“A Amazônia é muito particular e agora está na moda, e isso me preocupa muito também. Porque todo mundo agora na Faria Lima [rua de São Paulo e símbolo do mercado financeiro] sabe o que é a Amazônia. Um dia desses eu vi o Pacto Global [evento em setembro que foi lançado um movimento para preservação da Amazônia] e eu fiquei muito esperançosa lá na ONU. Mas não tinha um pensador amazônico, não tinha um artista amazônico, não tinha um fotógrafo amazônico, não tinha um jornalista amazônico, não tinha um intelectual amazônico. Mas fazer a figuração serve. A comunidade indígena é um dos povos amazônicos que acredito ser o mais explorado, como caricatura. Nós temos uma cultura, temos uma história, cada risco daquele tem um sentido. Cada estampa no corpo tem um sentido. Então, não dá para banalizar o que nós somos. Nós somos muitos povos. Somos quilombolas, somos extrativistas, somos ribeirinhos, somos mulheres e homens da cidade, homens e mulheres da floresta. E todo esse povo que gira nessa região mágica, banhada de águas poderosas que estão secando pela sede de quem vem de fora”.
“Nós precisamos de dinheiro, nós precisamos de recurso, nós precisamos de holofote, mas antes de tudo precisamos de respeito. É usar a marca Amazônia, que é a mais poderosa do planeta. Então, a gente tem que estar muito atento. Se vocês observarem, todas as campanhas que fizeram de preservação da Amazônia no Sul, nenhuma teve a minha cara. Nenhuma. Nenhuma. Porque eu não me ajeito, não faço grupo. Eu tenho uma liberdade, sou muito amazônica”.
Mulheres paraenses
“O corpo que me veste é esse. Por isso aquela polêmica toda da foto da Vogue [revista que Fafá fez um ensaio nu no último mês de outubro]. Aí o Bob [Wolfenson, fotógrafo] falou: Fafá, você tira a roupa para mim? Eu disse: Para você eu tiro. Ele falou: ‘sai todo mundo, porque a roupa que te veste é o teu corpo’. Eu estou plena. Porque nós vivemos assim, tira a roupa entra no igarapé. Nós temos o prazer da água na pele, do sol. Isso não quer dizer que as nossas meninas têm que ser prostituídas e nem estupradas no Marajó. Elas apenas são meninas em desenvolvimento. Têm que ser respeitadas. Essa região é a região feminina. Somos as amazônicas, somos as amazonas e somos as encaminhadas. Mas foi sendo substituídos pelo machismo, pelo dono da fazenda queria uma virgem no dia da lua cheia. E essas mulheres foram se habituando, como se fosse cultura. Não é cultura, é mau hábito. E a gente tem que combater tudo isso.”
“Eu acho que o componente fundamental da vida é a leveza, sabe. E ter Dona Onete, começando uma carreira com 70 anos. Então, em que outro lugar isso vai existir na vida? Clementina [de Jesus] explodiu aos 60, mas já ralava desde o 16. Dona Onete resolve cantar aos 70 anos, explode para o mundo com 75. Nós somos um povo diferente. Você vê a Dira [Paes, atriz paraense], Dira continua com 16 anos! [risadas]. Uma mulher fabulosa. E aí vem todos, né? Vem Gabi [Amarantos], vem Joelma, que é um fenômeno. Vem Aíla, Almirzinho [Gabriel], Trio Manari, Nilson Chaves. Tem muita coisa. Nós temos uma coisa transversal, de muitas coisas que vieram para cá”.
O mercado musical
“A internet democratizou a chegada ao público, mas tem as rádios feitas em São Paulo que massificam os sucessos. Ou seja, o velho jabá nunca saiu de cena. Só que num lugar de um liquidificador, que o cara levava no final da semana, hoje são prêmios negociados para dar visibilidade e fazer sucessos reais, porque as pessoas gostam, porque elas só ouvem aquilo. Mas a internet abriu uma possibilidade muito interessante, que eu digo que é de inteligência. O jovem brasileiro hoje tem possibilidade de achar coisas que ele não tem acesso. Não só o jovem, todos.
“O que eu critico muito nas plataformas é que você não sabe quem é o arranjador, não sabe quem são os músicos, não sabe que estúdio foi feito. E acabaram com uma coisa chamada direito conexo. Para mim, essa é a pior possibilidade que aconteceu na música. Porque se você gravasse uma música e vendesse um milhão de cópias e eu gravasse a mesma música e vendesse 5 mil cópias, toda a equipe produtora, todo mundo que fez aquele sucesso, ganhava o equivalente percentual de um milhão de cópias ou de 5 mil cópias, pelo público que a atingiu. Então, o técnico do estúdio, o produtor, o assistente de estúdio, os músicos. E hoje você não sabe nem quem toca”.
Projetos
“Eu tenho agora um projeto na minha cabeça, que vou fazer, que é um projeto de samba-canção, que eu amo a geração de samba-canção. Já tenho trabalhado muito, mas ainda preciso de patrocínio. Mas vamos fazer. Quero cantar Dolores Duran, Nora Ney, tudo, tudo. Aquele livro, ‘A Noite do Meu Bem’, do Ruy [Castro], que é maravilhoso. Porque eu era criança, cantava aquilo. ‘Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire’ [autoparódia de Antonio Maria para ‘Ninguém me Ama’].
“Dia 25/11, agora, eu estreio em Porto Alegre um show chamado ‘A Filha do Brasil’, com temas de novela e grandes sucessos. Mais temas de novela, eu não nasci numa novela, nasci com o ‘O Filho da Bahia’ [tema da novela Gabriela, de 1975]. Nasci em uma novela e tenho mais de 60 temas de novela. Temas de novela que eu adoro, sou noveleira. A gente estreia agora, a gente faz [show em] São Paulo, dia 16 de dezembro, faz Rio dia 2 de fevereiro. Aí tem carnaval e a gente estrutura a turnê para o resto do ano que vem”.
“E sou samba-enredo da escola de samba da São Paulo, da Império da Casa Verde [Fafá é a homenageada, com o tema ‘Fafá, a cabloca mística em rituais da floresta’]. É lindo, lindo. Mas eu me perco toda. Espero que se fale muito de Belém, se faça muito. E fale das nossas lendas, como nós somos leves”.
*O repórter viajou ao MICBR a convite do Ministério da Cultura