Brasileiro resgatado de tráfico humano relata dias de terror no Mianmar
Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano; os dois estavam sendo escravizados por uma máfia de golpes cibernéticos
19:02 | Mar. 09, 2025

Dois brasileiros viveram meses de terror em um esquema de tráfico humano no Sudeste Asiático. Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, foram mantidos reféns por uma máfia de golpes cibernéticos no Mianmar, país do sudeste asiático localizado que faz fronteira com a Tailândia.
A história veio à tona após o Fantástico, da TV Globo, exibir o caso em dezembro de 2024. Ambos foram resgatados com a ajuda da ONG internacional The Exodus Road e retornaram ao Brasil após meses de negociações e procedimentos burocráticos.
Em entrevista ao portal UOL, Luckas contou que a armadilha começou com falsas ofertas de emprego. Ele recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas, mas, após o fechamento do local, ficou sem dinheiro para retornar ao Brasil.
Foi nesse período que ele recebeu um convite via Telegram para atuar em um hostel na Tailândia. Mas o que parecia uma oportunidade virou um pesadelo: Luckas foi levado à força para Mianmar e obrigado a trabalhar em uma "fábrica de golpes".
Phelipe, por sua vez, recebeu uma oferta de emprego para uma central telefônica na Tailândia. Assim como Luckas, ao aceitar a proposta, desapareceu.
Dias depois, conseguiu contatar a família rapidamente por um computador quando os sequestradores não estavam por perto. Passaportes e celulares foram confiscados, impedindo qualquer tentativa de fuga.
Brasileiro traficado vivia sob domínio da máfia
Em entrevista ao UOL, Luckas contou que o complexo onde estavam era operado por uma máfia chinesa e reunia cerca de 60 pessoas, a maioria de países africanos e asiáticos.
Eles eram forçados a trabalhar até 17 horas por dia aplicando golpes financeiros em estrangeiros, principalmente europeus. O esquema envolvia falsas plataformas de investimento em criptomoedas.
O roteiro usado pelas vítimas do tráfico humano foi detalhado por Luckas: eles fingiam ser modelos que criavam laços afetivos com as vítimas antes de convencê-las a investir. Muitas dessas pessoas perderam milhares de euros em sites fraudulentos.
Aqueles que não atingiam as metas estipuladas pela máfia sofriam punições severas, como sessões de espancamento e tortura psicológica. Luckas relatou ele e os demais reféns eram monitorados constantemente e não tinham liberdade para sair do local.
Segundo a reportagem da TV Globo, a fuga demorou e foi meticulosamente planejada pelas vítimas. Na noite de 8 de fevereiro de 2025, um grupo de 371 reféns escapou e foi detido pelo Exército Democrático Karen Budista (DKBA), uma milícia local que mantém acordos com diferentes facções no território.
Com apoio da ONG The Exodus Road, os nomes de Luckas e Phelipe foram incluídos em uma lista de vítimas de tráfico humano que seriam transferidas para a Tailândia.
Após chegarem ao país, eles foram enviados a um centro de detenção para verificação de identidade. O processo legal durou cerca de 15 dias, antes de serem encaminhados à embaixada brasileira para o repatriamento.
O Itamaraty confirmou que estava ciente do caso e vinha fazendo gestões diplomáticas para a liberação dos brasileiros desde outubro de 2024. Familiares das vítimas relataram dificuldades em conseguir apoio oficial para emissão de novos passaportes e passagens de volta ao Brasil.
A história de Luckas e Phelipe expõe um problema global. Segundo dados da ONU, pelo menos 120 mil pessoas são mantidas como reféns no Mianmar, sendo forçadas a trabalhar nesses esquemas fraudulentos.
O país, que vive uma guerra civil desde 2021, enfrenta dificuldades em controlar expansão dessas redes criminosas. O governo brasileiro chegou a emitir um alerta em dezembro de 2023, recomendando que cidadãos evitem viagens ao país asiático, exceto em casos de extrema necessidade.