Feminicídio: página "Quem ama liberta" conta histórias de mulheres mortas

A página no Instagram "Quem ama liberta" faz um memorial de vítimas de feminicídio em busca de visibilidade e justiça

Em 2007, Regina Célia perdeu uma de suas filhas para o feminicídio. A filha Priscila Regina Jardim, 29, foi assassinada por terminar um namoro de dois meses. Infelizmente esse não é apenas um caso isolado.

No Brasil, de acordo com dados do Monitor da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apenas em 2022, foram 1,4 mil mulheres mortas - uma a cada 6 horas, em média. Desde que a lei de feminicídio entrou em vigor, em 2015, este número é o maior registrado no País.

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Em entrevista à Rádio O POVO CBN, neste sábado, 11, Regina falou sobre a página “Quem ama liberta”, da qual cuida desde a morte da filha. Ela é professora aposentada, graduada em Letras, especialista em Linguística e acadêmica de Direito. Ela conta que no início, a página foi criada para postar fotos da filha e para saber mais sobre o assunto.

“Em 2007 eu fiquei perplexa com os números e, como professora e mãe de quatro meninas, eu não conhecia esse problema do meu País. Então resolvi começar a mostrar”, comenta.

Seu objetivo, além de mostrar a dura realidade que o Brasil enfrenta sobre a violência contra mulheres, é conseguir criar uma Organização Não Governamental (ONG), que ofereça uma casa de acolhimento.

A divulgação de casos de feminicídio na página é um trabalho constante. Mesmo divulgando os casos e com a triste realidade à mostra para todos, Regina comenta sobre a subnotificação de casos, principalmente quando referem-se a mulheres em situação de vulnerabilidade social.

“Agora em junho vai fazer 15 anos que todos os dias, todas as noites, eu vou para o Google, pesquiso em todos os jornais. Às vezes os casos de mulheres em mais situação de vulnerabilidade a gente não acha nos grandes jornais”, conclui.

Na entrevista, a âncora do programa O POVO da tarde, Maísa Vasconcelos, pergunta sobre como Regina consegue lidar com a divulgação de tantas mortes em sua página, se aquilo não gera um gatilho emocional. Maísa comenta sobre a dor que sentiu ao entrar na página “Quem ama liberta” e ver tantos casos de feminicídio juntos: “me traz uma dor tão profunda. E eu não tenho nenhuma história como essa”.

Em resposta, Regina fala: “apesar de eu sofrer, eu senti uma dor, eu concordo muito com a Djamila Ribeiro quando ela diz que aquilo que não é visto não é discutido. Então, por mais que doa, é uma necessidade de mostrar, para que a sociedade abra os olhos”.

Regina segue falando o que vem constatando ao longo dos anos com a página. “Eu comecei a perceber que é só quando elas começam a ver o rosto, quando elas começam a ver o nome, que os olhos começam a se abrir, como aconteceu comigo”.

Além da divulgação, a página serve como apoio para as famílias das vítimas. Como uma espécie de acolhimento. “Esse trabalho com as famílias é muito importante para mim, me faz sentir útil. O sofrimento não é só meu. Então eu não posso ficar nesse egoísmo de ‘eu não quero sofrer, eu deixo para lá, eu não vou ver mais’”.

Entenda o caso

Priscila Regina Jardim, 29 anos, foi cruelmente executada na madrugada do dia 9 de junho de 2007, em Cruzeiro, no Vale do Paraíba (SP).

O crime foi cometido pelo ex-namorado Alexandre Bittencourt de Oliveira e Souza, de 27 anos, quando ela saía de uma boate de classe média alta, no bairro Jardim Paulista. Priscila foi alvejada com cinco tiros à queima roupa por terminar o namoro de 2 meses.

Julgado, o assassino foi condenado a 13 anos de prisão, mas após recurso da família da vítima, a pena foi alterada para 19 anos.

O que é feminicídio?

O crime de feminicídio surgiu em 2015 a partir da Lei nº 13.104/2015, que modifica o artigo 121 do Código Penal que tipifica o crime de homicídio para incluir a qualificadora do feminicídio entre os crimes contra a vida. Ele também altera o artigo 1º para incluir o feminicídio como crime hediondo.

O feminicídio é constatado quando o crime contra a mulher envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Além disso, a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; quando é contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; ou quando ocorre na presença de filhos ou pais da vítima.

Violência de gênero

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência de gênero contra a mulher é entendida como problema de saúde pública cujos estudos apontam índices entre 20% a 75% desse tipo de agressão em diferentes sociedades.

O Brasil foi o 18º país da América Latina a adotar uma legislação para punir agressores de mulheres.

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) tornou mais rigorosa a punição para agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico e familiar.

