Injúria racial e racismo: saiba o que muda com a nova lei que equipara os crimes

Mudança na legislação endurece punição para quem cometer crime de discriminação racial. Pena pode chegar a cinco anos de prisão

Está em vigor no Brasil desde o dia 11 de janeiro deste ano a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. A nova legislação endurece a punição para as condutas tipificadas como injúria, que passam a receber as mesmas penas aplicadas a quem comete racismo. O texto também estende as sanções para os casos em que as ofensas são praticadas nas redes sociais ou na internet.

Antes da lei, o Código Penal estabelecia prisão de um a três anos para situações enquadradas como injúria racial. Com a nova norma, a punição passa a ser de dois a cinco anos e o crime, assim como o de racismo, torna-se imprescritível e inafiançável. Isso significa, na prática, que não existe mais limitação de tempo para punir o infrator e nem a possibilidade de liberdade provisória mediante pagamento de fiança.

É + que streaming. É arte, cultura e história.

+ filmes, séries e documentários

+ reportagens interativas

+ colunistas exclusivos

A pena pode até dobrar se a violação for praticada ao mesmo tempo por duas ou mais pessoas ou por intermédio de meio de comunicação social e plataformas online.

Para a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB, Secção Ceará, Raquel Andrade, as mudanças na legislação representam um avanço histórico no combate à impunidade por discriminação racial no Brasil.

“Nos últimos anos, estávamos batalhando duramente para convencer as cortes judiciais que não dá para cometer injúria racial sem ser racista. Não se dissocia uma coisa da outra, e por isso mesmo as punições aplicadas precisam ser equivalentes para os dois crimes", ressalta a advogada.

Tecnicamente, antes da aprovação da nova lei, o crime de injúria racial era tipificado como um tipo de racismo. Os dois conceitos se distinguem na amplitude. Enquanto a injúria ocorre quando há uma ofensa individual, o racismo é uma prática discriminatória que atinge a coletividade.

“Quando eu digo para alguém: ‘Seu cabelo é sujo, você não pode trabalhar no na minha empresa porque você não tem o perfil de beleza que buscamos’, isso é injúria, porque afeta particularmente aquela pessoa”, exemplifica Raquel. “Já na caso de alguém dizer, por exemplo, que ‘Todo negro é burro, que negro é bandido, que odeia negro’, isso configura um ataque generalizado”, complementa.

Além de equiparar os dois crimes, a legislação estabelece um agravante para o chamado “racismo recreativo”, quando a violação se dá no contexto ou com intuito de descontração e diversão. É o que ocorre, por exemplo, quando um humorista lança mão de prática discriminatória em show de humor para “divertir” a plateia. A punição, nesses casos, será aumentada de um terço a até a metade da pena máxima (cinco anos de prisão).

“Na minha opinião, esse é o trecho mais avançado da lei. Isso é fundamental para enfrentar o racismo recreativo, que é um tipo de racismo extremamente corriqueiro e absurdamente naturalizado e que há muita dificuldade para aplicar punição”, pondera integrante da OAB, acrescentando que o novo dispositivo tem caráter pedagógico no sentido de ensinar que “racismo não é brincadeira, é crime”.

A punição para as ofensas cometidas em ambiente virtual também é um avanço, conforme a advogada, pois desmistifica a ideia de que a internet é “terra sem lei”. “Nas redes sociais, as pessoas estão numa interação remota em que parecem estar desobrigadas de seguir a lei, e isso é um subterfúgio recorrente para a prática do crime”.

A nova legislação também introduz os conceitos de racismo religioso, esportivo, artístico e cultural, quando o preconceito de raça é objetivamente associado a outros tipos de intolerância ou discriminação.

“A lei vai punir quem relacionar religiões de matriz africana ao demônio, ao mal, porque isso retroalimenta as práticas violentas contra os seguidores dessas religiões”, observou a advogada.

Combate ao racismo

Embora aponte a lei como um progresso na luta contra a impunidade, a coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), Vilani Oliveira, considera que o fortalecimento da legislação não é suficiente para combater o racismo. Ela sugere que a luta contra a discriminação passa necessariamente por um tripé cuja base contemple ações no campo jurídico, educacional e governamental.

“Primeiro vem a legislação; segundo, uma educação antirracista que possa levar para as escolas o contexto da escravização, das desigualdades sociais e da violência contra a população negra; e terceiro, políticas públicas de reparação histórica”, assinala a ativista.

Apesar de enxergar um horizonte com muitos desafios, ela acredita que a nova lei ajuda a desconstruir o cenário de impunidade a curto prazo. “A lei é importante porque, muitas vezes, quando os casos eram denunciados nas delegacias, o enquadramento dado não era o de racismo, mas injúria.”

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) confirma numericamente a realidade apontada pela representante do MNU. De acordo com a instituição, 84% das denúncias de preconceito racial nas delegacias de São Paulo em 2022 foram registradas como injúria racial e não como racismo.

Os pesquisadores também analisaram cerca de 830 processos que foram a julgamento em sete estados (BA, GO, PA, PR, RJ, SP e SE) e constataram que 75% dos réus foram absolvidos, já na segunda instância. Os xingamentos mais frequentes relatados nas denúncias foram “macaco”, “preto”, “nego”, “fedido”, “safado” e “sujo”.

Para Raquel Andrade, isso expõe que, na prática, é muito difícil alguém ser condenado por discriminação racial no Brasil. A mudança desse quadro, segundo ela, passa diretamente pela redução do abismo de representatividade entre negros e brancos no poder judiciário.

“Temos pouquíssimos juízes negros. De nada adianta a gente ter uma lei extremamente avançada, completa, se não tivermos pessoas com aproximação teórica, prática e pragmática da compreensão do que é racismo.”

Conhecer as bases históricas, socioculturais e entender como se desenvolve o racismo na estrutura social são, na visão da advogada, requisitos importantes que deveriam ser oficialmente instituídos para a escolha de magistrados em julgamentos sobre racismo e injúria racial. Só assim, ela diz, haverá mudança na lógica institucional do Poder Judiciário para que a lei cumpra seu papel antirracista.

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

racismo injúria racial legislação punição racismo Injúria racial e racismo

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar