O que a inspirou também foi o fato de ter perdido anos letivos no ensino fundamental porque não conseguia chegar à escola por falta de transporte. “Entrei na faculdade em 2019 para cursar ciência e tecnologia. Depois, fiz o Exame Nacional do Ensino Médio novamente e entrei em direito”. O exemplo de Franciele fez com que outros jovens também sonhassem com o ensino superior. “Agora temos o total de oito pessoas da comunidade na universidade pública”.
Ela lamenta, entretanto, que precisa passar por dentro da Vila Naval e tem até o acesso negado. “A gente não tem iluminação pública, nem água encanada, nem esgotamento sanitário”. Toda vez que pensa em desistir, em função de estudar no período noturno, lembra da força da mãe.
“Uma mulher de força, luta e inspiração. Agora a gente espera que esse esforço dela não tenha sido em vão. Foi um pedido de socorro a carta que ela entregou nas mãos do presidente. Eu e ela sentamos e a gente escreveu essa carta na madrugada daquele dia”.
A Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) trabalha em apoio às necessidades da comunidade quilombola Rio dos Macacos. Assessores jurídicos da entidade ouvidos pela reportagem entendem que o Ministério Público tem apoiado as ações para que o Estado Brasileiro cumpra o dever de cuidar daquelas pessoas. Mas explicam que há um longo caminho para a garantia desses direitos diante de tanta desassistência.
Problemas, inclusive, que são antigos, e que datam da década de 60. Violações contra a comunidade foram registradas pelo documentarista baiano Josias Pires Neto. Mesmo assim, a Marinha nega que haja registro de violência. O primeiro filme foi um curta, Quilombo Rio do Macaco, lançado em 2011.
Depois, veio o longa Quilombo Rio dos Macacos (lançado em 2017).
Os trabalhos têm direitos abertos de exibição. “Os filmes foram importantes para mostrar que existiam quilombolas com mais de 90 de idade e que não era invasores. Eles já estavam ali”.
O documentarista explica que, desde a construção da Vila Naval, onde iriam morar os militares que serviriam naquela organização militar, os quilombolas trabalharam nas casas dos militares.
Depois os conflitos foram crescendo com histórias de humilhação e violência, segundo o documentarista. Conforme testemunha o cineasta, as situações ficam rígidas ou flexíveis a depender do comandante que serve na base. Ele entende que dar visibilidade à comunidade ajudou para que os quilombolas não fossem expulsos do local, como se fossem invasores. "Um acordo judicial foi viabilizado".
“É uma comunidade muito frágil e sem acesso a direitos humanos básicos e fundamentais. A luta continua para que eles possam ter pelo menos o uso compartilhado da represa porque é uma área em que eles pescam”.
Quase 10 anos depois do último filme, as imagens ainda são difíceis, mas também são de luta, de madrugadas em claro e de uma carta com pedido de esperança.