A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006. O nome da lei é em homenagem à cearense Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos até se tornar paraplégica, depois de sofrer atentado com arma de fogo, em 1983.

Veja como buscar ajuda:

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

Ministério Público
(85) 98685-6336/3108-2940/3108-2941
E-mail: secexec.violenciadomesticafor@mpce.mp.br
nucleoestadualpromulher@mpce.mp.br

Juizado De Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza
(85) 98822-8570/98597-7670/3108-2971
E-mail: juizadomulherfortaleza@tjce.jus.br

Núcleo Estadual De Enfrentamento à Violência contra a Mulher
(85) 98560-2709/99294-2844/3108-2986
E-mail: nudem@defensoria.ce.def.br

Centros de Referência Estadual e Municipal (Atendimento Psicossocial)
CRM – (85) 99648-4720/3108-2965
E-mail: crmulherfranciscaclotilde@gmail.com

CERAM – (88) 99935-5102/(85) 3108-2966
E:mail: ceram@sps.ce.gov.br

Casa da Mulher Brasileira
Recepção: (85) 3108.2992 / 3108.2931 – Plantão 24h

Delegacia de Defesa da Mulher: (85) 3108.2950 – Plantão 24h, sete dias por semana

Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher: (85) 3108.2966 - segunda a quinta, 8h às 17h

Defensoria Pública: (85) 3108.2986 / segunda a sexta, 8h às 17h

Ministério Público: (85) 3108. 2940 / 3108.2941, segunda a sexta , 8h às 16h

Juizado: (85) 3108.2971 – segunda a sexta, 8h às 17h

Confira a lista das delegacias de defesa da mulher no Ceará

Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza (DDM-FOR)
Rua Teles de Souza, s/n - Couto Fernandes
Contatos: (85) 3108- 2950 / 3108-2952

Delegacia de Defesa da Mulher de Caucaia (DDM-C)
Rua Porcina Leite, 113 - Parque Soledade
Contato: (85) 3101-7926

Delegacia de Defesa da Mulher de Maracanaú (DDM-M)
Rua Padre José Holanda do Vale, 1961 (Altos) - Piratininga
Contato: 3371-7835

Delegacia de Defesa da Mulher de Pacatuba (DDM-PAC)
Rua Marginal Nordeste, 836 - Jereissati III
Contatos: 3384-5820 / 3384-4203

Delegacia de Defesa da Mulher do Crato (DDM-CR)
Rua Coronel Secundo, 216 - Pimenta
Contato: (88) 3102-1250

Delegacia de Defesa da Mulher de Icó (DDM-ICÓ)
Rua Padre José Alves de Macêdo, 963 - Loteamento José Barreto
Contato: (88) 3561-5551

Delegacia de Defesa da Mulher de Iguatu (DDM-I)
Rua Monsenhor Coelho, s/n - Centro
Contato: (88) 3581-9454

Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte (DDM-JN)
Rua Joaquim Mansinho, s/n - Santa Teresa
Contato: (88) 3102-1102

Delegacia de Defesa da Mulher de Sobral (DDM-S)
Av. Lúcia Sabóia, 358 - Centro
Contato: (88) 3677-4282

Delegacia de Defesa da Mulher de Quixadá (DDM-Q)
Rua Jesus Maria José, 2255 - Jardim dos Monólitos
Contato: (88) 3412-8082

PONTO DE VISTA

Uma mulher foi assassinada no Brasil em 2022 a cada 6 horas. Exatamente. Seis horas. O que essa informação gera em você, leitor? E em você, leitora? No total, foram mais de mil mulheres vítimas de feminicídio ano passado. Uma realidade que assombra.

E quando os números passam a ter rosto, nome, família? Isso gera mais revolta? Ao escrever esta matéria com dados tão delicados, fui conhecer a conta no Instagram da Regina Célia, “Quem ama liberta”, que se dedica contar as histórias dessas vítimas para que elas não sejam esquecidas.

Confesso que, ao entrar na página, comecei a ver aquelas mulheres e um sentimento de tristeza foi tomando conta de mim. Como mulher, é muito difícil constatar que essa é uma realidade em nosso País e que os números só crescem.

E enquanto os números crescem, vidas se vão, ceifadas por homens que um dia lhes juraram amor eterno, que prometeram protegê-las para sempre. Vidas se vão por causa de homens que não conseguem entender o significado de uma palavra tão pequena e simples, o “basta”.

O feminicídio muitas vezes começa com ameaças, com palavras que machucam, com atitudes que parecem inofensivas mas são, na verdade, agressivas. Não podemos normalizar agressões dentro do convívio familiar. Mulheres, não se calem. Denunciem e procurem ajuda. Vocês não estão sozinhas. O número para denunciar situações de violência é o 180.

 

Cristina Brito
Repórter


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