Como será a relação entre Lula e Trump após volta do republicano ao poder?

As discrepâncias ideológicas entre os dois presidentes põem em xeque o futuro das relações

11:54 | Nov. 08, 2024

Por: Wilnan Custódio
Trump e Lula governam duas das nações mais importantes do continente americano (foto: KAMIL KRZACZYNSKI/AFP e RICARDO STUCKERT/PR)

À primeira vista, quando pensamos em Trump e Lula, lembramos do histórico de declarações um sobre o outro. Olhando por esse ângulo, não é possível esperar muita coisa dessa relação. Porém, uma frase clichê no universo do jornalismo político nos faz querer crer que, na verdade, pode ser diferente. Afinal, "uma coisa é campanha, outra coisa é vida real”.

Em entrevista à colunista do Uol, Raquel Landim, o assessor especial da Presidência para Relações Internacionais, Celso Amorim, disse que espera que as relações entre Trump e Lula sejam boas e que possam ser pragmáticas. Para exemplo, o diplomata cita a saudável parceria que houve entre Lula e George W. Bush, que tinham ótimas relações diplomáticas e pessoais.

Entretanto, fontes no Planalto descartam uma relação intensa como a que há entre Lula e o atual presidente Joe Biden. A percepção é que a proximidade entre o trumpismo e o bolsonarismo inviabiliza uma relação muito próxima. Além do abismo ideológico que separa Trump do presidente brasileiro.

Antes disso, é preciso resgatar as relações entre os presidentes dos dois países desde a redemocratização do País. O primeiro civil a despachar do Planalto após a transição do regime militar, foi o ex-presidente José Sarney (MDB), hoje com 94 anos. Ainda em Guerra Fria, porém no final dela, o líder brasileiro foi contemporâneo do homólogo americano Ronald Reagan, conhecido por ser um ferrenho opositor dos ideais comunistas.

Luiz Philipe de Oliveira, mestre e doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), explicou que desde a redemocratização do País, a relação do Brasil com os Estados Unidos passou por três grandes períodos.

“O Brasil teve três grandes períodos desde a redemocratização, o alinhamento, a autonomia e diálogos estratégicos. A gente tem um alinhamento de 1988 a 1992 com o Collor. Você tem autonomia de que vai de Itamar Franco até FHC, de 1992 a 1999, e de 2000 a 2008 você tem a evolução para diálogos estratégicos”, explicou Luiz.

Durante o governo Collor, segundo explica Luiz Philipe, o Brasil não tinha autonomia com as suas decisões. O país estava pressionado com a ditadura que acabara de ocorrer. Segundo ele, o alinhamento se dava pela dependência do Brasil em relação aos Estados Unidos.

Quando há a transição para o período de autonomia, no Governo Itamar Franco, o Brasil começa a trabalhar em acordos regionais e no fortalecimento de laços regionais na América Latina, entre eles o Mercosul, e também com países Europeus. A autonomia foi intensificada durante o governo FHC, quando os Estados Unidos estavam sob administração Clinton.

Apesar da autonomia, a relação entre os Governos FHC e Clinton foi grande, e os presidentes concordaram em vários pontos e foi durante essa administração democrata que começaram as primeiras negociações para criação do Alca, a Área de Livre Comércio das Américas. Para os Luiz Philipe, esse apesar de surgir no governo Itamar Franco, o principal expoente desse período foi FHC.

Durante os primeiros mandatos de Lula, o pesquisador explica a mudança que o Brasil e os Estados Unidos passaram nas relações. Ele considera que o período de diálogo estratégicos se caracteriza pela autonomia do Brasil em tomar suas decisões, ao mesmo tempo que mantém uma forte cooperação com os Estados Unidos, e passa a ser enxergado por ele como um ator relevante no cenário global, em e principalmente na região.

A independência diplomática brasileira se caracterizou pela integração maior com os países vizinhos e também com o chamado sul global, quando apesar de manter um bom relacionamento com os Estados Unidos, o Brasil passou a reivindicar uma reforma na ordem global e uma maior participação dos países em desenvolvimento.

George H. W. Bush

No Governo de Bush pai, as relações com o Brasil eram bastante alinhadas. Foi durante a presidência do republicano que os Estados Unidos se envolveram em um conflito de grandes proporções no Oriente Médio, a Guerra do Golfo. No conflito, várias potências ocidentais pelejaram contra o Iraque de Saddam Hussein que havia ocupado e anexado o Kuwait.

Apesar do alinhamento com os Estados Unidos, o governo brasileiro manteve a tradição de neutralidade em relação ao conflito no Oriente Médio. Diferente da Argentina, que teve um alinhamento incondicional aos Estados Unidos.

Durante seu mandato de 1989 a 1993, George H. W. Bush visitou o Brasil duas vezes. Em 1990, o líder americano fez uma visita diplomática ao país e se reuniu com o presidente Fernando Collor e parlamentares brasileiros. Na pauta, o Brasil discutiu a transferência de tecnologias e a renegociação da dívida externa brasileira.

