Legados e desafios: 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos

Do pós-guerra aos dias atuais, como carta tem ajudado a garantir as liberdades fundamentais do indivíduo

08:00 | Dez. 10, 2023

Por: Gabriela Almeida
Foto de apoio ilustrativo: crianças estão entre aqueles que fazem parte dos grupos considerados vulneráveis (foto: Agência Brasil)

Era 10 de dezembro de 1948 quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi constituída, firmando um compromisso, a nível global, com pilares fundamentais à manutenção da sociedade. Completando 75 anos neste domingo, 10, documento ainda enfrenta desafios, como o autoritarismo que tem colocado o mundo, incluindo o Brasil, em constante retrocesso quanto aos princípios humanos.

Carta foi promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) após o fim da Segunda Guerra Mundial e surgiu como resposta aos crimes contra a humanidade realizados no conflito. Quase como uma necessidade iminente de garantir e resguardar a vida e as liberdades fundamentais, após o mundo presenciar um extermínio de pessoas em razão de questões como religião, cor ou sexualidade. 

Documento reúne 30 artigos e foi o primeiro a se comprometer universalmente com os direitos humanos, sendo assinado por diversos países, de culturas distintas, incluindo o Brasil. Por meio do ato, nações se comprometeram a "promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades".

Conforme Patrícia Oliveira, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Ceará (OAB-CE), a declaração é o documento "mais traduzido do qual se tem notícias no mundo".

"Ela (declaração) traz o mínimo ético político sob uma visão do que é o básico (...) A ideia de direitos humanos deveria ser a ideia do mínimo, mas hoje é como se fosse ainda uma utopia para grande parte da população mundial. Falar dos direitos humanos é falar os direitos em inúmeras dimensões", destaca.

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Segundo ONU, a Declaração dos Direitos Humanos é dividida em seis principais fatores, sendo eles:

1 – Universalidade e inalienabilidade: todas as pessoas em todo o mundo têm direito a eles (direitos humanos). Ninguém pode voluntariamente desistir deles. Nem outros podem tirá-los dele ou dela.

2 – Indivisibilidade: direitos humanos são indivisíveis. Não existe um direito “menor”. Não há hierarquia de direitos humanos.

3 – Interdependência e inter-relação: a realização de um direito muitas vezes depende, no todo ou em parte, da realização de outros. 

4 – Igualdade e não discriminação: todos os indivíduos são iguais como seres humanos e em virtude da inerente dignidade de cada pessoa humana. Todos os seres humanos têm direito a seus direitos humanos sem discriminação de qualquer tipo.

5 – Participação e inclusão: cada pessoa e todos os povos têm direito à participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento civil, político, econômico, social e cultural, por meio do qual os direitos humanos e as liberdades fundamentais podem ser realizados. 

6 – Responsabilização e Estado de Direito: os Estados e outros detentores de deveres têm de cumprir as normas e padrões legais consagrados nos instrumentos de direitos humanos.

Marco: Declaração inspirou constituições e tratados

Após ser promulgada, a Declaração dos Direitos Humanos inspirou diversas constituições nacionais, como a brasileira, e tratados internacionais, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

De acordo com Patrícia Oliveira, a carta foi um marco na história por ter sido a primeira a firmar o compromisso com direitos humanos a nível global. Além disso, a advogada pontua que o documento trouxe uma noção que serviu como base para aperfeiçoar e abrir caminhos a outras declarações.

"(Carta) abriu caminhos para outras declarações (...) Uma construção histórica que vai sendo aperfeiçoada. (Ela) traz a noção da universalidade dos direitos humanos que vai sendo trabalhada e construída a partir de uma ideia que contempla cada vez mais a diversidade cultural", pontua.

Desafios: como garantir o cumprimento dos princípios

Ainda conforme Patrícia Oliveira, o maior desafio para garantir o cumprimento dos princípios estabelecidos na declaração é fazer com que estados e nações "assumam compromissos" que foram firmados. "A ideia de direitos humanos precisa ser realmente compreendida e defendida por todos", destaca.

No Brasil, houve nos últimos anos um movimento contrário a essa idealização, com o crescimento do autoritarismo que firmou o compromisso com direitos humanos como sendo "coisa de bandido". De acordo com a advogada, essa é "uma construção autoritária que criminaliza a luta por direitos humanos".

Wanessa Brandão, Coordenadora Especial da Secretaria da Igualdade Racial do Ceará, destaca ainda que o País enfrenta outros desafios quanto ao cumprimento dos princípios estabelecidos na declaração.

"Um dos principais desafios é entender que o Brasil precisa reconhecer a escravidão como crime que deve ser reparado. Está mais que (provado) que os piores índices de desigualdades sociais no nosso País são protagonizados (de forma negativa) pela população negra, o que nos leva a refletir que não podemos mais ignorar que os problemas da nossa sociedade não são somente sociais mas também raciais", pontua.

Além disso, Brandão, que também é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (Nuafro), destaca que autoridades brasileiras ainda precisam "entender a segurança pública como direito humano" e "enxergar os dados de violência com seriedade".

Como denunciar casos de violação dos Direitos Humanos

A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou, somente no primeiro semestre de 2023, um total de 244.717 denúncias de violações de direitos humanos, considerando todas as categorias vulneráveis. 

De acordo com orgão, dentre os indivíduos inclusos nesse segmento estão imigrantes e refugiados, grupos minoritários, população em situação de rua, crianças e adolescentes, mulheres, população LGBTQIA+, pessoas idosas e pessoas com algum tipo de deficiência.

Para denunciar violências de qualquer tipo contra esses grupos basta utilizar o Disque 100, serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH).