Venezuela estica mais a corda: Brasil deve ignorar ou responder novamente?

País vizinho respondeu a nota do Itamaraty onde a pasta se dizia surpresa com o tratamento dado pela Venezuela ao Brasil

13:17 | Nov. 03, 2024

Por: Wilnan Custódio
Lula sugere que novas eleições sejam realizadas na Venezuela para superar crise (foto: Fco Fontenele/O POVO; Marcos Oliveira/Agência Senado)

Convocar seu embaixador em Brasília para consultas foi o ato mais grave do governo de Nicolás Maduro para demonstrar o desagravo ao Brasil. Desde a cúpula dos Brics, na semana passada, o governo de Maduro vem dando declarações, algumas até destrambelhadas e temperadas com a retórica de guerra fria.

O que para nós brasileiros seria uma aberração institucional, em um governo aparelhado e com a democracia combalida, as aberrações são institucionalizadas. Como o fato do procurador geral da Venezuela Tarek William Saab, fazer declarações de cunho político, chegando a falar que o presidente Lula seria um agente da CIA, e que forjou o acidente doméstico para não ir ao encontro dos Brics na Rússia.

Poderia até ser cômico, se não fosse trágico e semelhante às teorias conspiratórias da extrema direita. Apesar das críticas de alguns, julgo ser importante o caminho de reatar as relações com o governo venezuelano, como fez o governo Lula, porém não de estender o tapete vermelho para Maduro.

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O corte das relações diplomáticas do governo Bolsonaro, em uma alinhamento automático com o governo Trump, jogou contra os interesses nacionais e aproximou ainda mais o país vizinho da Rússia e da China. O que explica em partes o desdém que o regime se deu ao luxo de ter com o Brasil desde a contestada reeleição de Maduro.

EUA, Brasil e Venezuela: Interlocução e canais de diálogo abertos

Para os Estados Unidos é importante que o Brasil tenha interlocução com a Venezuela. Sem nosso país, o principal e um dos poucos canais de diálogo entre os países é quebrado. Aqui mais uma vez lembro, isolar a Venezuela, é entregar o país a disputa por hegemonia e influência, de Rússia, China e também dos Estados Unidos.

Entretanto, o Brasil precisa exercer sua liderança, e não ceder à influência desses países na nossa região. E isso exige do País se enxergar como um desses jogadores, não como uma peça coadjuvante nesse tabuleiro. Independente de tudo, a Venezuela vai continuar a ser vizinha do Brasil.

A liderança do País passa por não isolar a Venezuela, mas também em não se isolar das posições de países vizinhos sobre a crise venezuelana. Nesse jogo de equilíbrio, o objetivo é uma solução limpa para a crise venezuelana, sem que isso isole o país vizinho.

Mas, diante disso, o que fazer agora: responder mais uma vez ou continuar a ignorar o governo de Maduro? Na véspera da nota divulgada pelo Itamaraty, a ordem era ignorar o espernear no regime venezuelano. Entretanto, esse não foi o entendimento no dia seguinte, que o ministério se disse surpreso com o tratamento dado pela Venezuela ao Brasil.

Segundo a nota, o Brasil tem respeito ao princípio da não intervenção, “em especial dos nossos vizinhos”, e segue lembrando que o Brasil participou como convidado dos “Acordos de Barbados” onde Maduro prometeu eleições livres em troca do alívio das sanções econômicas dos Estados Unidos.

Pondo ainda mais lenha na fogueira, a Venezuela respondeu pelas redes sociais do ministro das relações exteriores Yván Gil Pinto, dizendo que o Brasil se passa por “vítima” e prática "agressão descarada e grosseira" contra Venezuela, alegando que o País promove uma "campanha sistemática e violadora dos princípios" das Nações Unidas.

No comunicado, o porta-voz do regime segue dizendo que o Itamaraty interfere na "soberania nacional e a autodeterminação dos povos, inclusive violando a própria Constituição brasileira em seu mandato de não ingerência em assuntos internos dos estados".

Na última semana a polícia venezuelana postou uma imagem no instagram onde apresentava um bandeira do Brasil e uma silhueta do presidente Lula com a frase “quem mexe com a Venezuela se dá mal”, em uma clara ameaça ao país. Rapidamente se especulou a possibilidade de um conflito, que se pode assegurar com absoluta tranquilidade, não vai acontecer, a Venezuela não tem capacidade militar para bater de frente com o Brasil.

"Tacitamente o Brasil vem reconhecendo o governo venezuelano"

Segundo Vitelio Brustolin, professor de relações Internacionais da UFF e pesquisador de Harvard, quando questionado sobre as relações entre os dois países, disse que embora o Brasil não reconheça explicitamente a eleição de Nicolás Maduro, tacitamente o Brasil vem reconhecendo o governo venezuelano, uma vez que é com ele que mantém o diálogo.

“Tacitamente, o Brasil vem reconhecendo a eleição do Maduro. Na diplomacia você reconhece um governo expressamente, que foi o que fizeram a Rússia, a China e o Irã, Esses países reconheceram a eleição do Maduro que foi claramente fraudada”, explicou o professor.

O pesquisador lembra que a eleição foi explicitamente considerada fraudada pois os resultados apresentados pelo conselho eleitoral venezuelano claramente não condizem com as atas eleitorais que a oposição teve acesso e os observadores internacionais tiveram acesso.

“Foi apontado por vários organismos internacionais que a eleição foi fraudada, como o Carter Center. Inclusive o Carter Center tinha a cópia dessas atas e mandou para Organização dos Estados Americanos, demonstrando que essas eleições foram fraudadas e que o Maduro perdeu as eleições. E que ele e o seu grupo tomaram o poder e fraudaram aquela eleição”.

Aprendendo a repetir a palavra facista, o autocrata venezuelano assim acusa a oposição, mas esquece que ele mesmo é quem tem essas características. Afinal para que prova mais clara do que a militarização da política promovida por ele? O próprio Maduro já disse que seu governo vive uma união “cívico-militar”. E de fato é possível afirmar que a Venezuela vive uma ditadura militar com um civil no poder, pois são eles quem dão sustentação ao regime.

Veja na integra a entrevista com o professor de Relações Internacionais Vitelio Brustolin: