Médica denuncia ex-marido por suspeita de abusar de filhos gêmeos em Salvador
Avô paterno das crianças também foi investigado. A mãe e o pai dos gêmeos, ambos médicos, estão separados desde junho de 2019.
09:29 | Set. 22, 2022
Quando uma menina de 3 anos chorou muito e se recusou a ir ao encontro do pai, a mãe dela, uma médica que mora na capital baiana, começou a suspeitar de que algo estranho poderia estar acontecendo. Dias depois, em seguida de ter tido contato com o pai, a menina disse estar com dor nas partes íntimas e foi levada pela mãe à emergência de um hospital.
Relatos de abuso sexual, não só da filha, mas de seu irmão gêmeo, acabaram levando pai e avô paterno a serem denunciados por estupro de vulnerável, mas anteontem, uma promotora pediu arquivamento do caso, o que foi acatado pela Justiça.
A reportagem optou por não divulgar o nome dos envolvidos no processo, para que não seja possível identificar as vítimas, que possuem apenas 3 anos de idade.
Quando a mãe dos gêmeos levou a filha até a emergência, duas pediatras atestaram que a menina possuía um quadro de hiperemia na vagina e no ânus. A condição representa um aumento na circulação do sangue nos órgãos ou região do corpo, neste caso, nas partes íntimas da criança. Isso aconteceu logo após o feriado de Natal do ano passado, quando o pai levou os dois filhos para passarem o feriado em Alagoinhas, cidade em que os avós paternos vivem. A mãe e o pai dos gêmeos, ambos médicos, estão separados desde junho de 2019.
“Quando eu fui dar banho nela [filha], ela disse que a ‘popoca’, como ela chama as partes íntimas, estava doendo. Quando eu perguntei para ela o que tinha acontecido, ela disse que o avô e o pai tinham pegado na ‘popoca’. Foi quando eu me assustei. Minha irmã, que estava junto, perguntou se tinha doído, ela disse que sim e que chorou”, conta a mãe.
Durante a consulta médica, a mãe da menina conta que a filha relatou que tinha tido as partes íntimas manipuladas pelo pai. Foi então que a médica orientou que a mãe fosse até a Delegacia Especializada na Repressão aos Crimes praticados contra Criança e Adolescente (Dercca), o que foi feito. Depois de reunir provas e prestar depoimentos, o delegado que pegou o caso provisoriamente marcou uma oitiva com a psicóloga da Dercca.
“Nesse momento eu perguntei se trazia só minha filha ou os dois, e o delegado indicou que eu trouxesse os dois”, conta. Até então, o menino nunca tinha relatado nenhum tipo de abuso. “Quando a psicóloga começou a conversar com eles, meu filho relatou que o avô tinha tocado no pinto dele, como se tivesse feito o gesto de masturbação, e tinha doído”, relembra a mãe. O menino foi então adicionado como vítima no processo, e o pedido de medida protetiva começou a valer para ele.
A babá das crianças disse que presenciou o pai trancado no banheiro com os meninos e que ele também trancava o quarto para ficar a sós com eles. Ainda segundo a funcionária, ela era impedida de passar uma pomada no menino, que era alérgico, e, por isso, ele ficava se coçando e até sangrava. Em uma ida a Guarajuba, a babá afirmou também que o pai bebeu o dia todo e, mesmo assim, dirigiu na volta para casa.
Laudos
O CORREIO teve acesso a dois laudos assinados por uma psicóloga do Serviço de Atenção à Pessoa em Situação de Violência Sexual do estado da Bahia (Instituto Viver). A especialista, após atender os gêmeos em 19 sessões, indica que as crianças devem manter distância do suposto agressor (o pai), para que não sejam revitimizadas. Os laudos também apontam que as crianças relatam os abusos sofridos pelo pai e avô em frases como “ela tá triste porque o papai pegou na ‘popoca’ dela”, “papai é mau” e “vovô e papai pegou no pinto e no bumbum”.
No decorrer do processo, porém, outros psicólogos fizeram análises dos laudos da profissional e reconheceram erros. “No que se refere às conclusões do relatório, são emitidos apenas juízo de valor subjetivo, não um parecer técnico”, afirma o relatório de um psicólogo.
O especialista alega que as crianças foram ouvidas ao mesmo tempo, o que poderia ter contaminado as respostas. Em nota, a defesa do médico afirma que o pai das crianças é vítima de uma perseguição da ex-mulher e caracteriza a investigação como “infundada e perniciosa”.
Para comentar o caso, a psicóloga clínica Mirella Almeida afirma que pais devem sempre ensinar os filhos que toques que causem medo e vergonha não devem acontecer. A psicóloga também explica que crianças abusadas podem demonstrar mudanças de comportamento: “Quando vítima de abuso sexual, a criança pode mudar o comportamento através de alteração de humor, ficar menos comunicativa e concentrada, mudar hábitos de sono. Também pode haver comportamentos sexuais que denotam interesse pelo assunto e enfermidades psicossomáticas, como dor de cabeça e vômitos.”
Promotora não viu "subsídios suficientes"
A promotora Sandra Patrícia Oliveira pediu o arquivamento do caso, e a solicitação foi acatada pela Justiça. Isso significa que o Ministério Público optou por não oferecer denúncia, e o processo foi arquivado.
Na decisão, a promotora afirma que “as provas até aqui levantadas não nos fornecem subsídios suficientes para a deflagração da ação penal contra os investigados”.
Sandra Patrícia também levou em consideração que as médicas que atenderam a menina na emergência afirmaram que existem várias causas para a hiperemia e não só abuso sexual, além dos relatórios de outros psicólogos.
A defesa do médico disse, em nota, que o arquivamento da investigação faz “tardia justiça a ele, inocente que foi indevidamente envolvido pela ex-esposa em investigação completamente carente de fundamento”. O médico processa a ex-esposa por ameaça.
Já o advogado da mãe dos gêmeos, Leandro Gesteira, afirma que a promotoria comete erro ao não levar em consideração na decisão os laudos da psicóloga e os relatos das crianças. “A decisão do Ministério Público levou em consideração exclusivamente as provas que, em tese, para o que ela imagina que aconteceu. Mas deixou de levar em consideração todos os laudos produzidos pelos funcionários públicos da Dercca e pelo Instituto Viver, que são em sentido contrário”, argumenta.
Apesar de o advogado do médico, Gamil Foppel, afirmar que, pelo fato de o Ministério Público não ter oferecido denúncias não é possível que o advogado da mãe recorra, Leandro Gesteira diz que novas provas ou testemunhos podem reabrir o inquérito. Ainda há uma decisão da Vara da Família que impede que o pai e o avô tenham contato com as crianças, mas ela pode ser revogada a qualquer momento, após o arquivamento do processo.
A Polícia Civil e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ) foram procurados pela reportagem, mas não deram mais informações sobre o caso, alegando que o processo corria em segredo de Justiça.
A assessoria do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem até o fechamento desta edição.
Maysa Polcri, com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo
Do Correio 24h para a Rede Nordeste