Em 2009, a escola recordista de títulos no DF recebeu o mais relevante deles: o de Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal, por seu legado à cultura.
Em dezembro passado (2022), a Aruc recebeu a Escritura Pública de Direito Real de Uso do terreno, ocupado desde 1974. O documento faz parte da iniciativa que regulariza ocupações históricas de associações sem fins lucrativos em unidades da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
Cenário atual
Há oito anos, não há desfile oficial das escolas de samba em Brasília. Neste ano, no entanto, no domingo de carnaval (19), a Aruc reuniu mais de 1.500 pessoas nas ruas do Cruzeiro Velho, que acompanharam gratuitamente o trajeto dos passistas e do tradicional gavião azul e branco. No desfile de rua, a bateria da escola e os foliões cantaram os sambas-enredo que fizeram a história da Aruc.
O próximo grande compromisso da agremiação será em abril deste ano, no Eixo Cultural Ibero-americano , quando as escolas voltam a desfilar no 63º aniversário de Brasília. A Aruc deve contar com 100 integrantes na bateria para levantar o estandarte da escola.
Hélio conversou com a reportagem da Agência Brasil, em uma caminhada pelo galpão (que guarda os troféus da Aruc) e pela quadra da escola. Confira a entrevista:
Agência Brasil: Como começou sua relação com a Aruc?
Hélio Tremendani: Com uns 20 anos, eu era jogador. Em 1974, eu entro para criar o Departamento de Esporte.
Agência Brasil: Você esteve na inauguração da Aruc?
Hélio Tremendani: Eu lembro que estava lá [mostra a foto]. Nesta foto, eu rodeava todos. Estava tentando ouvir o que eles estavam falando. Queria entender o que eles estavam articulando.
Agência Brasil: Como começou a juntar os itens do acervo da Aruc?
Hélio Tremendani: Em 1974, fui atrás desses fundadores para me arrumar fotos. Eu copiava e devolvia. Então, fui construindo o acervo. A maioria nem quis a devolução. Muitas dessas fotos foram doadas por quem não enxergava tanto valor no material. Eles não sabiam o motivo pelo qual eu estava solicitando essas imagens. Nada passou em branco. E eu venho fazendo esse tipo de trabalho aqui. A minha função na Aruc, especificamente, é cuidar desse espaço.
Os troféus mais antigos ficavam na minha casa, porque não tinha espaço adequado aqui. Mas, foi aumentando muito e começou a faltar lugar. Quando o pessoal do Rio vem fazer shows em Brasília, fica impressionado com isso, porque nenhuma escola de samba do Rio conseguiu resgatar os primeiros troféus que eles conquistaram.
Agência Brasil: E a relação com a escola de Madureira (RJ), a Portela, que apadrinhou a Aruc em 1962?
Hélio Tremendani: A Portela apadrinha escolas em oito estados. Com a Aruc, a relação com a Portela tem crescido muito nos últimos anos. O precursor da relação com a Portela foi o diretor da Aruc Fernando de Carvalho, que desfilava na Portela. Ele conseguia mobilizar pessoas de Brasília, formando uma ala com quase 100 pessoas e fazia a construção com a Portela. Trouxemos para se apresentar na Aruc a Velha Guarda do Rio. Havia um intercâmbio. O ex-presidente da Portela, que saiu no ano passado, [Luis] Carlos Magalhães, dava muita atenção pra gente. Veio aqui várias vezes. E o diretor do Departamento Cultural da Portela, Rogério Rodrigues, igualmente.
Agência Brasil: Conte uma história curiosa.
Hélio Tremendani: Em 1974, a diretoria resolveu buscar os quatro primeiros troféus na chácara de um ex-presidente. No dia, cheguei para treinar futebol de salão e o presidente me chamou para ir. Chegando lá, esses troféus estavam em um chiqueiro. Éramos quatro e um perguntou para o outro quem iria pular. Eu pulei, entrei no chiqueiro e pensei: vou levar uma bronca da minha mãe quando chegar em casa. Hoje, os quatro primeiros troféus da Aruc estão expostos no galpão. São as relíquias de 1965, 1966, 1967 e 1969.
