Exploração de minerais para transição energética avança no Brasil – e impulsiona conflitos
Investimentos em energia limpa gozam de prestígio internacional, e o Brasil possui riquezas essenciais para a transição energética. Comunidades afetadas pela exploração de minerais, porém, sentem-se deixadas para trás.A corrida para assegurar os minerais críticos para a chamada transição energética é acirrada, e o Brasil tem papel crucial nesse processo. O país possui grandes reservas de cobre, níquel, nióbio e lítio, além da terceira maior reserva mundial de terras raras. Potências mundiais vêm buscando acordos com Brasília para garantir o suprimento desses minerais, que são componentes essenciais em muitas tecnologias de energia limpa, como veículos elétricos, turbinas eólicas e painéis solares. A demanda fez os investimentos em pesquisas no setor avançarem 240% na última década no país, passando de R$ 230 milhões para R$ 780 milhões, enquanto a extração avançou quase 40% no mesmo período. Mas a exploração desses metais também é responsável por conflitos que se proliferam pelo território nacional. Disputas por terras e poluição de recursos hídricos levantam o debate sobre a real sustentabilidade desses projetos. Entre 2020 e 2023, tais conflitos afetaram mais de 100 mil pessoas no país, segundo o recém-lançado relatório Transição Desigual: as violações da extração dos minerais para a transição energética no Brasil produzido pelo Observatório dos Conflitos da Mineração. Essas pessoas se veem confrontadas por um setor que conta com imenso apoio e potencial de crescimento. Num cenário favorável à descarbonização, a demanda por esses minerais deve atingir em 2050 um patamar seis vezes mais alto do que os níveis de 2020, estima a Agência Internacional de Energia (AIE). Investimento de grandes potências O Reino Unido já firmou uma parceria com o Brasil para novas pesquisas na área, e os Estados Unidos têm interesse em um acordo para integrar as cadeias brasileiras de fornecimento destes materiais. A União Europeia também busca assegurar seu suprimento com uma série de potenciais fontes, a exemplo de um acordo firmado com o Chile em 2023. Em todos os casos, há o receio de que a China, grande detentora de recursos como as terras raras, possa colocar em risco o suprimento global desses minerais. Para atender à demanda, o governo brasileiro anunciou neste ano que o fundo de incentivo à mineração com foco na transição energética contará com R$ 1 bilhão em recursos federais. Enquanto isso, empresas do setor se mobilizam para aprovar na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2780/2024, que desonera minerais críticos. Além da mineração em si, espera-se que o país se desenvolva para fornecer mais que matérias-primas. "Há ainda uma janela aberta de oportunidade", diz o diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Cesar Nery Ferreira. "Uma maneira seria através da produção de baterias de lítio, algo que conta com tratativas atualmente." Comunidades sentem o impacto da exploração No Vale do Jequitinhonha, que foi apelidado de "Vale do Lítio" por autoridades que visam impulsionar a exploração do metal na região, a extração vem causando uma série de problemas para os habitantes locais, incluindo desmatamento e alteração no curso dos rios. O povo indígena Pankararu é um dos mais afetados, e a liderança Cleonice afirma à DW que não vê vantagens na atividade para quem já vivia ali. "Não é progresso e nem desenvolvimento quando se explora a riqueza de um munícipio e se deixa somente a destruição para trás, sem atender a população", critica. Cleonice conta que aumentaram os casos de problemas respiratórios no local, e que o crescimento no fluxo de pessoas impulsionou a violência na região. Recentemente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou que o governo tem trabalhado no vale para que os investimentos tragam desenvolvimento, com recursos destinados para a saúde, educação e segurança. Cleonice afirma que as promessas de compensações feitas pelas mineradoras não vêm sendo cumpridas. Segundo ela, obras de infraestrutura demandadas pela população foram ignoradas, além de não ocorrer recomposição das matas ciliares e despoluição dos rios, algo que é visto com grande preocupação por ameaçar os recursos hídricos locais. Relatório contabilizou violações Foi justamente para dar visibilidade a violações que não