O caso Silvio Almeida e os dois pesos e duas medidas de Lula

Autor DW Tipo Notícia

Silvio Almeida foi demitido pouco tempo após surgirem as primeiras denúncias de assédio sexual. No entanto, para outro ministro, investigado por corrupção, cabe o direito à presunção de inocência, e permanência no cargo.O presidente Lula demitiu seu ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania nesta sexta-feira (06/09). Silvio Almeida era uma figura de proa no gabinete governamental de 39 membros. Como advogado, é reconhecido nas áreas de direito empresarial, direito econômico e tributário e direitos humanos. Sua demissão ocorreu após acusações de abuso sexual , que estão ainda sendo investigadas. A ONG Me Too Brasil divulgou as denúncias, sem citar a identidade das supostas vítimas ou os crimes cometidos por Almeida. O ex-ministro nega as acusações. No entanto, a professora Isabel Rodrigues publicou um vídeo no qual descreve como Almeida a teria assediado sexualmente em 2019. Rodrigues é candidata à vereadora de Santo André (SP). Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, também relatou a seus colegas ministros que Almeida havia tocado nas suas pernas de forma inadequada durante uma reunião oficial em maio de 2023. Aparentemente, ela não tornou isso público para não prejudicar o governo. Pelo menos a troca de mensagens pelo WhatsApp atribuída aos dois ministros, vazada depois da denúncia, levanta questões nesse contexto. Em agosto de 2023, os dois marcaram um jantar pessoal. Sem deixar claro a que está se referindo, Almeida escreve: "E, olha: eu quero recomeçar com você. Recomeçar". Anielle Franco teria respondido: "Eu também. De verdade." Ela escreve ainda: "Minha admiração por você é imensa". No início de setembro de 2023, Almeida teria escrito: "Somos lindos, Anielle! E esse seu vestido é deslumbrante". A ministra responde: "Ficou mto foda né!?" Cinco minutos depois, Franco descreve a si mesmo e a Almeida como: "Lindos, negros, competentes e ainda ministros kkkkkkk". Dois meses depois, ela lhe garante sua solidariedade após os ataques políticos: "Por isso a união da gente é tão importante! Qualquer coisa, tô aqui!." As mensagens não permitem tirar conclusões sobre a situação descrita por Anielle Franco, mas mostram que os dois mantiveram um relacionamento profissional e amigável depois disso, e que Franco aparentemente queria deixar o incidente para trás. Dilema O caso Silvio Almeida apresenta um dilema, como acontece frequentemente com as alegações de abuso sexual. As acusações raramente podem ser comprovadas, e é por isso que muitas vítimas relutam em vir a público. Mas a situação também é ruim para o suposto perpetrador. Afinal, como ele poderá provar sua inocência se a acusação for fabricada e usada como arma política ou por motivos de vingança pessoal? Particularmente no Brasil, onde os nomes e as fotos dos acusados (não dos condenados!) são publicados pela mídia, esse é um método eficaz de causar enormes danos sociais e profissionais. E nesse teclado toca agora Silvio Almeida, apresentando-se como vítima de uma conspiração e ameaçando seus "algozes" com vingança. Ele fala de uma campanha "para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no poder público". Diz que provará sua inocência e indiretamente acusa a Me Too Brasil de corrupção, alegando que houve irregularidades na candidatura da ONG em uma licitação de seu ministério. Para criar clareza, a Me Too Brasil deveria fundamentar de forma concreta as acusações contra Almeida. Não cabe à internet ou à imprensa julgarem Almeida sem ter acesso a todas as informações. Almeida, como todo acusado, tem o direito à presunção de inocência até que um juiz o considere culpado. No entanto, é possível se perguntar qual é a probabilidade de haver uma conspiração contra o "único ministro negro do governo" (autodenominação de Almeida), conforme sugerido por Almeida, na qual justamente Anielle Franco e tantas outras mulheres (o número está crescendo quase diariamente) estariam envolvidas? Consequência para vítima é o que importa A questão de saber se Almeida considerava seu comportamento – toques, abraços, beijos, palavras – como socialmente apropriado porque confundiu amizade e afinidade política com o direito à intimidade, ou se abusou deliberadamente de sua posição de poder porque se sentia poderoso como advogado renomado e figura de proa do movimento negro e dos direitos humanos, é, em última análise, irrelevante porque não é a intenção de Almeida que importa, mas as consequências psicológicas negativas para as mulheres. Apesar da consternação causada pelo caso Silvio Almeida, o Brasil e sua política de identidade de esquerda podem aprender que nem as convicções políticas corretas e nem o fato de pertencer a um grupo estruturalmente desfavorecido impedem uma pessoa de explorar sua posição de poder contra aqueles considerados mais fracos. A segunda lição, no entanto, é que existem dois pesos e duas medidas intoleráveis no governo Lula. Desde o início do Lula 3, há investigações policiais contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. De acordo com a PF, ele cometeu crimes de corrupção passiva, organização criminosa, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e fraude em licitação. Mas Filho, ao contrário de Almeida, ainda está no cargo. "Nós vamos sempre primar pela presunção da inocência, até porque a gente já viu muita gente ser injustamente condenada publicamente", diz o ministro das Relações Institucionais de Lula, Alexandre Padilha, justificando a manutenção de Filho no governo. Aparentemente, a presunção da inocência só parece se aplicar a ministros acusados de corrupção. ================================= Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW. Autor: Philipp Lichterbeck

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