Agência Brasil: Na galeria de troféus, tem algum preferido?
Hélio Tremendani: O meu querido é o título do carnaval de 1982. O primeiro em que fui presidente [da Aruc]. Eu era visto como um cara legal, um bom jogador de basquete, de futebol. Não era do carnaval. Então, era um desafio para mim. A rotina da Aruc era ganhar. Tinha muita importância para a Aruc.
Agência Brasil: Cite um personagem do carnaval de Brasília.
Hélio Tremendani: Para mim, Nilton de Oliveira Sabino, presidente [da Aruc] de 1974 a 1980, é a maior personalidade do carnaval de Brasília. Primeiro, porque teve uma visão diferenciada. Pensou: vou assumir e respeitar a velha guarda, os fundadores, mas eu quero a jovem-guarda, quero montar o grupo de jovens. Foi quando eu entrei. Ele dizia: faz aí que assino embaixo.
Tem também o Brigadeiro (Manoel Frederico Soares, embaixador do samba de Brasília); Seu Anadir [salgueirense fundador da Acadêmicos], da Asa Norte; e Odacir, da Capela Imperial de Taguatinga.
Agência Brasil: Você conheceu muitas personalidades do samba. Conte algum bastidor para a Agência Brasil.
Hélio Tremendani: No [projeto] Temporadas Populares, eu queria trazer o Jamelão. Eu falei com Jorge Aragão e ele disse que era complicado. Depois de um tempo, eu consegui trazê-lo. No sábado do show, que seria à noite, houve uma coletiva de manhã. Eu pedi ao pessoal da imprensa que não usasse o termo puxador de samba com Jamelão, já que ele gostava de ser chamado de intérprete. Ele poderia dar uma resposta mal criada. Então, uma TV gostava de fazer as coletivas ao vivo. Juntaram-se ali uns oito jornalistas. Logo que começou, uma repórter perguntou como Jamelão se sentia sendo considerado o maior puxador de samba do Brasil. Um aperto, viu? Mas, Jamelão estava de astral legal e deu uma resposta educada: não sou puxador, sou intérprete. Em seguida, fui falar com a jornalista, pois eu tinha pedido para não fazer aquilo. Ela quase acaba com tudo.
Agência Brasil: Você teve crise com o carnaval?
Hélio Tremendani: Em determinado momento, eu não tinha tempo. Não tinha cobrança dos familiares, mas eu tenho minha família, tinha o esporte, o trabalho. Fui me afastando do esporte. Na Aruc, pensei em parar várias vezes, mas não conseguia. Por algum motivo, eu tinha que voltar e voltava. Tinha sábado que eu ficava até meia noite e no domingo, voltava de novo. Quatro anos atrás, eu resolvi arrumar uma sala dentro da Aruc e me dediquei à memória da associação.
Agência Brasil: Como manter o pessoal motivado?
Hélio Tremendani: Fazendo ensaios. Tem que ter uma boa bateria, um bom carro de som, que são os intérpretes, e uma boa organização, a cerveja não pode faltar para o pessoal que gosta. Chamar as passistas, o mestre-sala e a porta-bandeira.
Agência Brasil: Você se considera sambista, carnavalesco ou folião?
Hélio Tremendani: Eu gosto de samba, não toco instrumento, não fiz letra, não sou sambista autêntico. Nunca me aventurei. Eu sempre sobrevivi estes anos porque soube respeitar os meus limites. O carnaval tinha um carnavalesco. Eu dava os poderes para ele e acompanhava. Então, eu não interferiria no carnaval. Eu fazia articulação por fora, nos bastidores. Eu fazia uma parte [do trabalho] e a outra equipe fazia a outra.
Agência Brasil: E você preside uma nova liga, a das escolas tradicionais. Como é o trabalho?
Hélio Tremendani: A liga de que hoje sou presidente é a tradicional. Ela foi criada em 2021, porque a Aruc e a Acadêmicos da Asa Norte não concordavam com o número de escolas de samba que havia. Eram 21. De lá pra cá, diminuíram para 14. Mesmo assim, a gente considera muito. O ideal seria ter oito escolas. Quatro no Grupo Especial e quatro no grupo de Acesso, para fortalecer as escolas.