Dois anos depois, Bush retornou ao Brasil para participar da conferência Rio-92. Essa foi uma passagem polêmica, pois o presidente americano foi contra a Carta de Convenção da Biodiversidade, considerando que esta era "financeiramente inexequível". Com esses posicionamentos ele ficou conhecido como "maior vilão da Rio-92".

Bill Clinton

Durante sua presidência, Clinton foi próximo ao Brasil, e ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Foi durante seu mandado que os Estados Unidos começaram a negociar com o Brasil e os demais países do continente a implantação do Alca.

Apesar da proximidade até mesmo pessoal entre os presidentes americano e brasileiro, durante a administração FHC o Brasil manteve uma linha autônoma nas Relações internacionais, que havia sido herdada por Itamar Franco.

No site da fundação FHC, mantida pelo ex-presidente, ele lembra da relação com Clinton e disse ter simpatia por ele. “‘Tenho simpatia pelo Clinton, parece que é recíproca, vamos ver o que acontece’, anotou Fernando Henrique Cardoso em seu diário no dia 22 de fevereiro de 1995 na primeira referência como presidente empossado ao colega norte-americano”.

Em seus mandatos, ambos os presidentes fizeram visitas ao pais do homólogo. Na primeira visita que FHC fez aos Estados Unidos, Clinton estava passando por um problema interno, dias antes um atentado a bomba em Oklahoma havia matado 168 pessoas.

Ambos destacavam os laços, e o respeito à democracia e aos valores considerados cruciais. FHC já havia passado um período exilado nos Estados Unidos por causa da ditadura militar Brasileira .“Somos as maiores nações do continente (em termos populacionais e econômicos), compartilhamos os problemas e as virtudes de nosso tamanho, fomos formados com a contribuição dos mais diversos povos”, disse FHC a época.

George W. Bush

Muitas vezes lembrado como o presidente que deu origem ao conflito do Iraque, e o presidente que despachava da Casa Branca quando os Estados Unidos sofreram o maior ataque terrorista da sua história, o ataque às torres gêmeas, George W. Bush, conhecido também como Bush filho.

Bush foi contemporâneo ao presidente FHC durante os dois primeiros anos do seu mandato, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo após. Tradicionalmente mais à direita que os presidentes democratas, isso não foi um empecilho para relação com o Lula, ambos tiveram uma relação forte pessoalmente, mas na diplomacia ambos os lados tinham diálogos estratégicos e de interesse mútuo.

Lula intensificou as relações com países emergentes, mas o diálogo em áreas estratégicas com Washington permaneceu. Logo após a eleição de Trump, o conselheiro especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim lembrou do pragmatismo da relação entre Bush e Lula, avaliando que o cenário poderia se repetir.

Barack Obama

Apesar de mais à esquerda que Bush, a relação de Barack Obama com Lula foi mais fria. Mesmo assim, o líder americano ficou conhecido também pela famosa frase “esse é o cara”, dita a Lula em 2009 durante a reunião do G20.

Mesmo mais distante, a relação entre os dois países se manteve em diálogos estratégicos entre ambos durante o mandato de Lula e o início do mandato de Dilma. Em 2013, no mandato da presidente brasileira, denúncias trouxeram à tona que a então chefe do executivo do Brasil estava sendo espionada pela NSA, que faz parte do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

As denúncias estremeceram as relações do Brasil com os Estados Unidos. A presidente brasileira cancelou uma viagem que já tinha data marcada para os Estados Unidos, além de abrir a Assembleia Geral da ONU discursando sobre o caso.

Donald Trump

Quebrando a tradição que vinha desde FHC, a relação do presidente brasileiro Jair Bolsonaro com o homólogo americano Donald Trump foi de alinhamento automático. Durante esse período, o líder americano aparecia fazia alguns comentários de apoio ao presidente brasileiro, apesar da relação parece sempre mais desigual, com Bolsonaro procurando atenção do americano.

Perguntado sobre o alinhamento automático caso Trump tivesse conseguido a reeleição em 2020, o doutor em Direito internacional, Luiz Philipe de Oliveira, considerou que o alinhamento teria continuado de forma intensa, a ponto mesmo do presidente pessoalmente querer aderir às sanções ocidentais contra Rússia por causa da guerra contra Ucrânia. “Entretanto isso seria muito difícil de acontecer devido ao corpo diplomático do Itamaraty”, avalia ele.

Joe Biden

Eleito em plena pandemia de Covid-19, Joe Biden conseguiu impedir a reeleição de Trump em 2020, e criticou as políticas ambientais do governo de Jair Bolsonaro até mesmo durante campanha, quando disse em debate que o Brasil estava destruindo a Amazônia.

A grande proximidade de Jair Bolsonaro com Donald Trump fez com que a relação entre os dois presidentes se mantivesse fria e distante. O líder brasileiro foi um dos últimos chefes de estado e de governo a reconhecer a vitória de Biden.

Apesar disso, o americano manteve uma postura pragmática, embora distante do então presidente brasileiro. Durante viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro chegou a pedir ajuda de Biden para enfrentar Lula nas urnas, alegando que ele era “contra os interesses dos Estados Unidos na região”. Joe desconversou sobre o assunto.