Como funciona a política de preços da Petrobras
00:01 | Jul. 04, 2022
Vinculado ao mercado internacional, valor dos combustíveis explodiu nos últimos dois anos. Bolsonaro faz críticas frequentes aos reajustes anunciados pela estatal, e Lula promete "abrasileirar" os preços se for eleito.O presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, anunciou nesta segunda-feira (20/06) sua renúncia do cargo, em meio à crescente pressão do presidente Jair Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira, contra a política de preços dos combustíveis praticada pela estatal. Os dois líderes anteriores da empresa – Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna – também perderam a cadeira após críticas de Bolsonaro à política que define o preço dos combustíveis vendidos às distribuidoras, hoje vinculados à flutuação do valor praticado no mercado internacional. Mas a troca do presidente da estatal não deve esfriar o debate sobre a política de preços, que promete ser um dos temas da campanha eleitoral deste ano. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato ao Planalto, usou o primeiro dia de propaganda partidária do PT na televisão neste ano, em 24 de março, justamente para criticar os valores praticados pela Petrobras e prometeu "abrasileirar" o preço dos combustíveis. "Seu salário sobe quando o dólar sobe? Então por que a Petrobras está reajustando o preço dos combustíveis em dólar? O Brasil é autossuficiente em petróleo. E o custo do nosso petróleo é em real. Nos governos do PT, a gasolina, o gás e o diesel eram em real. Lutar para abrasileirar o preço dos combustíveis é um compromisso do PT", afirmou Lula. Já Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, afirmou em março que a política de preços era resultado de uma norma "errada", e em junho defendeu a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Petrobras, seus diretores e conselheiros. "É inadmissível, com uma crise mundial, a Petrobras se gabar dos lucros que tem", afirmou o presidente. Na sexta-feira (17/06), a Petrobras anunciou um reajuste de 14,26% no preço do diesel e de 5,18% no preço da gasolina vendidos para as distribuidoras. Em março, a estatal já havia reajustado o diesel em 24,9% no diesel e a gasolina, em 18,8%. Após o reajuste chegar ao valor praticado nos postos de combustíveis, o preço médio da gasolina deve ficar em cerca de R$ 7,38 o litro e o do diesel, em cerca de R$ 7,52 – 40% e 76% maiores, respectivamente, do que os valores médios de janeiro de 2019, primeiro mês do governo Bolsonaro, já descontada a inflação do período. Como funciona a política de preços A Petrobras usa o Preço de Paridade de Importação (PPI) para definir o valor que cobrará dos distribuidores. Ele considera o preço dos combustíveis praticado no mercado internacional, os custos logísticos de trazê-los ao Brasil e uma margem para remunerar os riscos da operação. Como o preço no mercado internacional é em dólar, a cotação da moeda também influencia o cálculo. Essa fórmula foi adotada no governo Michel Temer. Nos governos Lula e de Dilma Rousseff, a definição do preço considerava a variação do petróleo no mercado internacional, mas também os custos de produção de petróleo no Brasil. Dessa forma, a estatal segurava impactos de oscilações dos preços no mercado internacional para o consumidor interno. Dependendo da diferença dos preços, porém, em alguns momentos essa política fazia a Petrobras lucrar menos do que poderia ou ter prejuízo por vender, no mercado interno, combustíveis por um valor abaixo do que ela havia pagado para importar, o que era desvantajoso para os acionistas. O Brasil é autossuficiente em petróleo, mas não em combustíveis. Em 2021, o país importou 23% do diesel e 8% da gasolina que consumiu. Os importadores privados alegam que, se o preço cobrado pela Petrobras for abaixo do praticado no mercado internacional, eles não teriam incentivos para atuar. Nesse cenário, dizem, ou a Petrobras voltaria a importar e revender a preços mais baratos ou haveria desabastecimento. Queda de braço Os conflitos sobre quais interesses a Petrobras deve atender é antigo e decorre da história da empresa, fundada sob o mote nacionalista "O petróleo é nosso", do fato de ser a maior companhia do Brasil, e do perfil de sua composição acionária, com peso cada vez maior de investidores privados que aportam capital em troca do recebimento futuro de dividendos. O governo federal possui 50,3% das ações ordinárias da companhia, que dão direito a voto. O governo escolhe o