Ataques em escolas estão mais frequentes no Brasil: qual o papel de pais, educadores e governos?

Caso no interior de São Paulo chama atenção para os contextos das escolas e da adolescência na atualidade. Desde 2002, 23 ataques foram registrados no País; nove deles foram nos últimos nove meses

16:03 | Mar. 28, 2023

Por: Marcela Tosi
ESCOLA Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, onde aconteceu um ataque nessa segunda-feira, 27 (foto: Reprodução/ Twitter )

Nos últimos 21 anos, pelo menos 23 escolas do Brasil registraram ataques de alunos e ex-alunos. Foram 22 ações violentas desde 2002. Sete ataques ocorreram somente no segundo semestre de 2022 e dois foram neste ano.

O trabalho é do Grupo “Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública”, coordenado pela professora Telma Vinha, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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A pesquisa detalha que 12 ataques envolveram armas de fogo. Os ataques foram protagonizados por 16 alunos e 12 ex-alunos – em três situações a ação foi em dupla. O mais jovem dos atiradores tinha 10 anos e o mais velho, 25 anos.

Quanto ao perfil das escolas, 12 eram estaduais; seis municipais; quatro particulares e um cívico-militar. Ao todo, 36 pessoas morreram nessas ações, incluindo cinco autores dos ataques.

Ana Ignez Belém, professora de Psicologia na Uece, lembra que “não se pode abordar a violência na escola como um sintoma separado do que acontece na sociedade”. Ela entende que os ataques são “uma expressão de como nós, enquanto sociedade, temos lidado com o humano”.

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“A escola é o espaço onde nos socializamos de um modo mais sistemático desde novos e passamos cada vez mais tempo nessa instituição, principalmente agora com as escolas de tempo integral. Ela tem um lugar simbólico como espaço de troca e partilha, mas é também um lugar concreto que nem sempre atende a essa expressão simbólica”, aponta.

Essa incompatibilidade se mostra, por exemplo, na ausência de condições dignas de trabalho e de formação adequada para os professores. Políticas públicas insuficientes para apoiar os territórios em contexto de violência urbana e os sujeitos em vulnerabilidade; a mentalidade de foco nos resultados e competição; e o afastamento em relação às famílias são outros fatores apontados pela especialista.

A educação para as emoções durante a adolescência

 

Ticiana Santiago, psicóloga e doutora em Educação, aponta a importância da psicoeducação e de oportunizar recursos expressivos, como jogos, brincadeiras, esporte, música e teatro, de acordo com os interesses e necessidade de cada criança. “A violência tem uma dimensão simbólica, ela quer expressar algo. Na infância e adolescência, a personalidade está sendo construída e o acesso às emoções está sendo significado. Essas situações são importantes para encontrar um equilíbrio”, explica.

Ela enfatiza que a adolescência é um período crítico e importante para a construção da identidade. “O que se vive nessa fase da vida tem um efeito muito marcante na estruturação da personalidade. Os sentimentos nesse momento são amplificados e precisam de mediações sociais para tais emoções”, continua.

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“A adolescência é um período de crise no sentido de mudanças. Os adolescentes estão sentindo na pele os hormônios, o papel social que ocupam, a pressão dos amigos, os conflitos identificados na família, mas cada um vive de uma forma em seu contexto social”, articula. “O professor personifica essa mediação dos sentimentos e muitas vezes sem a rede de apoio necessária. Não à toa a gente tem, dentre as doenças laborais, muitos professores com depressão e professores que estão reproduzindo as violências. Educação não se faz sozinho, se faz com rede de apoio.”

O caldo social que incentiva ou previne as violências

Como aponta Alessandra Xavier, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções sobre a Saúde da Criança e da Adolescência (Nusca), “existe uma dimensão da conduta humana que é imprevisível, mas é possível ter alguns indicadores de pessoas que estão sofrendo bullying, de comportamentos autodestrutivos, de condutas violentas, de admiração à violência”.

“Nos últimos anos, inclusive por parte dos governos, há um apoio e um incentivo ao ódio, à violência, à resolução das coisas na base da destrutividade, ao uso da arma como elemento de identificação da masculinidade”, afirma. “Uma prática educativa precisa entender que aquele sujeito precisa se apropriar dos conhecimentos historicamente acumulados pela sociedade e desenvolver um espírito crítico científico, mas, acima de tudo, aprender a conviver, desenvolver relações de empatia, construir recursos para lidar com as emoções difíceis que nos habitam.”

Alessandra expõe que esse entendimento precisa estar inserido nos projetos pedagógicos e ser trabalhado de forma interdisciplinar, não apenas em ações pontuais. “Para isso a gente precisa das políticas públicas, das famílias, dos profissionais que trabalham com os estudantes, da sociedade civil. É necessário refletir sobre que tipo de sociedade estamos colocando à disposição para se responsabilizar pela construção das questões sociais e emocionais”, diz.

“O contexto de violência que vai sendo gestado através dos meios de comunicação, das referências políticas, do contexto socioeconômico. Todo esse caldo contemporâneo vai interferindo nos processos de desenvolvimento e nos modelos de identificação dos adolescentes. Precisamos de um olhar amplo para como a dificuldade de lidar com a diferença vai aumentando a violência em cada cidadão”, concluiu.

Como as escolas previnem a violência no Ceará?

 

A Secretaria da Educação (Seduc) afirma que orienta suas escolas a desenvolver ações de acolhimento, entendido como um processo constante e sistemático. “Essa ação inclui pais, responsáveis, alunos, professores e todos os profissionais que atuam nas escolas”, declara em nota.

A pasta está implantando as comissões de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente na rede pública estadual, em parceria com o Ministério Público. A Seduc aponta também que conta com assistentes sociais educacionais e tem ampliado o número de psicólogos educacionais.

Desde 2018, a rede de escolas estaduais atua com base na Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais, que designa professores diretores de turma. Esses profissionais desenvolvem o programa Diálogos Socioemocionais, que aborda competências como autogestão, amabilidade, engajamento com o outro, resiliência emocional e abertura ao novo.