Na memória do artista, ele reconhece a importância do ensino de cinema na Universidade de Brasília, em plena ditadura militar. Fica orgulhoso com a participação como ator em filmes de uma nova geração de cineastas e diz que se sente mais à vontade hoje escrevendo. Ele se reconhece como referência na cultura brasileira, mas entende que o reconhecimento fez parte da construção dessa figura social em que acabou se tornando.
Confira abaixo trechos da entrevista concedida por Jean-Claude Bernadet:
Agência Brasil - O senhor tem uma passagem importante pela Universidade de Brasília, ao participar da criação do curso de cinema na década de 1960. Pode rememorar essa história?
Bernadet - Naquela época, as universidades estavam se atualizando. Entendo que o primeiro curso universitário de cinema foi o de Brasília. As universidades recorreram a profissionais, já com renome, com obras realizadas, para compor o corpo docente. Houve muita pressão sobre nós, por parte da polícia e da reitoria. Em 1965, porém, houve demissão do corpo docente. Nós achávamos que se os militares nos queriam fora da universidade, eles que nos tirassem.
Em 1969, fui cassado pelo AI-5 com 24 professores da Universidade de São Paulo (USP), porque eu pertencia a essas duas universidades (UnB e USP).
Agência Brasil - O Brasil lembra, em 2024, os 60 anos da ditadura. Como era falar de cinema naquele começo do regime? O senhor era um jovem professor de 28 anos.
Bernadet - Primeiro, em 1965, na Universidade de Brasília, houve muitas greves. Então, eu e os alunos nos reuníamos para conversar e fazer projeção de filme. A gente se encontrava à noite para projetar filmes e discutir, sem quebrar a greve. À tarde, as salas de aula ficavam vazias.
Agência Brasil - Ainda sobre a capital, o senhor foi roteirista de “Brasília: contradições de uma cidade nova” (documentário de Joaquim Pedro de Andrade, de 1967). Foi importante esse filme para o senhor?
Bernardet - Sem dúvida. Naquela época, era realmente uma cidade nova, recém-inaugurada, e era muito curioso porque havia esses palácios, mas havia também a W3 (avenida comercial que atravessa as asas sul e norte). Era como uma rua principal de uma cidade de interior. Então era um ambiente muito, muito especial e, por outro lado, havia grande entusiasmo em relação à universidade.
Então, a gente estava sendo extremamente dinâmico e ativo porque tinha a impressão de estar construindo alguma coisa que depois foi reprimida. Mas o ânimo em Brasília, nesses anos, era muito intenso.
Agência Brasil - O que o senhor tem feito atualmente?
Bernardet - O que acontece é o seguinte... eu fiquei praticamente cego (teve uma degeneração na retina). Então, me distanciei muito do cinema.
Trabalhei com uma amiga, que é ex-aluna, Sabrina Anzuategui, e publicamos, no fim do ano passado, um livro (Wet Mácula), uma espécie de romance, e agora estamos trabalhando em outro livro. E só é isso. Eu faço pequenos poemas audiovisuais também, em média de seis minutos. Não são narrativas, mas justaposição de imagem.
Agência Brasil - Aproveitando que o senhor está falando sobre isso, aparecer como ator na frente da câmera não deixa de ser uma novidade na sua trajetória.
Bernadet - Atualmente, me sinto mais à vontade escrevendo. Eu escrevo com a Sabrina. Eu quase não vou ao cinema porque não enxergo a tela. Faço também esses pequenos filmes, de seis minutos em geral, com material de arquivo.
Recentemente, tive uma pequena participação no Nosferatu, do Cristiano Burlan. Fiz um curta-metragem como ator também com Pedro Goifman, filho do cineasta Kiko Goifman. Ele fez um pequeno filme e eu sou ator no filme dele.
A leitura é extremamente difícil para mim. Com a Sabrina, eu trabalho bem. A gente conversa e ela escreve. Um dos meus filmes, que é a Cama Vazia, entrou em mais de 40 festivais de cinema. No Brasil, o último filme é A Última Valsa, que também estará na mostra no CCBB.
Agência Brasil - O senhor fez o Cama Vazia com o Fábio Rogério. Trata-se de uma internação que teve?
Bernardet - Eu estava hospitalizado e o Fábio tinha comprado uma máquina de fotografar. E aí ele acabou fazendo essas fotos que são a base do filme. É sempre isso. Eu tento trabalhar no sentido de ter as condições, e depois surge a ideia. E não o contrário: ter uma ideia para fazer um filme.
Agência Brasil - Como é para o senhor contribuir com a formação desses novos cineastas?
Bernardet - Eu estava aposentado. Então, eles, digamos, me revitalizaram. O Filmefobia (do Kiko Goifman), para mim, foi fundamental, porque é um filme de que gosto muito. Eu vi outra perspectiva possível para mim.
Agência Brasil - O senhor tem acompanhado essas novas gerações de cineastas mais engajados em temas sociais?
Bernardet - Às vezes, não consigo enxergar e aí fico muito frustrado no fim da projeção. Eu fico tão frustrado assim porque não reconheço os atores, não vejo os atores. Então, infelizmente, não estou acompanhando.
Agora, quanto à questão do cinema negro, as pesquisas sobre cinema começaram há bastante tempo. E eu participei do início dessas pesquisas em São Paulo, em que um grupo de jovens negros estava começando a focalizar mais precisamente a negritude no cinema brasileiro
Agência Brasil - Dentro desses trabalhos, tem algum de que se orgulha mais?
Bernadet - Não classifico o que é o melhor, o mais intenso, etc. Então, por exemplo, essa produção de filmes de seis minutos, estou fascinado por isso agora. Assim como estou escrevendo com a Sabrina outro romance (com o título Viver o Medo).
Agência Brasil - Como espera que as pessoas recebam o seu trabalho nessa mostra de filmes?
Bernardet - Eu sou, em grande parte, uma construção social. Tudo isso faz de mim uma referência na cultura brasileira, mas eu considero que isso não é uma coisa tão individual. O reconhecimento de universidades e do CCBB, por exemplo, constroem essa figura social em que acabei me tornando.
Serviço
Mostra Bernardet e o cinema
CCBB DF (16/8 a 5/9)
CCBB SP (24/8 a 22/9)
CCBB RJ (28/8 a 22/9)
Entrada gratuita