presidente e a maioria dos diretores do Conselho de Administração da estatal e, portanto, tem grande poder para definir sua gestão. Mas como a Petrobras é uma empresa de capital aberto, ela também tem obrigações com todos os seus acionistas, inclusive os privados. Das ações ordinárias, 41,5% pertencem a investidores estrangeiros e 8,2% a investidores brasileiros. Nas ações preferenciais, que dão direito a receber dividendos, mas não a voto, a participação dos investidores privados é ainda maior: 49,9% pertencem a investidores estrangeiros e 31,6% a investidores brasileiros. O impeachment de Dilma teve como pano de fundo, entre outros motivos, escândalos de corrupção na Petrobras investigados pela Operação Lava Jato que revelaram grandes prejuízos à empresa. Em seguida, a posse de Temer e a eleição de Bolsonaro marcaram uma inflexão na política do governo para a estatal. Mudança de rumo Uma grande alteração promovida por Temer e mantida por Bolsonaro foi a nova política de preços, que tem duplo objetivo: aumentar a lucratividade da estatal, mas também criar condições para o funcionamento de um mercado privado e competitivo de refino, importação e distribuição de combustíveis. O aumento da lucratividade foi alcançado. Em 2021, a Petrobras registrou o maior lucro de sua história, de R$ 106 bilhões, e anunciou que pagará R$ 101 bilhões de dividendos aos seus acionistas – 29% dos quais para a União. É a segunda maior distribuição de dividendos do mundo neste ano entre empresas petrolíferas, atrás somente da ExxonMobil, segundo levantamento da Economática. A tentativa de criar um mercado privado e competitivo ainda está em andamento. A Petrobras segue com posição dominante e controla cerca de 80% do refino no Brasil. Ambos os governos, que tiveram à frente do Ministério da Economia Henrique Meirelles, Eduardo Guardia e Paulo Guedes, adotaram uma linha pró-mercado e de redução do tamanho da Petrobras, também com o intuito de atrair investimentos privados. Mas a chegada de capital novo para a construção de novas refinarias no Brasil não se concretizou em larga escala. Nesse período, a Petrobras se desfez de diversos ativos, como a BR Distribuidora e refinarias como a de Mataripe, na Bahia, comprada pelo fundo de investimento árabe Mubadala. As novas regras também levaram ao crescimento do número de empresas importadoras de combustível no Brasil. O que Lula propôs na propaganda do PT em março foi reorientar novamente a política de preço da Petrobras para considerar os custos internos de produção, o que voltaria a dar à estatal margem para praticar preços menores do que os do mercado internacional. Qual é a proposta à esquerda Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), vinculada à CUT e próxima de Lula, afirma à DW Brasil que "não faz sentido" o mercado brasileiro utilizar o preço internacional dos combustíveis. Ele defende que a Petrobras modifique sua atual política sobre o tema para considerar os custos internos e amplie sua capacidade de refino para reduzir a necessidade de importações. Ele menciona que o Brasil é autossuficiente em petróleo e que o custo total de produção no país, a partir do ponto em que começa a dar lucro, seria um dos menores do mundo, de 28 dólares por barril em 2021, atrás apenas do da Arábia Saudita. Nesta segunda-feira (20/06), o barril do petróleo tipo Brent era negociado a 112 dólares no mercado internacional. A FUP afirma que, ao longo de 2021, as refinarias da Petrobras operaram com 75% a 80% da capacidade, e que teria sido possível obter a autossuficiência em gasolina e reduzir a importação do diesel se essa taxa tivesse sido maior. Neste ano, as refinarias da estatal estão operando com cerca de 90% de capacidade. Esse ponto é respaldado por um estudo reservado da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, revelado no início de abril pelo jornal Folha de S.Paulo. Segundo o documento, a ampliação do refino dentro das capacidades da Petrobras poderia elevar a produção de óleo diesel em até 15%, reduzindo em 43% as importações líquidas, e faria o país autossuficiente em gasolina. Ao jornal, a Petrobras afirmou que havia "análises equivocadas" no estudo e que suas refinarias estavam operando "em sua capacidade máxima, considerando as condições adequadas de produção, segurança, rentabilidade e logística". Em relação à capacidade de refino, o levantamento da FUP aponta que a empresa investiu de 2003 a 2015, em média, 26,8 bilhões de dólares por ano. Em 2021, a estatal investiu 8,7 bilhões de