Agência Brasil: Qual a maior rival da Aruc?
Hélio Tremendani: A Acadêmicos da Asa Norte [de 1969. A segunda maior detentora de títulos, sete ao todo].
Agência Brasil: Há oito anos sem desfiles de escolas de samba de Brasília. Quais são os desafios para retomada?
Depois de oito anos, é meio complicado porque perdeu a sequência. Surgiram os blocos de rua. Tem público deles. Mas, são coisas diferentes. Então, o primeiro desafio é retornar. Em 2024, é outra realidade. Recomeçar. Vai ser carnaval do recomeço. Faltou um interesse político muito grande. Vai ser preciso um bom marketing para influenciar nas decisões dos governantes.
Agência Brasil: Como vê o futuro do carnaval de Brasília?
Hélio Tremendani: O futuro passa pelo respeito das autoridades de governo e dos políticos aos sambistas. Já existe uma política pública voltada para o carnaval. A partir do momento em que eles respeitarem essa lei, pode ter certeza de que o cenário do carnaval será outro, em quatro anos, em Brasília. Completamente diferente. Vocês vão ver.
Agência Brasil: Como atrair mais jovens para o carnaval?
Hélio Tremendani: Foi criado o projeto Escola de Carnaval para o futuro do carnaval brasiliense. Passa por aí a qualificação de pessoas para trabalhar - costureiras, aderecistas, percussão, para levar para as escolas. O foco deve ser aquele menino que tem 14 [anos] para que, com 16 [anos], ele já possa desfilar. Ou seja, criar um público para trabalhar na escola toda, crescer lá dentro.
Agência Brasil: Os desfiles de escolas de samba mudaram de lugar, durante a história de Brasília. Onde deveriam ser, em definitivo?
Hélio Tremendani: O auge dos carnavais foi entre 1970 e 1990. O carnaval saiu da Funarte [atual Eixo Cultural Ibero-americano], foi para Ceilândia [Ceilambódromo]. Voltou ao estacionamento do ginásio Nilson Nelson, onde permaneceu por mais dois anos. Não era ruim, mas tinha que ser mais central, mais perto da rodoviária, com uma pista que comporte os 450 componentes de cada escola.
Agência Brasil: E o projeto do Sambódromo de Brasília?
Hélio Tremendani: Hoje, há estados que têm um grande carnaval, como o Espírito Santo, que tem um sambódromo, Santa Catarina, Porto Alegre brevemente vai construir um sambódromo; Manaus tem, São Paulo, Rio. Vários estados têm espaço e nesse local abrigam outras manifestações culturais. Brasília tem o projeto de ter um sambódromo. A gente está lutando de novo para construir entre o Colégio Militar [de Brasília) e o [Estádio] Mané Garrincha, indo em direção ao autódromo. A partir dali, não seria só um espaço para as escolas, mas também para shows, carnaval de rua. Enfim, para todas as manifestações culturais.
Agência Brasil: O que simboliza a Escritura Pública de Direito Real de Uso do terreno da Aruc?
Hélio Tremendani: Resistência. Resistir para existir nessa área, para que ela não fosse cedida para especulação imobiliária, e mais recentemente para igreja. O que me movia, nos últimos anos, era não perder essa área. Uma dia a gente iria regularizar. E regularizamos no ano passado.
Tentaram mudar a destinação da área para construir o maior templo de Brasília nesse espaço. Outro empresário queria a mudança de destinação para construir um condomínio. A escritura traz segurança jurídica e permite a exploração comercial da área do clube, como a venda de ingressos para as feijoadas.
Agência Brasil: Qual o seu legado?
Hélio Tremendani: Eu voltei à Aruc há quatro anos para preservar a memória. As salas do acervo e dos troféus são santuários. Elas têm que ser preservadas. Se não tiver ninguém interessado, eu vou continuar, até quando eu estiver vivo. Foi uma missão que me deram. Como é que o garoto, que eu era, ia se preocupar em pegar foto para identificar, para guardar? Foi uma missão. Só pode ser. Eu sinto o peso dessa responsabilidade.