USP barra cotistas de Direito e Medicina, e famílias decidem recorrer à Justiça

Na mesma semana, a Universidade de São Paulo (USP) foi processada por dois jovens que receberam recusa da comissão de heteroidentificação por não serem considerados pardos

15:18 | Mar. 02, 2024

Por: Agência Estado
Alison dos Santos, de 18 anos, e Glauco Dalalio, de 17 anos, entraram com uma ação judicial contra a USP após cancelarem suas matrículas (foto: Reprodução)

A Universidade de São Paulo (USP) está sendo processada por barrar a matrícula de Glauco Dalalio do Livramento, de 17 anos, Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, estudantes que não foram considerados pardo pela comissão de heteroidentificação da instituição.

Glauco havia sido aprovado em Direito por meio do Provão Paulista, a partir de cotas reservadas para pretos, pardos e indígenas (PPIs). A mesma situação ocorreu com Alison, só que o jovem foi aprovado para Medicina, porém, recebeu a mesma recusa. A USP não comentou sobre ambos caso.

Ordilei Lopes do Livramento, pai e representante legal de Glauco durante o processo, conta que a avaliação aconteceu por videochamada no dia 9 de fevereiro, com a negativa sendo enviada na sequência.

Aprimoramento

Para especialistas em diversidade racial e cotas, como Juarez Xavier, ex-presidente e responsável pela criação da comissão de heteroidentificação para cotas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é inegável o avanço proporcionado pelas cotas raciais em relação ao aumento de diversidade nas universidades públicas do País.

Mas o processo de implementação de bancas avaliadoras assertivas é longo e deve ser discutido com a sociedade civil. "Na Unesp, aprimoramos essa ferramenta ao longo do tempo e hoje temos um nível de assertividade bastante alto", afirma ele, professor de Jornalismo da Unesp e membro do Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão. A Unesp tem uma comissão do tipo desde 2016 Já a USP só criou a sua comissão em 2022.

Márlon Reis, advogado, coordenador jurídico da Educafro e secretário geral da Comissão Nacional de Direitos Difusos e Coletivos do Conselho Federal da OAB, afirma ser "imprescindível que as comissões de heteroidentificação sejam devidamente capacitadas para distinguir entre indivíduos brancos com características fenotípicas pardas e aqueles de perfil efetivamente negro".

Para Xavier, quanto mais diversa é a banca de avaliação, mais precisos são os resultados. "No nosso caso, temos até um professor branco que tem sido fundamental."

STF

Além disso, ter objetivos claros quanto às características físicas que se enquadram no perfil de pessoas pardas - normalmente, são as que mais sofrem com negativas contestadas, por conta da birracialidade - é "fundamental", segundo o especialista. O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, em 2017, quais características devem ser consideradas em concursos e vestibulares.

Segundo a USP, sua banca de avaliação considera o conjunto de fatores fenotípicos: a cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos - mesmos critérios propostos pelo STF.

Beatriz Bueno, produtora cultural e pesquisadora sobre parditude da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que faltam instruções para as bancas avaliadoras sobre características ambíguas de pessoas pardas e como avaliá-las. "É preciso evoluir muito na política em relação ao reconhecimento das pessoas pardas. Os critérios devem ser diferentes para pardos e pretos, mas não só isso. Devem levar em consideração a regionalidade da pessoa que está se autodeclarando", afirma.

Segundo ela, em cidades onde grande parte da população é preta, como Rio e Salvador, a interpretação sobre pardos tende a ser diferente da que ocorre em cidades do Sul.