O Brasil perdeu Simone Simões, uma idiossincrática mulher
Antropóloga e professora aposentada da UFC morreu nessa sexta-feira, 21. Amigo e colega, o historiador Américo Souza escreve texto sobre o legado da referência nacional em Teoria AntropológicaOriginada do grego “idiosugkrasia”, cujo significado é temperamento particular, idiossincrasia era uma das palavras preferidas da professora Simone Simões Ferreira Soares. “Nossas idiossincrasias — dizia ela — são o que nos faz únicos”. Simone foi em tudo uma mulher única, invulgar.
Nascida na década de 1940, priscas eras em que o cerceamento da liberdade feminina era ainda maior que hoje, vislumbrou na formação universitária um caminho para ser independente, mas não qualquer formação, já aos 16 anos ela decidira que seria antropóloga e, por essa convicção, após concluir o científico, trabalhou por seis anos como secretária escolar, até que, em 1968, foi criado o Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Formada na primeira turma, em 1971, prestou concurso para docente da própria UFC em 1973. Aprovada, foi impedida de assumir, sob alegação de que fora presa em 1970 por suspeita de atividades subversivas, que era o nome que a ditadura militar dava às ações em defesa da liberdade.
Somente pôde assumir o cargo em 1975, quando, deu início a uma carreira acadêmica sólida, sempre elegantemente calçada em seu salto 10 e ornada com seus brincos gigantes. Carreira que a levou a cursar o mestrado (1980) e o doutorado (1992) em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB). Carreira que não terminou com sua aposentaria (2010), pois não havia perigo de ela abandonar seus alunos! Tornou-se professora voluntária e se manteve ativa ainda por mais de uma década.
Simone nos deixou no último dia 21 de abril, poucas semanas antes do seu aniversário. Uma sexta-feira, dia importante para ela pois era dia de aula, que começava na sala da universidade e depois se transferia para uma mesa de bar, onde, livre de muletas teóricas e falas com nota de rodapé, seguia dando lições acadêmicas e de vida.
Simone viveu intensamente a Antropologia e a docência. Longe da vaidade e da obsessão por publicações e conferências, tão características do meio acadêmico, preferiu seguir por um caminho próprio e muito pessoal de acolher e apoiar jovens estudantes, muitos dos quais tiveram no cuidado e na atenção que dela recebiam o estímulo para ousar querer uma carreira acadêmica.
A sua maneira Simone contribuiu significativamente para formação de uma geração de acadêmicos competentes e apaixonados pelo privilégio de ensinar, e este é o maior legado que ela nos deixou, que somente os idiotizados de mente e espírito não conseguem enxergar.
Por Américo Souza, historiador e professor da Unilab