Seis dias de medo: moradores de um bairro em Salvador acusam PM por rotina de tiroteios
Nessa segunda-feira (15), crianças precisaram se jogar no chão de uma creche, para se proteger
08:30 | Ago. 16, 2022
Paredes crivadas de tiro, dezenas de cápsulas de bala de fogo espalhadas pelo chão e moradores indignados. É assim que começou a semana na Rua Emídio Pinho, no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Nessa segunda-feira (15), quando o relógio ainda marcava 8h, crianças em uma creche precisaram se jogar no chão para fugir dos disparos.
O cenário assustou moradores da região. "Foi bala para todo lado e vários minutos disso sem uma pausa", relata uma mulher, que prefere não se identificar e estava na rua quando ouviu o primeiro tiro. A situação, apesar de assustar, não surpreendeu quem mora por lá. De acordo com os moradores, os casos de tiroteio já se repetem, de forma consecutiva, há seis dias.
Ainda segundo eles, que não se identificam nesta matéria por medo de represálias, os tiros vêm apenas de armas de agentes da Polícia Militar da Bahia. "Toda vez é isso e de uma semana para cá ficou pior. Os PMs chegam aqui sem querer saber de nada, já atirando e a gente que se vire para se proteger. Não estão nem aí se tem criança ou idoso na rua. Hoje mesmo, às 8h, é cheio de criança indo para escola e para creche e mesmo assim não pararam, fizeram o mesmo dos últimos dias", reclama uma moradora.
Procurada pela reportagem, a PM não falou sobre a denúncia de dias consecutivos de tiroteios, mas contestou a versão de que os disparos dados nessa segunda-feira foram apenas de policiais. "Policiais militares da 40ª CIPM realizavam rondas no bairro da Santa Cruz quando se depararam com um grupo de homens armados, que atiraram na guarnição, na altura da localidade conhecida como Beco das Pedras. Houve revide e, após a troca de tiros, os suspeitos fugiram", afirmou a corporação, em nota.
Cotidiano de medo
Os moradores negam a versão apresentada pela polícia e dizem que não há confrontos e nem grupos armados na área. "Não existe troca de tiro e confronto, aqui não tem nem bandido para isso. Eles botam a cara aí e mandam tiro. Aqui, para eles, só tem vagabundo e vagabunda. Minha casa carrega as marcas disso e a gente não fica seguro para fazer nada", responde um outro morador ao ser questionado sobre possíveis confrontos entre suspeitos e policiais.
A sensação de insegurança em todo canto no bairro é endossada por relatos de mais moradores. Segundo uma moradora, no momento em que a polícia chegou, sua filha estava na padaria e foi agredida por um PM. "Na padaria, ele pegou minha filha pelo pescoço e torceu o braço dela. Eu fui desesperada pedir pra deixar ela em paz. Ele disse que tinha de dar nome completo para liberar e, mesmo depois que eu disse, ainda me chamou de vagabunda e deu um tapa em meu peito", lembra a mãe, ainda muito nervosa com o ocorrido.
Além de não fazer atividades rotineiras sem temor, os moradores afirmam que a situação tira deles a oportunidade de fazer renda. Outra moradora, que vive na Rua Emídio Pinho, até tinha uma barraca para vendas de pastel e bolo, mas fechou por conta dos tiroteios. "Eu ficava na linha dos tiros aqui com a minha barraca, que já estava toda furada de tantas vezes que aconteceu. Então, tive que parar de fazer meu dinheiro com medo de morrer porque eles realmente nem olham a quem, só dão tiros que podem nos matar", lamenta ela, que viu seu cachorro ser baleado de raspão há três dias em um dos tiroteios.
Outro homem, que também tinha um ponto comercial na área, desistiu de vender e colocou a casa em que mora para negócio depois de ver seu portão ser perfurado por balas tantas vezes. "Não respeitam nada e ninguém. A gente fecha comércio para não acabar morrendo porque é assim em qualquer horário, quando dá na cabeça deles. Já aconteceu tiro às 8h, 12h e 16h, todos horários movimentados e com risco para todo mundo. Do jeito que está, não quero continuar aqui, quero um pouco de paz", fala ele.
Serviços interrompidos
Com a situação, foram vários os responsáveis que mantiveram os filhos em casa e não permitiram que eles fossem aos colégios, que, em sua maioria, continuaram funcionando. Não foi o caso do Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Dália de Menezes, que é localizado nas proximidades da Rua Emídio Pinho. Lá as aulas foram suspensas e os alunos enviados para casa para que ninguém corresse risco. A suspensão foi confirmada pela Secretaria Municipal da Educação (Smed). A pasta, porém, não informou se as atividades voltam de maneira regular nesta terça-feira (16).
Seja nesta terça ou em outro dia, as crianças terão que superar o trauma que passaram quando já estavam na creche. Uma mãe conta que os alunos precisaram ir ao chão para não serem atingidos por bala perdida. "O pessoal da escola até me passou a foto. Meu filho e os coleguinhas todos no chão tendo que ficar agachados para não morrer. No lugar onde deviam estar mais seguros, eles passaram por isso e agora vai ser até difícil convencer eles de que podem voltar para lá sem medo", afirma ela, contando que o filho ficou abalado com a situação.
"Ele chorou muito lá e aqui também. Disse que todos os colegas ficaram muito assustados quando os funcionários colocaram eles no chão para protegê-los", completa ela, que não pretende mandar o filho para o CMEI Dália de Menezes nesta semana mesmo que as atividades no local voltem a acontecer normalmente. Na porta do centro, a reportagem tentou conversar com funcionários da instituição, mas ninguém quis falar. No caso das escolas estaduais, a Secretaria Estadual de Educação da Bahia (SEC) afirmou que nenhuma escola localizada na região precisou interromper suas atividades.
Não foi só a educação que sofreu com o a situação de terror no Nordeste de Amaralina. Após os tiros, o Centro de Saúde Santa Cruz também teve as portas fechadas e assim seguiu até o fim do dia. Outras unidades da área, mais distantes do ocorrido, funcionaram normalmente.