A moradora relata seu temores. "Fico com medo de o meu esposo sair do trabalho. Fico com medo de meus filhos saírem do trabalho. As crianças não podem ir para a escola. O posto de saúde não funciona. É uma agressividade tão grande. Quando dá 5h da tarde, a gente pergunta para os vizinhos: 'Já acabou? Já foram embora?'. É muito triste", acrescenta.
Por meio dos depoimentos das mulheres, os pesquisadores buscaram identificar também comportamentos diante da morte de um filho ou de um ente querido. Eles indicam que a exposição na mídia, muitas vezes de forma depreciativa, pode gerar raiva e indignação. Com o tempo, as mulheres buscam lidar com a perda de outras formas: algumas, por exemplo, se engajam em organizações de base comunitária ou de luta política e outras tentam ocupar seu tempo com o trabalho.
O estudo também associa a violência armada a quadros de síndrome do pânico e de transtornos alimentares. Aponta ainda que a piora da saúde mental pode estar vinculada ao desenvolvimento ou agravamento de doenças como hipertensão e diabetes. Além disso, os confrontos geram impactos negativos para o enfrentamento de casos de violência doméstica: alguns serviços responsáveis por proteger as mulheres vítimas desses crimes se recusam a entrar no território.
Proteção
O estudo buscou entender também as estratégias adotadas pelas mulheres diante da violência armada. Foram identificadas medidas variadas. O uso de roupas brancas ou claras foi citado e justificado pela percepção de que a polícia interpreta o uso do preto como adesão aos grupos armados. Outra estratégia é o acompanhamento de redes sociais e serviços de mensagem, por onde se informam sobre a dinâmica do território, incluindo a ocorrência de confrontos.
Mulheres disseram ainda que trancam a porta e se escondem em locais mais afastados e protegidos da casa quando as operações policiais estão em curso. Uma entrevistada negra relatou ter o hábito de guardar os comprovantes de compra dos bens que tem em casa, para provar que seu patrimônio é legal.
Entre aquelas que moram sozinha, também foi mencionada a preferência de ir para as ruas, onde se sentem menos expostas ao risco de assédio sexual pelos agentes de segurança pública, caso eles invadam suas residências. Em algumas das 16 favelas do Complexo da Maré, a reunião de mulheres em espaço público para se protegerem coletivamente é comum. Os pesquisadores também observaram a existência de esforços voltados para a criação coletiva de redes de cuidado, que proporcionam melhor qualidade de vida e oferecem ambiente de amparo e reflexão.
Isabel Barbosa afirmou que o estudo reúne informações úteis para a elaboração de políticas públicas. Os próprios pesquisadores fazem recomendações que envolvem, por exemplo, mudanças no modelo de segurança pública, implantação de equipamentos de saúde e de acesso à Justiça voltado para mulheres, capacitação de profissionais que atuam no territórios e elaboração de programas de reparação para mães e familiares de vítimas de violência armada.
Também são sugeridas políticas de implementação de atividades artísticas e corporais como estratégia de promoção de saúde física e mental, como a realizada no âmbito da pesquisa. "A falta de alternativas ou a existência de alternativas precárias de cuidado faz com que a mulher se veja muitas vezes isolada. Um acolhimento é muito importante diante de todo esse sofrimento que elas passam. E nessas atividades artísticas, conseguem olhar para si, se cuidar. E, muitas vezes, isso abre espaço para outros tipos de expressão. Quando você sofre uma violência, a tendência é se isolar e se silenciar. Então, esses espaços de expressão são importantes", acrescenta Isabel.
Amanda Jerônimo da Silva, 29 anos, aprova. "As mulheres dão um bom apoio. Cada uma conta seus problemas. Às vezes, é uma chorando daqui, outra de lá. Melhorou a minha sabedoria, meu jeito de agir com todo mundo. A gente ri, brinca, a gente entende o sentimento da outra. Às vezes, uma não quer ir porque está angustiada com alguma coisa. A gente vai à casa dela e busca, conversa. Acaba criando aquele afeto de mulher para mulher".