vinham sendo contabilizadas em meio à euforia dos investimentos em energia limpa que Luiz Jardim, professor do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), decidiu participar da elaboração do relatório do Observatório dos Conflitos da Mineração. "A exploração dos minerais críticos é encarada como uma espécie de 'novo progresso', e as críticas aos efeitos colaterais dessa transição são vistas como oposição a um caminho sustentável, apresentado como um movimento inevitável", diz ele, que é um dos autores do estudo. As disputas em torno dos minerais de transição envolvem principalmente terra, água, saúde e trabalho. Questões envolvendo terras ocorrem em múltiplas dimensões que afetam a vida no local, normalmente resultando em desapropriações e inviabilizando a permanência dos moradores nestes territórios, explica Jardim. "As comunidades afetadas têm dificuldade de se mobilizar contra os projetos, normalmente localizados em zonas afastadas de grandes centros", diz o pesquisador. Segundo o relatório, os conflitos recaíram, especialmente, sobre pequenos proprietários rurais, trabalhadores e indígenas – afetados pela perturbação do ecossistema local mesmo que a exploração não aconteça dentro de terras indígenas. Mineradora norueguesa é campeã de conflitos O relatório aponta mineradoras internacionais como as principais responsáveis pelas violações de direitos das comunidades locais, ao lado de mineradoras nacionais, como a Vale S.A., e do garimpo. A liderança ficou com a norueguesa Hydro, responsável por 14% dos conflitos. Em um processo que corre na justiça holandesa, a empresa é acusada de poluir as águas do rio Murucupi e causar problemas de saúde e prejuízos econômicos à população nos municípios de Barcarena e Abaetuba, no Pará. Os afetados alegam problemas de saúde, como câncer, Mal de Alzheimer, doenças de pele, problemas de estômago e diarreia. O processo é movido na Holanda porque a empresa possui atividades subsidiárias no país. Em nota à DW, a empresa negou as acusações. Segundo a Hydro, a "principal alegação apresentada no relatório é o suposto transbordamento das áreas de armazenamento de resíduos de bauxita da Alunorte após fortes chuvas em Barcarena em 2018. A Hydro reitera que nenhum transbordo foi confirmado por mais de 90 inspeções no local, inclusive pelas autoridades competentes". A empresa afirma ainda que as atividades da Hydro são devidamente licenciadas, monitoradas e auditadas pelas autoridades competentes. Em julho, a Justiça Federal condenou a Hydro por contaminação ocorrida em Barcarena em 2009. A avaliação foi de que a empresa não tomou medidas para socorrer os ribeirinhos, compensar a ausência de água potável e minimizar os danos causados, além de ter sido a responsável pelo transbordamento de lama tóxica suficiente para contaminar os rios. A empresa nega e recorreu da decisão. Volatilidade dos preços pode afetar projetos Apesar do alto potencial de crescimento do setor, a volatilidade nos preços dos metais gera especulação sobre o futuro desses empreendimentos no Brasil. Além de um eventual abandono de projetos diante de preços mais baixos, há temores de que as mineradoras possam exaurir os recursos naturais para tentar aproveitar cotações mais altas, ou deixar de investir em segurança para aumentar o lucro das operações em curto prazo. Foi o que aconteceu em 2015 com a barragem de Fundão, em Mariana, no maior desastre ambiental já registrado na história do Brasil. A volatilidade nos preços teve papel importante no desinvestimento da barragem, o que contribuiu para a falta de prevenção, como demonstram estudos de caso. A Polícia Federal também apontou falhas de segurança, como a compra de materiais e equipamentos baratos, como explicações para o desastre. Um estudo realizado pela multinacional de consultoria e auditoria KPMG parece amenizar esses temores, ao indicar um aumento no número de mineradoras no Brasil que assumiram publicamente compromissos para garantir a segurança de suas barragens. Ferreira, do Ibram, também avalia que uma forte queda nos preços poderia levar ao fechamento de operações, mas não a riscos de segurança. "As exigências para exportação passam por critérios de governança ambiental, social e corporativa. Caso não se obedeça, há risco para a venda em muitos mercados", aponta. Autor: Matheus Gouvea de Andrade
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