", de deslizamentos e inundações, por exemplo. Já o número de áreas classificadas como de "risco alto" é de 9.291.

Os dados podem ser visualizados no painel do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

O que o racismo ambiental pode causar?

Conforme Marina, “o racismo ambiental é um mecanismo pelo qual as sociedades desiguais, do ponto de vista econômico, destinam a maior parte dos danos causados por crises climáticas”

Segundo o geógrafo Milton Santos, o território é a base material sobre a qual a sociedade constrói e produz sua história. E, nos territórios escolhidos por empresas para despojar seus lixos ou explorar os recursos naturais, é onde vivem famílias mais pobres e onde há maior concentração de pessoas negras, indígenas e quilombolas.

São também nessas áreas que se concentram os piores índices de poluição do ar e das águas, assim como maior incidência de riscos de inundações e deslizamentos (para citar alguns exemplos), o que expõe essa população vulnerabilizada aos perigos de desastres naturais e a piores condições de saúde.

As condições de saúde da população impactada por racismo ambiental elucidam um maior índice de câncer, morte precoce, baixa qualidade de vida, dificuldade de ter filhos, crianças que nascem com deformidades.

Racismo ambiental: exemplos de casos da injustiça no Brasil

Marina Marçal afirma que a analogia de “racismo climático” é entender como países colonizados essencialmente pela exploração de seus recursos naturais, tipo o Brasil ou outros países periféricos em desenvolvimento, sofrem com as consequências do colonialismo.

A nível nacional, alguns casos de crises climáticas se tornaram tema do debate:

  • A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que deslocou comunidades indígenas e ribeirinhas e teve um impacto significativo na biodiversidade da região.
  • A contaminação da água e do solo em comunidades indígenas e quilombolas no Nordeste do Brasil, devido ao uso excessivo de agrotóxicos nas plantações próximas.
  • A construção da rodovia BR-163, no Mato Grosso, causou desmatamento e expulsou comunidades indígenas da região.
  • A contaminação por metais pesados em comunidades próximas às minas de ouro em Paracatu, Minas Gerais tem afetado a saúde dos moradores locais.
  • A precarização da assistência à saúde indígena e a ausência de programas governamentais voltados à retirada de garimpeiros nas Terras Indígenas. Recentemente, vivenciamos a crise sanitária no Território Yanomami, no qual centenas de yanomamis apresentavam sintomas graves de malária sem terem acesso a remédios e dezenas de crianças com desnutrição em estado avançado.