Mulher é resgatada após viver 28 anos em situação análoga à escravidão

A trabalhadora doméstica não recebia salário e nem podia tirar férias. Ela também cuidava de um idoso e era obrigada a dividir o quarto com ele à noite

Uma trabalhadora doméstica, negra, de 61 anos, foi resgatada em 2 de dezembro de uma situação análoga à escravidão da casa de uma vereadora em Além Paraíba, Minas Gerais. Segundo investigações, ela estava há 28 anos trabalhando para a família.

Durante esse período, ela não recebia salários, férias ou 13º salário. Embora sua carteira de trabalho tenha sido assinada em 2009, ela foi falsamente dispensada em 2015, pouco antes da entrada em vigor da Lei das Domésticas, que ampliou os direitos da categoria.

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A mulher também trabalhava como cuidadora de um de seus patrões que era idoso. A operação foi conduzida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF).

Trabalhadora doméstica não possuía acesso à saúde

A vítima não tinha um quarto próprio e estava sendo obrigada a dormir no quarto do patrão, para manter as atividades de cuidadora caso ele se sentisse mal. Ela possuía somente algumas peças de roupas doadas pela vereadora, produtos de higiene, um cobertor e um espelho.

A funcionária, que não sabe ler nem escrever, é da zona rural de Leopoldina (MG). Conforme a investigação, ela também sofre de surdez unilateral, porém nunca recebeu qualquer assistência para lidar com sua deficiência.

Ela não conseguiu lembrar quando foi a última vez que passou por uma consulta médica, que consistia em uma avaliação clínica básica, pelo irmão da vereadora, segundo a coluna de Leonardo Sakamoto no Uol.

Nas poucas vezes em que ela visitou a família, a empregadora oferecia algum dinheiro. Dessa forma, os parentes acreditavam que a vida estava bem.

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Vereadora disse que vítima era “membro da família”

De acordo com a coluna de Leonardo Sakamoto no Uol, a vereadora que era a empregadora da vítima se tratava de Simone Rezende Rodrigues (União Brasil), que está no seu terceiro mandato.

A vítima relatou que a empregadora dizia que dinheiro de sua remuneração estava guardado em um banco, mas ela não sabia qual era, não tinha cartão e nem sabia o valor.

A vereadora, no entanto, alegou que pagava a mulher apenas com dinheiro físico e disse que não havia conta no banco no nome dela. Simone também negou a prática de exploração e afirmou que a empregada era tratada como um "membro da família".

Vítima de escravidão não tinha salário, férias e nem conseguiria se aposentar

A vítima trabalhava para a família desde 1996, permanecendo sem registro em carteira até 2009. Mesmo com a formalização naquele ano, passou todo o período sem direito a férias e salários.

Em 2015, conforme o MTE, os patrões acharam um modo de burlar a Lei das Domésticas, que garantiria mais direitos a esses empregados que são, em sua maioria, mulheres negras.

Eles fingiram que a dispensaram, mas apenas deixando de fazer o registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social, pois ela continuou prestando os serviços a eles.

Com isso, acrescenta o Ministério, a trabalhadora somava apenas cerca de três anos de recolhimentos ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou seja, além de não receber salário, teve um valor muito baixo de contribuição, caso precisasse de seguro-desemprego ou outro tipo de benefício.

Apesar de ter trabalhado cerca de três décadas, quase nada desse tempo foi oficialmente contabilizado para poder se aposentar.

Resgate e indenização

Ao ser informada sobre o resgate, a trabalhadora afirmou o desejo de sair da residência. Com isso, os auditores fiscais determinaram o encerramento imediato da relação de trabalho estabelecida entre a família e a vítima. 

A equipe também assegurou a regularização do registro da empregada e o pagamento integral dos direitos trabalhistas que lhe foram negados desde que começou a prestar seu serviço.

O MPT firmou um acordo com os empregadores para o pagamento de indenização à trabalhadora. A operação começou após o Ministério receber uma denúncia e uma medida cautelar da Justiça permitiu a entrada na residência dos empregadores.

O trabalho escravo contemporâneo

A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada - quando a pessoa é impedida de deixar seu local de trabalho - desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas.

Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, pelo patrão.

Segundo a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), jornada exaustiva é todo expediente que, por circunstâncias de intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, que, vulnerável, tem sua vontade anulada e sua dignidade atingida.

Já as condições degradantes de trabalho são aquelas em que o desprezo à dignidade da pessoa humana se instaura pela violação de direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes à higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade.

Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o funcionário tem seu deslocamento restrito pelo empregador sob alegação de que deve liquidar determinada quantia de dinheiro.

Denúncias

Denúncias de trabalho doméstico análogo ao de escravo podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê https://ipe.sit.trabalho.gov.br/.

Com informações da Agência Brasil

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