dólares. Bacelar defende a conclusão de duas refinarias que tiveram suas obras interrompidas após a revelação de desvios bilionários pela Operação Lava Jato, a do Comperj, no Rio de Janeiro, e a segunda linha de Abreu e Lima, em Pernambuco. Após a Lava Jato, a Petrobras contabilizou perdas de R$ 28 bilhões com o Comperj, que seria o maior projeto individual da história da estatal. No governo Temer, a estatal tentou firmar uma parceria com a chinesa CNPC para terminar a obra, mas o negócio não foi adiante. Em 2020, a empresa rebatizou o complexo de Gaslub Itaboraí e redirecionou seu foco para processar somente gás natural. A Petrobras também tentou vender a refinaria de Abreu e Lima, mas não houve interessados, e em novembro de 2021 anunciou que iria concluir as obras da segunda linha da unidade, com investimentos de 1 bilhão de dólares anuais até 2026. Além de mudar a política de preços e aumentar a capacidade de refino, a FUP defende a criação de um fundo de estabilização de preços pelo governo, que seria financiado por um imposto sobre a exportação de petróleo cru, com alíquota variável de acordo com o preço do petróleo no mercado internacional. "Não estou falando para a empresa dar prejuízo, é para ter lucro, mas menor do que tem hoje. A Petrobras reduziu sua capacidade de investimento, que poderia ser usado também na transição energética, e virou uma grande empresa que gera renda principalmente para investidores internacionais", diz Bacelar. Qual é a proposta dos importadores Sérgio Araujo, presidente executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), afirma à DW Brasil ser compreensível que tanto Lula como Bolsonaro estejam tratando do preço dos combustíveis neste momento, cujos preços "estão muito elevados, e isso está sacrificando o bolso da população brasileira". "É um tema muito atrativo para os pré-candidatos." No entanto, ele defende a manutenção da atual política de preços da Petrobras como uma forma de garantir a viabilidade da importação por agentes privados e promover a atração de novos investimentos. "A economia brasileira caminha sobre rodas, e o investimento nesse setor se faz necessário", diz. Para a Abicom, a solução mais eficiente para a economia é precificar os combustíveis como as demais commodities, de acordo com a oferta e a demanda. "Subiu o preço do pão francês, do leite, do óleo de soja, e ninguém fica questionando. Com combustível, há usuários mais organizados, como os caminhoneiros e os taxistas, e acabam existindo contestações maiores. Mas o melhor para a economia é que os preços sejam definidos com base na oferta e demanda", diz. Araujo afirma ser "uma grande inverdade" que a capacidade instalada da Petrobras para refino seria suficiente para o atendimento da demanda interna e diz que, no mundo, as refinarias em geral trabalham a 85% a 90% de sua capacidade. Segundo ele, o "déficit estrutural" no setor decorre de um descompasso entre o aumento da demanda e da capacidade de produção de combustíveis. Ele alerta que mudar a política de preços da Petrobras também provocaria prejuízos à própria estatal. Joaquim Silva e Luna, que presidiu a estatal até março de 2022, afirmou que o "tabelamento" dos preços pela estatal de 2010 a 2015 provocou prejuízo de 40 bilhões de dólares e fez a empresa se tornar alvo de 31 ações movidas por acionistas minoritários. Em casos excepcionais, Araujo considera que o governo deve ter "sensibilidade" a aumentos abruptos nos preços de combustíveis e adotar uma política pública para amortecer as oscilações, mas com recursos do próprio governo, e não da Petrobras. Como alternativa, ele defende reduzir tributos ou criar um fundo de estabilização de preços, financiado com as receitas com royalties e de participação especial que o governo recebe pela exploração do petróleo no país. Apesar de o tema ter entrado na pré-campanha eleitoral, Araujo diz não crer que Lula promoveria mudanças substantivas a respeito. "Não acredito que Lula, se eleito, vá mexer na política de preços da Petrobras. O partido já teve essa experiência em um passado não muito diante, durante o governo da Dilma, de artificializar o preço dos combustíveis, o que acarretou num prejuízo muito grande para a Petrobras", afirma, mencionando reações de acionistas minoritários e redução do interesse da iniciativa privada de investir no setor. "Não acredito que o que está sendo debatido calorosamente na pré-campanha de fato se concretize, seja com o presidente Lula ou com o presidente Bolsonaro." Autor: Bruno Lupion