Brasileiro resgatado de tráfico humano relata dias de terror no Mianmar
Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano; os dois estavam sendo escravizados por uma máfia de golpes cibernéticos
Dois brasileiros viveram meses de terror em um esquema de tráfico humano no Sudeste Asiático. Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, foram mantidos reféns por uma máfia de golpes cibernéticos no Mianmar, país do sudeste asiático localizado que faz fronteira com a Tailândia.
A história veio à tona após o Fantástico, da TV Globo, exibir o caso em dezembro de 2024. Ambos foram resgatados com a ajuda da ONG internacional The Exodus Road e retornaram ao Brasil após meses de negociações e procedimentos burocráticos.
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Em entrevista ao portal UOL, Luckas contou que a armadilha começou com falsas ofertas de emprego. Ele recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas, mas, após o fechamento do local, ficou sem dinheiro para retornar ao Brasil.
Foi nesse período que ele recebeu um convite via Telegram para atuar em um hostel na Tailândia. Mas o que parecia uma oportunidade virou um pesadelo: Luckas foi levado à força para Mianmar e obrigado a trabalhar em uma "fábrica de golpes".
Phelipe, por sua vez, recebeu uma oferta de emprego para uma central telefônica na Tailândia. Assim como Luckas, ao aceitar a proposta, desapareceu.
Dias depois, conseguiu contatar a família rapidamente por um computador quando os sequestradores não estavam por perto. Passaportes e celulares foram confiscados, impedindo qualquer tentativa de fuga.
Brasileiro traficado vivia sob domínio da máfia
Em entrevista ao UOL, Luckas contou que o complexo onde estavam era operado por uma máfia chinesa e reunia cerca de 60 pessoas, a maioria de países africanos e asiáticos.
Eles eram forçados a trabalhar até 17 horas por dia aplicando golpes financeiros em estrangeiros, principalmente europeus. O esquema envolvia falsas plataformas de investimento em criptomoedas.
O roteiro usado pelas vítimas do tráfico humano foi detalhado por Luckas: eles fingiam ser modelos que criavam laços afetivos com as vítimas antes de convencê-las a investir. Muitas dessas pessoas perderam milhares de euros em sites fraudulentos.

Aqueles que não atingiam as metas estipuladas pela máfia sofriam punições severas, como sessões de espancamento e tortura psicológica. Luckas relatou ele e os demais reféns eram monitorados constantemente e não tinham liberdade para sair do local.
Segundo a reportagem da TV Globo, a fuga demorou e foi meticulosamente planejada pelas vítimas. Na noite de 8 de fevereiro de 2025, um grupo de 371 reféns escapou e foi detido pelo Exército Democrático Karen Budista (DKBA), uma milícia local que mantém acordos com diferentes facções no território.
Com apoio da ONG The Exodus Road, os nomes de Luckas e Phelipe foram incluídos em uma lista de vítimas de tráfico humano que seriam transferidas para a Tailândia.
Após chegarem ao país, eles foram enviados a um centro de detenção para verificação de identidade. O processo legal durou cerca de 15 dias, antes de serem encaminhados à embaixada brasileira para o repatriamento.
O Itamaraty confirmou que estava ciente do caso e vinha fazendo gestões diplomáticas para a liberação dos brasileiros desde outubro de 2024. Familiares das vítimas relataram dificuldades em conseguir apoio oficial para emissão de novos passaportes e passagens de volta ao Brasil.
A história de Luckas e Phelipe expõe um problema global. Segundo dados da ONU, pelo menos 120 mil pessoas são mantidas como reféns no Mianmar, sendo forçadas a trabalhar nesses esquemas fraudulentos.
O país, que vive uma guerra civil desde 2021, enfrenta dificuldades em controlar expansão dessas redes criminosas. O governo brasileiro chegou a emitir um alerta em dezembro de 2023, recomendando que cidadãos evitem viagens ao país asiático, exceto em casos de extrema necessidade.