Cerrado brasileiro passa pela pior seca dos últimos 700 anos, aponta pesquisa

A temperatura na região do bioma está aproximadamente 1 °C acima da média global, de 1,5 °C

11:17 | Jul. 01, 2024

Por: Gabriel Damasceno
Cerrado tem alta de 19% nos alertas de desmatamento em fevereiro (foto: Adriano Gambarini/WWF Brasil/Divulgação)

O cerrado brasileiro passa pela pior seca dos últimos 700 anos, de acordo com uma pesquisa publicada pela revista Nature na quarta-feira, 26. Conforme os autores do estudo, os efeitos do aquecimento global têm sido mais intensos na região central do País. As informações são da Agência Fapesp.

A temperatura na região do bioma está aproximadamente 1 °C acima da média global, de 1,5 °C. A situação, segundo a pesquisa, tem gerado um distúrbio hidrológico: a água da chuva está evaporando antes de se infiltrar pelo solo devido à temperatura. A anomalia traz uma série de consequências: mudanças no padrão de chuva, menor recarga nos aquíferos etc.

Para reconstituir o clima dos últimos 700 anos, o estudo correlacionou dados de temperatura, vazão, precipitação regional e balanços hidrológicos da Estação Meteorológica de Januária — que conta com registros desde 1915 — com as variações da composição química de estalagmites da Caverna da Onça do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais.

“Com o uso de dados geológicos foi possível expandir a percepção da seca causada pelo aquecimento global para um período bem anterior ao dos registros meteorológicos. Dessa forma, conseguimos fazer a reconstituição do clima até sete séculos atrás”, destaca Francisco William da Cruz Júnior à Agência Fapesp. Ele é professor do Instituto de Geociências (IGc-USP) e um dos autores do estudo, que foi liderado por Nicolás Strikis, do mesmo instituto.

“[A análise] permitiu não somente provar que o cerrado está mais seco, mas que a origem dessa seca tem relação com o distúrbio do ciclo hidrológico causado pelo aumento da temperatura induzida pela atividade humana na emissão de gases do efeito estufa”, continua.

Segundo o professor, os dados revelam que a temperatura começou a aumentar a partir dos anos 1970. “O fato é que ainda não atingimos o pico de aquecimento. Portanto, a expectativa é que esse fenômeno piore ainda mais.

A Caverna da Onça, analisada no estudo, é diferente de outras cavernas estudadas pelos pesquisadores no passado. Ela é aberta e localizada no fundo de um cânion com 200 metros de profundidade e está sob influência da variação de temperatura externa.

“Trata-se de um trabalho inédito, pois geralmente estudamos cavernas em um ambiente fechado, com a circulação de ar muito restrita e a temperatura estável ao longo do ano. A conexão da Caverna da Onça com o clima externo nos permitiu avaliar que a seca também altera a química das formações rochosas de cavernas”, explica.

“O aumento da evaporação causada pelo maior aquecimento diminui a recarga de água que alimenta os gotejamentos na caverna. Foram essas mudanças químicas na rocha, associadas à evaporação da água, que nos mostraram que estamos vivenciando uma seca sem precedentes”, ressalta o professor.

A pesquisa foi conduzida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da National Science Foundation, dos Estados Unidos.