Décadas de vai e vem: a história do acordo Mercosul-UE

Autor DW Tipo Notícia

Pacto de livre comércio deu primeiro passo em 1994. Negociações alternaram momentos de otimismo e congelamento, de acordo com a evolução do contexto político e econômico dos países envolvidos.As conversas entre União Europeia (UE) e Mercosul para firmar um acordo de livre comércio, anunciado nesta sexta-feira (06/12) em Montevidéu, são quase tão antigas quanto a própria história do bloco sul-americano O primeiro passo ocorreu em 22 de dezembro de 1994, menos de quatro anos após a criação do Mercosul. Nessa data, autoridades sul-americanas e europeias reunidas em Bruxelas assinaram uma "declaração conjunta solene" em que demonstravam o interesse de celebrar um "acordo-quadro de cooperação" entre os dois blocos. Um ano depois, em dezembro de 1995, o acordo-quadro de cooperação foi assinado pelos ministros do Exterior dos países envolvidos, reunidos em Madri. O documento afirmava que as duas partes tinham como meta final "uma associação inter-regional de caráter político e econômico baseada numa cooperação política reforçada, numa liberalização gradual e recíproca de todo o comércio". Com esse acordo-quadro, o então jovem Mercosul queria consolidar sua imagem na comunidade internacional como um "grupo capaz e atuante" e expandir a exportação de seus produtos, sobretudo agrícolas, enquanto aos europeus interessava "realizar um processo gradual de liberalização econômica e uma inserção em mercados ainda pouco explorados", resumiu o cientista político Charles Pennaforte em um artigo liderado por ele publicado na revista científica Conjuntura Austral. Primeira cúpula e propostas iniciais Em 1999, o acordo voltou a ser discutido em uma reunião de cúpula entre os dois blocos no Rio. Alguns meses depois, negociadores da UE e do Mercosul reuniram-se em Bruxelas e criaram grupos de trabalho para evoluir nas tratativas para o acordo. Pouco avançou no ano seguinte, e em 2001 a UE apresentou uma proposta de liberalização comercial que dava pouco destaque aos produtos agrícolas, nos quais os países do Mercosul têm mais competitividade, e priorizava os produtos industrializados e de bens de capital, nos quais os países europeus eram mais competitivos. Os dois blocos seguiram negociando e apresentaram novas propostas em 2004, mas a "falta de flexibilidade pelo lado europeu" em relação à proteção de seus mercados e a chegada de governos de esquerda ao poder no bloco sul-americano "acabaram por desinteressar os setores favoráveis ao acordo", segundo o artigo de Pennaforte. Tanto Mercosul como UE sugeriram à época liberalizar de forma escalonada o comércio de diferentes produtos ao longo do tempo, mas não havia convergência. Os europeus queriam liberalizar os produtos industrializados imediatamente, enquanto os sul-americanos queriam fazer isso com os produtos agropecuários. As negociações ficaram paradas até 2010. Prioridade ao Sul Global e Brics Nesse período, tanto o governo brasileiro, então comandado por Luiz Inácio Lula da Silva, como o argentino, sob Néstor e Cristina Kirchner, priorizaram a cooperação com outros países do Sul Global e, no caso do Brasil, com o Brics. Em 2010, houve um novo impulso ao livre mercado como estratégia para superar a crise financeira de 2008, e novas propostas foram apresentadas em negociações em Madri, mas "o bloco europeu não fez concessões significativas para o Mercosul", segundo Pennaforte. Enquanto as tratativas se arrastavam, a importância relativa do comércio entre os países do Mercosul com os da UE gradativamente se reduzia, enquanto a China ganhava espaço. Os chineses assumiram o posto de principal destino das exportações brasileiras em 2009. Novo impulso com direita na Argentina e Brasil Em 2015, Mauricio Macri foi eleito na Argentina e, em 2016, Dilma Rousseff sofreu impeachment, abrindo espaço para Michel Temer assumir o poder – marcando uma virada ideológica nos dois maiores países do bloco. Os novos governos à direita, de perfil liberal na economia, decidiram retomar o acordo com a UE como uma prioridade. Em 2016, os dois blocos voltaram a apresentar suas respectivas propostas, e em abril de 2017 o então chanceler brasileiro Aloysio Nunes afirmou que o "acesso a mercados da União Europeia é prioridade do Mercosul". Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso liberalizante na economia. No ano seguinte, os dois blocos anunciaram durante o encontro do G20 em Osaka, no Japão, que haviam concluído o acordo comercial. No entanto, alguns países europeus se opuseram ao texto – notadamente França, Polônia e Áustria – e o aumento do desmatamento no Brasil sob o governo Bolsonaro forneceu argumentos aos europeus preocupados com o impacto ambiental do acordo. Esses fatores atrasaram a sua confirmação, e em outubro de 2020 o Parlamento Europeu aprovou um texto se posicionando contra o acordo. Renegociação e vitória de Trump Do lado sul-americano, Lula foi eleito novamente em 2022 e seu governo também decidiu reexaminar as condições do texto que havia sido negociado na gestão Bolsonaro. A UE demonstrou interesse em retomar as conversas. Mas um novo obstáculo surgiu em março de 2023, quando a UE enviou ao Mercosul uma side letter exigindo compromissos ambientais extras para fechar o acordo, que foi recebida por Lula como uma "ameaça" dos europeus que modificava o equilíbrio do texto. Lula também aproveitou a reabertura das negociações para rediscutir proteções a empresas nacionais em relação a compras governamentais, e reafirmou diversas vezes que era favorável à conclusão do acordo. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro de 2024, deu um novo impulso. O futuro ocupante da Casa Branca venceu o pleito com um discurso protecionista, ameaçando cobrar tarifas de todos os produtos que chegam ao seu país, inclusive da UE. Isso motivou os negociadores de ambos os blocos a buscar o acordo como uma prevenção ao previsível cenário de guerras tarifárias que deve ocorrer a partir da posse de Trump. E o maior opositor na UE ao acordo – a França – está numa posição de fraqueza no momento. O presidente Emmanuel Macron disse que o considera inaceitável, mas está às voltas com uma sequência de crises políticas domésticas. A Itália e a Polônia também têm objeções, mas a estratégia de Comissão Europeia é dividi-lo em uma parte comercial e outra política. Para aprovar apenas a parte comercial, não é necessário unanimidade no Conselho Europeu – composto pelos chefes de governo dos países do bloco. Para isso, basta o apoio de 15 dos 27 países da UE, que representem ao menos 65% da população. Depois, o texto ainda precisaria ser aprovado pelo Parlamento Europeu, o que deve ocorrer, no melhor dos cenários, no segundo semestre de 2025, e pelos Congressos dos países do Mercosul. Autor: Bruno Lupion

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